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01/05/22

LIÇÕES DE MESTRE (2)

Mário Martins 

https://www.fnac.pt/Sete-Breves-Licoes-de-Fisica-Carlo-Rovelli/

Posso dizer seguramente que ninguém entende a física quântica.”
Richard Feyman
Físico americano, um dos pioneiros da electrodinâmica quântica
1918/1988


OS QUANTA

Agora que a invasão bélica da Ucrânia, eufemisticamente rotulada pelos russos de “operação militar especial”, começa a ser assimilada pelos nossos mecanismos psicológicos de defesa como mais uma rotina quotidiana, como se de uma tele-novela ficcional se tratasse, voltemos à Física.

Rovelli começa por sublinhar que os dois pilares da física do século XX, a relatividade geral (que abordámos na Periscópio de Janeiro) e a mecânica quântica, não poderiam ser mais distintos.

Em 1900, o físico alemão Max Planck calcula o campo eléctrico em equilíbrio no interior de uma caixa quente, imaginando que a energia do campo se encontra distribuída em “quanta”, isto é, em pacotes de energia. O procedimento conduz a um resultado que reproduz na perfeição aquilo que é medido (devendo por isso estar de alguma forma correcto), mas Planck não percebia a razão da eficácia do método, pois a energia era considerada algo que varia de forma contínua, e não havia razão para a tratar como se fosse feita de pequenos tijolos.  

É Einstein, passados cinco anos, a compreender que os “pacotes de energia” são reais, que a luz é feita de pacotes, partículas de luz a que hoje chamamos “fotões”, vindo a obter o Nobel por este trabalho (a que deu o título “Sobre uma Perspectiva Heurística da Criação e Transformação da Luz”, mais conhecido por teoria corpuscular da luz ou do efeito fotoeléctrico), inicialmente tratado pelos colegas como o disparate juvenil de um rapaz brilhante. 

A partir daqui a teoria ganhou asas e Einstein deixou de a reconhecer. Durante as décadas de 1910 e 1920, é o dinamarquês Niels Bohr quem guia o seu desenvolvimento. É ele a compreender que também a energia dos electrões nos átomos só pode assumir, tal como a energia da luz,  certos valores “quantizados”, e sobretudo que os electrões apenas podem “saltar” entre uma e outra órbita atómica com energias permitidas, emitindo ou absorvendo um fotão ao saltarem, os famosos “saltos quânticos”.

Em 1925, surgem finalmente as equações da teoria, que substituem toda a mecânica de Newton. É difícil imaginar um triunfo maior. De repente, tudo bate certo, e consegue-se calcular tudo. Porque é que os elementos da tabela periódica de Mendeleev são os aí enumerados, e porque é que a tabela periódica tem essa estrutura, com aqueles períodos, e os elementos possuem aquelas propriedades? A resposta é que cada elemento é uma solução da equação-base da mecânica quântica. Toda a química advém desta única equação. 

O primeiro a escrever as equações da nova teoria será um novíssimo génio alemão: Werner Heisenberg, baseando-se em ideias mirabolantes. Heisenberg imagina que os electrões não existem sempre. Existem apenas quando interagem com qualquer coisa. Os “saltos quânticos” de uma órbita a outra são o seu modo de serem reais: um electrão é um conjunto de saltos de uma interacção a outra. Quando ninguém o perturba, não está em nenhum sitio preciso. Não está num sitio. Na mecânica quântica, nenhum objecto tem uma posição definida, até se deparar com outra coisa. Esses saltos com que todos os objectos passam de uma interacção a outra não sucedem de forma previsível, mas ao acaso. Não é possível prever onde reaparecerá um electrão, mas apenas calcular a probabilidade de ele aparecer aqui ou ali. A probabilidade insinua-se no coração da física, aí onde parecia que tudo seria regulado por leis precisas, unívocas e irrevogáveis.

Parece absurdo? Também a Einstein parecia absurdo. No final, Einstein aceita que a teoria é um gigantesco passo em frente na compreensão do mundo, embora permaneça convencido de que as coisas não podem ser assim tão estranhas e que “por detrás” terá de existir uma explicação mais razoável. 

Passou um século e encontramo-nos no mesmo ponto. As equações da mecânica quântica e as suas consequências são quotidianamente usadas por físicos, engenheiros, químicos e biólogos, nos mais variados campos. São extremamente úteis para toda a tecnologia contemporânea. Não existiriam transístores sem a mecânica quântica. E, no entanto, permanecem misteriosas: não descrevem o que acontece a um sistema físico, mas apenas a forma como um sistema físico é percebido por um outro sistema físico. O que significa isto? Que a realidade essencial de um sistema é indescritível? Que falta apenas uma parte da história? Ou (como parece a Rovelli) que devemos aceitar a ideia de que a realidade é apenas interacção? 

O remate desta incerteza só poderia ser de ordem filosófica: : “Não há mundo quântico. Existe apenas uma descrição física quântica abstracta. É errado pensar que a tarefa da física é descobrir como a natureza é. A física diz respeito ao que podemos dizer sobre a natureza” (Bohr). “Temos que lembrar que o que observamos não é a natureza em si, mas a natureza exposta ao nosso método de questionamento.” (Heisenberg). Afirmações com as quais o realista Einstein não poderia concordar, uma vez que recusava que os efeitos não pudessem ser previstos de forma completa e inequívoca a partir das suas causas.

Pontos a reter: a luz é corpuscular (embora, de modo complexo, assuma um comportamento dual de onda-partícula), feita de pacotes de energia, os quanta; o mesmo se passa com os electrões, no mundo subatómico; contrariamente à física clássica, a mecânica quântica é dominada pelos princípios da incerteza e da probabilidade.

O que são fotões, os quanta da luz? Perto do fim da vida, Einstein confessou que ao fim de 50 longos anos de meditação consciente sobre a questão, não estava mais próximo da resposta…

NB: Tal como na 1ª. lição, este é um resumo livre da 2ª. lição de Carlo Rovelli, querendo com isto dizer que para lá das muitas transcrições praticamente literais da obra, mistura algumas “liberdades” de um curioso da ciência, esperando, com isso, não ter atraiçoado o sentido desta lição e das que se seguirão. Dada essa mistura, não foram colocadas entre aspas as transcrições da obra. 



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