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01/09/17

CARTAS DE SANTA MARIA


Fernão Vasques





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Borgarbyggð, 31 de Agosto

Ao procurar razões para ter parado nesta pequena cidade, não encontrei nenhum aspecto substancial. Creio que foi o cansaço. Não o físico, mas o anímico, essa sensação, que em certas ocasiões nos chega, de termos perdido tudo e para perder tudo, não é necessário que sejam muitas coisas, por vezes, basta uma só, seja um objecto, algo ou alguém que nos esteja próximo e cujo significado nos preencha a vida. Caminhei calma e despreocupadamente ao fim da tarde por uma rua sem saída. Tem o nome de Berugata, mas desconheço se é nome próprio ou se tem outro significado. São cento e cinquenta metros de via. Do lado interior, estão vivendas de arquitectura simples, com um piso. Do lado oposto ficam as águas do golfo, uma entrada profunda com quase vinte quilómetros e a cidade forma uma ínsua no seu interior. À esquerda aparece no horizonte uma travessia de mil e quinhentos metros e em frente o que me trouxe aqui por esta hora, um maciço de rocha erguendo-se na outra margem. Uma parede que se ergue e tapa o horizonte com elegância. As águas oceânicas quase não se movem e o céu aparece rasgado por fiapos delicados de nuvens que se desdobram em cinzas acastanhados. Sente-se uma placidez transbordante que parece extensiva a toda a ilha. Entrei na Islândia pelo sul, pela pequena cidade de Vík í Mýrdal com os seus 300 habitantes. Escolhi este lugar atraído pelas colónias dos fascinantes papa pufins e pelo glaciar Mýrdalsjökull no interior do qual repousa activo o vulcão Katia, há cerca de cem anos sem sinais de vida. Os pássaros retiveram-me em horas de contemplação. Não apenas pelas suas cores e o seu aspecto, mas também porque se percebe alguma ternura nestas aves. Da montanha onde repousa o gelo fica o pasmo das muralhas de neve secularmente solidificada e esse receio de que a todo o momento tudo aquilo se pode desmoronar em vagas de água imparável. Segui para norte, mas evitei a capital, pela concentração de pessoas, cerca de 50% da população do país. Quase tudo é novo, em cada lugar que se atravessa, desde os edifícios às estradas, como se só há pouco este território tivesse conhecido a presença humana, ou tivesse simplesmente pretendido esquecer o passado, pretérito esse que, no entanto, é longo com mil e duzentos anos. Foi um país sempre ocupado e os reinos da Noruega e da Dinamarca bem podem responder pela miséria, por vezes extrema, que atingiu os islandeses desde a Idade Média até ao século XX. Halldór Laxness, o Prémio Nobel islandês, retrata bem essa vivência em alguns dos seus romances. Com a independência, em 1944, os islandeses transformaram o seu país até o terem elevado a um dos lugares do planeta com mais qualidade de vida. Tudo é belo nesta ilha. A natureza deslumbra a cada instante, umas vezes pela grandeza, outras pelo pormenor. Sobretudo há uma sensação de serenidade, de descanso, de distensão. A solidão que se sente no exterior de cada localidade e nas grandes extensões que separa algumas, é compensada pelo ambiente que nos rodeia, como se dialogássemos com o espaço que nos envolve. É um país tranquilo, como me faz sentir neste fim de tarde e início de uma noite que tarda em chegar no Verão e não chega a escurecer o dia que quase nasce após ter acabado. São dias longos e temperaturas amenas se pensarmos na latitude em que nos encontramos. O círculo polar fica por aqui e faz-nos lembrar que este caminho que tenho percorrido se aproxima do fim, tal como estas palavras se esgotam, preferindo a meditação com o olhar pousado na cordilheira que se desenha altiva na outra margem.

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