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01/02/14

A BANALIZAÇÃO DA ESTUPIDEZ!

Mário Faria

 

Um Ser invisível

Tinha sido decretado o nojo nacional por três dias, pela morte do King Eusébio. O dia do seu funeral teve direito a directo, na maioria dos canais da TV nacional. Os testemunhos davam conta do sentimento de perda, sempre de forma muito comovida e uma criança chorava copiosamente, quando foi entrevistada. Nesse dia, altos dignatários da pátria exigiram a trasladação de Eusébio para o Panteão Nacional. A ideia instalou-se com carácter irrevogável. Resolvi fugir de tanto choro, e fui comprar senhas de autocarro e rebuçados do Dr. Bayard.

Na tabacaria, soube que tinha morrido D. Etelvina, sentada na sua velha poltrona junto da TV, que dava em directo o funeral de Eusébio, quando Chico Fininho deu conta do óbito. Dela há pouco para saber: viúva, reformada, com escassos recursos, zangada com o mundo, vivia na orla do bairro há muito tempo, sozinha, amargurada, doente e sem amparo familiar. O filho, a nora e a neta não a visitavam. D. Beatriz, D. Mariazinha e o Chico, nos intervalos das suas intensas actividades como voluntários, davam-lhe algum apoio e serviam de ponte com os serviços sociais que lhe prestavam uma ajuda esforçada. A causa da morte terá sido um AVC. Na vizinhança, a morte da mulher não provocou qualquer sinal de pesar. As narrativas em torno da sua morte, a presença do filho muito perturbado e a morte do Pantera Negra, eram discutidos de forma emocionada. D. Etelvina, em vida, nunca merecera tanta atenção.

Regressei a casa a matutar nas diferenças e como deve custar a solidão. O processo da morte somente pode ser compartilhado até certo limite: se uma pessoa que está a morrer sentir que deixou de ter significado para os outros, torna-se um “ser invisível”, conforme lhe chamou Norbert Elias. A dor dos excluídos passa despercebida e torna-se frequentemente um tema socialmente irrelevante.

Grande Oficial

O CR7 é motivo de orgulho para todos os portugueses, disse um jornalista na TV a propósito da sua condecoração, por ordem de sua excelência, o Presidente da República. O jogador foi armado Grande Oficial da Ordem do Infante, pelos relevantes serviços prestados à pátria. Duzentos jornalistas acompanharam a cerimónia. “Ronaldo traz a alegria a milhões de portugueses e as suas vitórias são um exemplo da coragem de acreditar”, disse Cavaco Silva. Esta sensata decisão do nosso querido presidente, sustentada no cumprimento do magistério de influência que lhe compete exercer, agradou à Nação. A comunicação social acompanhou o evento, com fervor e entusiamo.

O “crime” do Meco

Na caminhada habitual que costumo realizar no meu Jardim d’Arca de Água, dei com um grupo de jovens estudantes no nobre exercício de recepção aos caloiros. Os mandantes, todos vestidos a rigor, de capa e batina, naquele preto mais escuro que o negro, e os mandados em fato-macaco cinzento que continha a inscrição da universidade a que pertenciam. Às palavras de ordem que os primeiros gritavam, os segundos cumpriam obedientemente, mas aparentemente sem desagrado. A estupidez da “brincadeira”, a forma como estavam vestidos e aquela relação de poder e subserviência doentia estabelecida entre pares, colegas e companheiros, incomodou-me e resolvi abordar um dos dux presentes, que me atendeu de forma distante. Desafiei-os a mudarem de poiso, porque faziam muito barulho e irritavam o sossego. Respondeu-me de forma bastante grosseira. Não dava para conversar e virei-lhe as costas.

As praxes são sempre uma forma de dominação. Se não há violência explícita na praxe, sobram os sinais de humilhação insuportáveis. Não identifico qualquer sinal que recomende a sua existência. É proibido proibir, defendem as associações académicas. Mas, não dá para calar. Nunca é demais denunciar a praxe e a estupidez absoluta da coisa.

 

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