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01/03/13

PARA JÁ, VOU PARA A RUA!

Mário Faria

 

 

1) Ser e ter : ambos se conjugam para que, relativamente à actual situação política, social e económica, me situe num plano de oposição total ao governo e ao modelo que o sustenta. Tenho cultura de esquerda, sou amigo da liberdade, defendo a iniciativa privada, a regulação e sofro todos os dias os mais vis ataques, através dos impostos que aplicam às minhas pertenças. Não escamoteio que, hoje, a minha posição não é apenas de solidariedade para com os que (mais) sofrem, mas também é (e muito) de repúdio pelo esbulho a que me sujeita diariamente o fisco deste país, sem qualquer sinal de retorno. Nem uma luzinha ao fundo do túnel. Essa revolta que sinto não é cega: obriga-me a estar mais atento, a querer perceber as causas e compreender os efeitos para que a emoção não contenha a necessidade do saber que alimenta a razão. Tento conhecer as narrativas dominantes, não responsabilizo os partidos como únicos responsáveis pela actual crise, pesquiso e ajo como um cidadão preocupado, mas continuo sem certezas e com a convicção que o pior ainda está para vir. A crise sistémica do modelo capitalista vai produzir efeitos globais nocivos e devastadores no chamado mundo ocidental.

2) “O sistema capitalista, actual, cumpriu a sua função e já se encontra praticamente esgotado. A crise das hipotecas de alto risco, ou subprime, os níveis descontrolados a que se deixou chegar a economia financeira, os montantes de dívida privada já incomportável a todos os níveis, a crescente produtividade que já está a tornar excedentários amplos sectores da sociedade, os progressos de uma tecnologia cada vez mais eficiente não são mais do que manifestações do esgotamento do sistema. A (crise) de 2010 não será uma crise conjuntural à semelhança da de 1962, 1987, 1991 ou 2000, mas sim uma crise sistémica, porque pressuporá mudanças na forma como as coisas são feitas, ou seja, no modo de produção, tal como pressupôs o crash de 1929.”

3) Seguramente que investimos demasiado no cimento e no asfalto, que nos endividámos demasiado com obras faraónicas, que as empresas públicas sorveram demasiados fundos, mas a obra está cá, é nossa e serve para uso público ou privado. Não podemos dizer o mesmo do capital. 1) Todos os dias saem 5,4 milhões de euros de capitais com destino aos paraísos fiscais, de acordo com dados do Banco de Portugal; 2) É uma fuga recorde de capital estrangeiro para fora de Portugal, de 32,4 mil milhões de euros, nos primeiros noves meses do ano; 3) Os valores são de facto impressionantes, no final de 2009 estavam parqueados nos ditos off-shores, puros e duros, 16 123 milhões de euros, cerca de 10% do PIB. Valor que sobe para 65 mil milhões de euros (cerca de 40% do PIB) se incluir, esses outros paraísos fiscais que são a Holanda, o Luxemburgo, a Irlanda e a Suíça. Hoje, dois anos depois e conhecidas que são as movimentações de capitais registadas nos últimos tempos, nomeadamente para a Holanda, não andaremos longe de um valor próximo de 75 mil milhões de euros parqueados nestes ditos paraísos fiscais (prox. 50% do PIB) ; 4) O Governo perde todos os anos mais de 12 mil milhões de euros em fuga aos impostos, o triplo daquilo que pretende cortar na despesa pública em dois anos (2013 e 2014), mostra um estudo independente da consultora britânica Richard Murphy FCA, elaborado para o grupo Aliança Progressista de Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu.

Como reter o capital para investir na economia : eis a questão. Seguir o dinheiro, combater o primado dos “mercados” e não permitir que a política se subordine a ser amiga dessa “entidade tão difusa”, forte e reverenciada que nem os deuses. Não conheço a resposta para combater a crise, mas o caminho faz-se caminhando. No quadro actual, passa por resistir e participar activamente nos movimentos que lutam contra o sistema capitalista e a política terrorista dos ditos mercados, que ofendem os direitos humanos e põem em causa o estado social. Sem dogmatismos, é um legado que temos de defender. A iniciativa privada deve ser o motor da economia, mas não devemos permitir que a propriedade comande a vida e estabeleça os limites da liberdade.

Depois destas notas feitas de revolta e menos de critério de quem não sabe o que fazer de imediato, a não ser que vai cantar o “Grândola” até que a voz lhe doa, com os camaradas e companheiros que estiverem na luta, aproveito para brevemente responder à sugestão do Mário Martins com os seguintes comentários:

* A organização dos partidos tende a desfavorecer a proximidade ao cidadão, esgotando-a no processo eleitoral, mas não vejo como o sistema de representação os possa dispensar;

* A intervenção dos cidadãos é fundamental para que as forças organizadas se ponham em linha com as suas reivindicações e não se fechem sobre as suas certezas. Porém um Grillo, por muito bem que cante, não faz a primavera;

* O capitalismo é avesso da regulação, que apenas lhe serve para responsabilizar os seus desmandos. O primado do capitalismo enaltece o individualismo e combate qualquer intromissão do Estado, ainda que bondosa. Não há razões sustentadas, em termos de interesse público, para que não se combata as offshores ou se aceite a taxa Tobin. Mas acontece, talvez porque não haja uma corrente política suficientemente forte para combater os excessos do sistema;

* O gigantismo das estruturas do estado, o amiguismo, as práticas obsoletas, o excesso de burocracia, o facto do pagamento dos impostos corresponder para muitos cidadãos uma espécie de seguro de cobertura ilimitada e contra todos os riscos e, sobretudo, a corrupção e o tráfico de influências, ao nível do aparelho de estado, são pecados mortais para a credibilidade dessa entidade a que genericamente chamamos de “Estado”. O “mundo das empresas”, como a lua, sabe esconder o seu lado mais negro e ilumina apenas o que lhe convém. A democracia acaba onde começa a propriedade privada. Esta visão está enraizada na sociedade ocidental e é uma ideia formatada pelos poderes dominantes.

* Como podemos agir se não sabemos o que fazer ? Pela minha parte, não tenho dúvidas que a “austeridade”, não tendo resolvido nem o problema do défice nem o da dívida, bem pelo contrário, ficou irremediavelmente comprometida porque é um desastre no presente e uma ameaça ao futuro da grande maioria dos portugueses. Fico aliado de todos que a criticam e receptivo a todas as acções dos que a combatam: cidadãos indignados, partidos da oposição e sindicatos. Tenho de aproveitar o que tenho à mão. Desta vez, vou para a rua e já no próximo 2 de Março.

 

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