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01/06/12

FADOS

Cristina Guerreiro

Rio Tejo


Daqui avista-se o Tejo, uma imensidão de água azul como mar em dias de sol. Vejo-o eu e a imitação do Arco do Triunfo, ao alto encavalitam-se as estátuas paradas sem conversa, enjoadas por uma justiça que perdeu o tino. O homem de joelho por terra só vê terra, areia, pedra, o martelo e as botas de trabalho de outros que andam por ali largando pegadas ou tropeçando no fio que lhe apruma a direiteza à obra. Ignora o ruído e as beatas fumegantes atiradas cegamente, escuta o seu martelo a picar a pedra branca nos cantos e a desenhar-lhe ancas de mulher que se hão-de encaixar no negro das outras, não há flores penso eu, não há rosas-de-vento para este Tejo e as estátuas estão perdidas, sussurro, o homem endireita a espinha e crava-me os olhos nos meus. Envergonho-me da minha altura. Talvez deva agachar-me. Dobram-se-lhe as costas num arco mais perfeito que o triunfo. Areia, esburaca como um menino, terá os mesmos cem, duzentos anos que o homem antes dele tinha quando também esburacava, acamava pedra branca, ajeitava pedra negra, aconchegava tudo numa terra apertada sem desvios. Muitos a cuspirem, a pisarem, a correrem, a sangrarem. Quando tudo estiver pronto, há-de lá passar com o filho, de mão dada para não se perder por não haver rosas-de-vento, e há-de contar-lhe que cem, duzentos anos atrás um homem igual a si fez aquele chão onde estão agora e até uma mulher que o olhava e falava sem som, deitou lágrimas iguais à água do Tejo.

O meu autocarro só parou ali por um minuto, apenas um eterno minuto.

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