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01/10/11

CORRENTES DE PALAVRAS

 Alcino Silva

http://thelongtide.wordpress.com/


«falta futuro a quem tem no presente ambições passadas». “Para falar deste tema vou ter de falar do mar. Ele é a concretização de dois mundos. Tem o efémero, na renda de espuma que cada vaga cria, e tem ao mesmo tempo, no mar propriamente dito, a essência do tempo, aquele tempo que se converteu em problema e que nos problematiza.”

Eduardo Lourenço






Foi o vento rebelde batendo contra a proa e agigantando as ondas que impediu o desembarque marítimo nas areias das palavras, enquanto no céu gaivotas famintas gritavam na alegria do amanhecer o seu desgosto pelo mundo. Procuramos então porto seguro e, horas volvidas, aqui me encontro, no interior desta composição sob carris paralelos que vão de sul para norte, no alvoroço de tantas palavras procurando lugar. Por entre substantivos, interjeições, advérbios fui tentando encontrar um lugar para mim. Detive-me quando essa oportunidade surgiu. Sentei-me ao lado do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo amar, o qual conversava pausadamente com o substantivo amizade, acompanhados do advérbio sempre. Ali estava no tumulto das palavras de distintos destinos gramaticais soando como uma música suave invadindo o pensamento. Terei bloqueado o tempo e estacionado nesse longínquo pretérito onde tudo acaba perecido, perguntava-me à chegada enquanto caminhava abraçado à ideia da descoberta, a essa odisseia de encontrar o novo e o inesperado. É certo que no meu presente mantenho as ambições passadas, mas essas almejavam apenas encontrar-te, achar-te entre as maresias do futuro. Vivo o presente projectando-me nesse tempo onde te encontras, onde esvoaças por ente girassóis de pétalas abertas, como um universo de estrelas que não se apagam. O meu presente é como um remo que mergulha na água antecipando a chegada do barco onde viajo e a projecta para o passado, assim fazendo com que prossiga a busca do porvir, esse espaço onde residem os sorrisos que se foram acumulando em imagens de vida, construídas na fantasia das palavras. As ambições passadas foram edificadas de sonhos, de ideias, de vontades e estas só se encontram no tempo que haverá de chegar, pelo que ao procurá-los no presente estou a demandar o futuro. Deixaria de o ser se, na verdade chegasse a encontrar a utopia dos desejos, mas sobre o que alcançamos, logo desenhamos novos sonhos fazendo do futuro um presente em permanente construção. Assim, te vou procurando em cada uma das vezes que te invento e a cada momento que partes, de novo te procuro e assim levo este navegar de chegadas e partidas e o meu presente vai sendo feito de futuro porque se sustem de desejos passados. Os artesãos das palavras, sentam-se em sucessivas mesas e desdobram as suas frases, constroem os parágrafos exprimindo ideias e chegam a desenhar capítulos donde saem histórias e contos, romances de encantar. A delícia de os escutar passeia pela sala, vagueia ao longo dos dias e perco-me entre livros, afagando títulos, desfolhando páginas. Pressente-se o fim, a partida aparece sempre precedida de um grande encanto. Aos poucos sinto o momento da perda e a alegria parece descer em mim procurando o refúgio da alma. São passos lentos que me movem até à estação, pese embora viajar em mim o entusiasmo e o prazer daqueles dias inesquecíveis. Embarco e procuro lugar como se deambulasse. Os sons de todas aquelas palavras vivem em meu redor, mas já não escuto, estou isolado no interior desta campânula onde se encerra o pensamento à procura da memória. Talvez demande a lembrança do passado agora que me deixaram sem presente. Encontro um lugar. Apenas um adjectivo nele se senta, de nome, belo, mas no superlativo absoluto simples. Pouso o meu olhar sobre o seu como no tempo em que a beleza me visitava ao amanhecer e deixo-me ir, só acordando desse torpor contemplativo quando se ergue para sair. A noite já nos alcançou e dois lugares à frente, restam os dois últimos passageiros destas correntes, o verbo amar e o substantivo silêncio. Apenas um conversa e os sons que produz aparecem como um cântico suave e doce. Aproxima-se a última estação e em ritmo lento a composição pára e as portas abrem-se. Estamos os três. O verbo levanta-se e sai. Vejo-o caminhando no cais, por entre as pessoas que se apressam, como se procurasse alguém, um alguém que o estará esperando. As portas encerram-se de novo e o movimento recomeça, sereno. Após esta derradeira estação já não há destino. A música deixou de se ouvir, desapareceu a magia dos sons que nos embala nos momentos inesquecíveis do tempo. Não sinto nada para além do olhar do silêncio. Ainda pergunto, «viajas sempre só?» e tenho como resposta, «por vezes, adiante, entra um substantivo, chama-se solidão». O comboio acelerou e perdeu-se na noite.   

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