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01/01/09

A LIBERDADE ENTRE CORTINAS

António Mesquita
Silent rain (Jaume Plensa)


"Gosto imenso da minha sorte. Sei o que se espera de mim. Sou bem tratado. Não tenho nenhuma responsabilidade. Nasci escravo, escravo morrerei. Não tenho a mínima angústia."

"God, Shakespeare and me" (Woody Allen)


Em que tempos, como estes, terá parecido tão polémica a palavra liberdade, a ponto de alguns não reconhecerem nela a inspiração de tantos homens do passado?

Parece-me que a mudança aconteceu quando ela deixou de ser um ideal para passar a ser uma arma política e uma arma dos Estados. Até ainda há pouco havia o Mundo Livre e o mundo para lá da Cortina de Ferro, lembram-se?

Graças a essa divisão ideológica, tudo, no Mundo Livre, passou a ser expressão da liberdade, desde a escolha da marca do detergente até ao voto num partido da oposição. Por contraste, o outro mundo era escravo, mas não como aquele de que fala Woody. Esses escravos sofriam pela falta de liberdade que tinham os do Mundo Livre. Eram esmagados pelos seus regimes, como qualquer veleidade de democracia era esmagada pelos tanques.

Por isso, agora que já não se fala em Mundo Livre, a liberdade perdeu a sua aura e escolher entre as propostas da publicidade é só isso e nada mais. Mas talvez esta seja uma grande oportunidade para se redescobrir o verdadeiro sentido da palavra liberdade.

A liberdade, tal como muitos ainda a vêem, é uma arma da Guerra Fria. Um embuste que levava a que o mais deserdado do Mundo Livre se pudesse considerar livre em relação ao escravo do outro lado da Cortina. Na verdade, tinha a liberdade de não conseguir emprego e, talvez, morrer de fome, como agora acontece, mas sem hossanas à democracia, se é que alguma vez esteve iludido a esse ponto. Para aqueles, a liberdade nunca recuperará os seus títulos de nobreza e só o regresso da ditadura poderá fazê-los mudar de opinião

No entanto, a liberdade como autonomia e capacidade de acção é o mais prezada possível por todos os homens e todos desejariam escapar à doença ou à prisão. E ninguém pensa que um homem manietado pode ser de alguma utilidade para si ou para os outros. Mas será que a liberdade política não tem nada a ver com isto? Que o pensamento pode ser censurado e a acção cívica pode ser coarctada (em nome dos bons princípios, evidentemente) sem prejuízo de todos?

Talvez que esta ideia de liberdade seja de todos os tempos e que apenas tenha estado ocultada pelo labéu que, para alguns, atingiu as chamadas liberdades burguesas. Também, pensando nela, sabemos quais são os regimes em que ela não pode medrar para infortúnio de todos e, em primeiro lugar, dos que passam fome por reinar a ignorância e a estupidez, em vez do saber e a inteligência.

Não há nenhuma sociedade justa segundo os princípios, sem homens livres que os defendam. Porque a primeira lição da história é que não há poder nenhum que seja bom, nem que não obrigue a trair os princípios.


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