01/05/25
OS ANÕES DA POLÍTICA
A tentativa de manter a economia através de gastos no militarismo só responderá aos interesses dos grandes grupos económicos dos países mais importantes, particularmente dos EUA, da Alemanha e da França. Os restantes serão apêndices. Esses gastos não terão efeitos reprodutores, serão para queimar, para destruir.
O Secretário-Geral da Nato, Mark Rutte, veio a Portugal, para dizer que é preciso cortar nas pensões, nos salários, na saúde para gastar em armamento. O ministro da defesa, Nuno Melo, acusou todos aqueles que dizem que vai haver cortes nas pensões, nos salários, na saúde são demagogos e não sabem o que dizem porque não vai haver quaisquer cortes por causa dos gastos no armamento. Depreende-se das palavras do ministro da defesa, Nuno Melo, que o Secretário-geral da Nato é um demagogo e um grande mentiroso.
O que se sabe desde já é que o governo já apresentou ao Comité Económico e Financeiro do Conselho da União Europeia a intenção de activar a cláusula de escape nacional para aumentar o investimento no valor de 1,5% do PIB, sem comprometer o cumprimento da regra da disciplina orçamental do Pacto de Estabilidade e Crescimento, conforme pediu o executivo comunitário, no âmbito do armamento da Europa. O reforço em gastos com a defesa de 1,5% do PIB obrigará o governo a orçamentar mais 4.500 milhões de euros ao longo de 4 anos. Esse dinheiro não será contabilizado como défice excessivo. Mas mais cedo do que tarde terá que ser pago a quem emprestar com os inerentes juros. Mesmo com muita propaganda a realidade acabará por se impor e a narrativa ficará cheia de buracos. Os anões da política devem ser desmascarados.
Quando o valor passar para 2% ou mais como vai ser?
NO CORRER DOS DIAS
Vladimir. Caminho para a estação
no alvorecer do dia. A cidade acorda com lentidão e um silêncio harmonioso
plana sobre as ruas e os jardins arbóreos da cidade. O grande edifício de verde
esmeralda sobre o claro domina o espaço envolvente e o longo comboio estende-se
pelo cais como se acordasse há momentos. Atravessamos o Ob com vagar, escutando
os rodados a vencer cada união dos trilhos com um plac, plac cuidadoso. Os rios
siberianos são largos, lentos e volumosos na primavera. Assim é este rio, o Ob
que atravessa Novosibirsk a caminho do mar de Kara no Árctico. As pontes
ferroviárias que atravessam estes cursos de água são semelhantes, equilibradas
por amplos semi-círculos de ferro e os pilares maciços em pedra dura. Será
assim nas travessias do Volga do Irtich e do Kama, nas cidades que vou olhar
desta janela onde encosto a cabeça numa mistura de curiosidade e de sonolência,
mas resisto em sair para viajar pelas suas ruas e jardins. Umas de criação
recente, do século XVIII, outras de idade longínqua nos primórdios da Idade
Média. Em Omsk ao atravessar o Irtich não podemos deixar de pensar no exílio de
Dostoievski. Esta cidade era então o centro urbano de maior relevo na Sibéria,
mas estava longe ainda de conhecer a expansão subsequente. Na sua obra “Recordações
da Casa dos Mortos” apercebemo-nos do rigor que era então viver na taiga
siberiana, mas quando hoje atravessamos estas planícies e tentamos penetrar na
alma destas aldeias, apercebemo-nos que a realidade está para além da vivência
que colhemos do relato da sua leitura. Continua a não ser fácil viver nestas
paragens, mesmo com o bem-estar que é possível obtermos neste século XXI,
caracterizado por ondas de violência que assustam a humanidade. O caminho até à
próxima grande cidade é longo e as locomotivas que rebocam estas 11 carruagens
entram numa cadência que amolecem a vontade e incitam o pensamento. Às extensas
rectas, seguem-se curvas abertas para ambos os lados, a linha em certos locais
está pousada sobre aterros elevados e as suas margens enchem-se de árvores e arbustos,
por vezes distribuídos em florestas densas e impenetráveis ao olhar. Exige
esforço pensar na vivência humana nestas paragens, mesmo quando no meio do nada,
se aqui faz sentido esta expressão, nos surge uma aldeia de casas baixas de
madeira e os apeadeiros mostram-se tão isolados que não é possível atribuir-lhe
nome de lugar, assumem como indicativo o número quilométrico da linha. Observando
e pensando, bate-nos no rosto com violência a enorme contradição que em todos
os tempos se vive, entre a beleza, o sonho e a maldade, a infâmia e a perfídia
humanas. Quando levamos já milhares de anos de História, a humanidade chega a
este tempo, subjugada por uma quadrilha de criminosos fanáticos, supostamente
religiosos que não apenas se apoderaram de um território, como submeteram o
colectivo humano planetário a aceitar como banalidade o extermínio de um povo
em directo. As democracias coloniais contemplam o massacre num campo de
concentração a céu aberto com a placidez e a bonomia de quem assiste a uma
corrida de gansos num lago ajardinado. E esse auto-denominado «Ocidente
colectivo», estende passadeiras vermelhas e recebe nos seus palácios os
responsáveis dessa horda, pese embora o estrume que irradiam do seu vocabulário
infesto e infame. Tocamos no fundo do horror, da violência à solta de uma
escumalha que se acredita dona do planeta. As elites europeias mergulhadas na
sordidez de um poder monstruoso que erigiram sobre o que denominam, «os nossos
valores», navegam na estupidez da burla com que brindam os povos. Os povos na
sua infinita sabedoria, chupados, zurzidos e largados na margem da vida,
refugiam-se nos antros da extrema-direita, como um náufrago que não sabendo nadar,
deita fora o colete salva-vidas convencido que fica com os movimentos mais
livres. É o estertor melífluo de cinco séculos de colonialismo que geraram um
estado de vida em cima da pilhagem e do roubo. Acordamos deste torpor ao
pararmos em Ecaterimburgo. Estamos do lado oriental dos Urais. No fulgor da
revolução aqui foi morta a família dos Romanov que pouco antes ainda eram
senhores e proprietários de todas as terras da Rússia. Pese embora não se conheçam
na totalidade todos os factores que levaram à sua morte, seria hoje impensável
que tal pudesse ocorrer. Não que fosse pensável em qualquer época mas a
grandeza da fractura que abrangeu todo o território do império czarista
gerou ondas de violência de ambos os lados que permitiram que tal pudesse ter
ocorrido. Naturalmente que a morte dos Romanov tal como terá acontecido, não
apaga os imensos crimes do reinado deste, e não só este, czar, mas não convém
esquecê-los porque a História não apaga registos. A locomotiva, após dois
toques breves e um longo, movimenta-se numa lentidão evolutiva, enquanto se
mantém a nossa dúvida se devíamos atravessar os Urais em direcção a Perm ou
seguir pela Linha do Ural para visitar Cazan, a capital do Tartaristão nas
margens do Volga com o seu complexo do Kremlin como Património da Humanidade, a
beleza da Catedral da Anunciação ou a sublime formosura da sua Mesquita. Cazan
é História, o fluir da história, a passagem dos tártaro-mongóis. Este postal é
pequeno para tanto movimento humano. Mas já é tarde para voltar atrás, saímos
já da cidade e contornamos os Urais pelo Sul, entramos, pois, na Europa, mas
ainda com tanta Ásia, nos costumes, na cultura, nesses elos que ligam a
humanidade em qualquer lugar que se encontre. Vencida pelo cansaço, não vi a
passagem por Perm nem a longa travessia do Kama. O amanhecer encontrou-me com a
composição a atravessar o Volga e a entrarmos em Nijni-Novgorod. Estamos agora
a penetrar no espaço da Rússia milenar, nos seus séculos XII, XIII. Foi a
partir de Nijni que entre 1611 e 1612, um exército comandado pelo príncipe
Dmitri Pojarski e Kuzma Minin se dirigiu a Moscovo e expulsou as tropas polacas
que ali se haviam instalado à boleia do usurpador Dmétrio. Em Moscovo sempre se
pôde entrar, mas não se pode demorar. Tem sido uma lição repetida, tanto faz
que tenham sido os Tártaros-Mongóis, os polacos, Napoleão ou as hordas nazis. Não
fosse a nossa vontade de rumar a Norte e esta cidade onde nasceu Maximo Gorki
merecia uma longa visita. Ao início da tarde, este comboio que me trouxe
subitamente para Oeste, deixa-me na estação de Vladimir. O que aqui vou ver e
apreciar fica para outro postal.
CRENÇAS E CRENDICES
POESIA
Helena SerôdioCONSUBSTANCIAÇÃO
Criei-te belo,Viril,Perfeito.E voaste do meu pensamentoCom possantes asas de condor,Garras de águia com dedos de flores,Olhos de abismo,Corpo e alma livres como o vento!Não sei se tu existesOu se vives só dentro de mim.Mas o meu olhar é espelho da tua imagem,Na minha boca fala o teu silêncio,Nas minhas mãos vibram os teus gestos!Em ti começa e acaba o que não tem fim...Tu só és real quando te corporizas em músicaE dela se evola a tua presença.QuandoOs teus braços se estendem para a minha fragilidadeE a firmeza dos teus pulsos me sustem.QuandoO teu sorriso se enflora como um jardimE num cântico de aveA tua voz incendeia os meus ouvidos.QuandoO sonho é uma fuga para o espaçoQue nos leva a um paraíso interditoE tu trazes o perfume da noiteEm que hei-de morrer contigo.QuandoHá uma pausa esquecida no tempoE num breve interlúdio de amorA tua sombra se une à minha.Quando,Subitamente,O teu beijo perpetua esse instanteE o instante eterniza a minha vida!...
REFLEXÕES À SOLTA
Mário Martins
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“(já que) as reflexões são os acontecimentos da vida moral.”
Honoré de Balzac , “Ilusões perdidas”
Segundo a Cáritas, em Portugal há meio milhão de pessoas na situação de extrema pobreza, e a população sem abrigo continua a aumentar. A crueza desta realidade, objecto de cíclicas notícias e de misericordiosa caridade, parece, no entanto, ser estranha à política do costume. A pobreza tem futuro.
A atitude de quase toda a Oposição, de exigir mais e mais esclarecimentos sobre a “empresa de consultoria de gestão, orientação e assistência operacional a empresas ou organismos”, anteriormente criada pelo Primeiro-Ministro é, certamente, a que mais convém a Montenegro, porque relega para segundo plano o facto de, através da sua família mais chegada, não se ter desligado dela, pelo menos aquando da sua posse como chefe do governo. Que autonomia poderá ter o Primeiro-Ministro nas decisões do Governo relativas ou abrangentes aos clientes da sua empresa oportunamente transferida para a esfera familiar? Esta é a questão central à qual não é preciso nenhuma comissão parlamentar de inquérito para responder.
O programa e o modus operandi da actual administração americana colocam na ordem do dia a velha questão de saber se a política seguida é objectivamente determinada pelas condições existentes, ou se é resultado subjectivamente definido pela nova liderança. Se é certo, na crítica do democrata Bernie Sanders, que o partido azul se esqueceu da classe trabalhadora, parece, no entanto, claro que o programa radical e voluntarista que está a ser executado a todo o vapor, está muito para além de constituir uma resposta aos problemas. Um misto de carisma e narcisismo do líder, desprezo pela verdade factual, ideologia e propaganda, sobrepõe-se, de uma forma errática e perigosa, a roçar a autocracia, às condições objectivas.
Paradoxalmente, o namoro yankee com o urso russo poderá diminuir a turbulência actual das relações internacionais, ainda que à custa da soberania de nações mais fracas. E se em plena vigência da guerra fria, os americanos procuraram tirar partido do diferendo sino-soviético, cativando os chineses para enfraquecer o rival, agora tentam separar os russos do gigante económico chinês; tudo se passando entre as três superpotências nucleares, à semelhança do que acontece no futebol português, em que há um campeonato dos três grandes e outro dos pequenos. Nas palavras de Armando Marques Guedes, professor catedrático jubilado, especializado em Direito e Segurança, na entrevista ao canal Now de 2 de Abril passado, “O que as superpotências buscam são esferas de influência. O resto é cascalho...”
A corrente de opinião que defende a paz contra a guerra, é apelativa mas simplificadora. Perante as invasões napoleónica e nazi, o que fizeram os russos? E o que se esperava que fizessem os ucranianos face à invasão russa e ao ataque declarado à sua soberania? Que opção tomar, numa terra apelidada de santa, reivindicada por dois povos que, contra todas as resoluções, não querem partilhar, e perante o morticínio de Gaza que mesmo um ataque terrorista a civis não pode justificar? E se Portugal fosse invadido, o que deveria fazer?
Salvo no domínio científico, as sociedades humanas não aprendem com os erros, sejam eles os mais trágicos, repetindo-os, sob novas roupagens, ao longo das épocas.
A rematar, um problema filosófico que tem tanto de interessante como de intrincado. Na coluna semanal da Revista do Expresso, de 14 do passado mês de Março, Pedro Mexia (antes de lhe dar o “tranglomanglo”, descrito na Revista em 28 do mesmo mês) cita o filósofo holandês Bento de Espinosa (1632-1677): “Pedro, por exemplo, é algo de real; porém, a verdadeira ideia de Pedro é a essência objectiva de Pedro e, em si, algo de real e totalmente diverso do próprio Pedro. Sendo, portanto, a ideia de Pedro algo de real, com a sua essência peculiar, será também algo de inteligível, isto é, será objecto de outra ideia, a qual terá em si objectivamente tudo o que a ideia de Pedro tem formalmente e, por sua vez, a ideia, que é a ideia de Pedro, tem igualmente a sua essência que pode também ser objecto de outra ideia.” “Quanto às restantes coisas relacionadas com o pensamento, como o amor, a alegria, etc., não me detenho; pois, nem interessam ao nosso presente propósito, nem tão-pouco se podem conceber, a não ser que se perceba o entendimento.” Mexia, confessando que ficou “preso nesta gincana três quinze dias” (a teoria, em cascata, de Pedro), conclui: “E assim, se mal estava, pior fiquei.”