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01/01/11

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ANO NOVO

Mário Martins


Outra vez o domínio alemão
A Europa é uma ficção?
Vem aí a recessão
Desviando dinheiro do circo para o pão terá César razão?
A História tem destas coisas
Com uma injecção de capitalismo no seu sistema
A China (socialista?) tirou milhões de pessoas da pobreza
Com uma injecção de dinheiro público no capital
Os países capitalistas (o mundo?) procuram recuperar um sistema sem rival
O poder económico-financeiro desloca-se para Oriente
É o ocaso do Ocidente?
Se a realidade é móvel e complexa
A psicologia que a lê é incerta
(A natureza humana é o que é)
Cada um vê o mundo à sua maneira
Mas não sempre da mesma maneira
O que vê varia com a circunstância e a condição
O novo e a tradição
A idade e a paixão
O interesse e a comunhão
O religioso e o pagão
A saúde e a disposição
O complexo reclama o simples:


ARTE DOS VERSOS

Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.

Eugénio de Andrade
Rente ao Dizer - 1992

OLHARES

 Alcino Silva
http://uglyhousephotos.com/wordpress

Logo à entrada sentiu o cheiro da miséria. Conhecia-o de longa data e não lhe era difícil identificá-lo. Não, não iludia a questão com sinónimos bondosos, mudando a palavra, por termos escondidos como, situações de carência, debilidades económicas, ou ainda, incapacidade económica de satisfazer necessidades. Não consolava o seu modesto conforto com palavras que o libertassem da sua responsabilidade. Aquele era mesmo o odor da miséria, desse estado que faz larvar a perda da dignidade, esse valor tão elevado do ser humano, da identidade, que verga a disciplina e faz desmoronar a vontade. 

Talvez nesse dia sentisse a alma destroçada pela inexistência de olhares que lhe enchessem os sonhos de mar e o tornassem mais sensível ou mais receptivo, ou até sentisse essa necessidade de assumir essa culpa que quase sempre nos atribuímos quando não sabemos vencer a incapacidade de nos aproximarmos dos outros. É possível que nessa manhã em que, subitamente a temperatura se elevou para valores que davam tempero e alento ao corpo e não tivesse atempadamente ajustado a roupa à novidade ambiental e esse incómodo o fizesse viajar em ausências. 

A meio da escada pareceu-lhe que a situação melhorava. Não eram visíveis sinais de degradação, havia limpeza mínima e até o cheiro diminuíra. Perguntou, questionou, indagou, sem pormenores, apenas com os elementos suficientes para dizer o que desejava encontrar. Ao fim de alguns minutos, escadas subidas e descidas, soube qual a porta certa para bater. Tocou e aguardou. Vozes e sons mexeram-se agitadas no interior e a barreira que vedava o acesso, abriu-se até meio. Surgiu-lhe uma adolescente, assim lhe pareceu, alta, em pijama, rodeada por um bando de crianças, expectantes, no meio das quais, aquela jovem parecia a mais velha. E era, mas já não adolescente, nem irmã. Ainda substituiu o bom dia pelo olá, como em tantas ocasiões fazemos com os mais jovens, mas quase de seguida, compreendeu que a mulher que estava na sua frente, era simplesmente, a mãe. As crianças rondavam em média os 7 anos, com apenas uma delas a chegar aos 10. Era a letrada da família. Sabia até dizer de memória, o nome da rua e o número da porta, enquanto a mãe se perdia no alvoroço do desconhecimento. Os relatos e as perguntas arrastavam-se para a paciência daqueles a quem o futuro se resume ao presente, e o choro e os apelos repetiam-se colados a movimentos em torno do corpo, para eles gigante, que funcionava como um pilar de segurança. Todos pretendiam que a atenção dos adultos recaísse sobre si próprios e não em exclusivo sobre o irmão que desempenhava na ocasião o papel principal. Não era a miséria, com cheiro ou sem ele, que lhes retirava essa vivacidade que nasce com todos nós e vive sempre no sorriso das crianças. Talvez o percam, mais tarde quando a violência dos que mandam lhes impuserem apenas caminhos sem saída.

Quando tocou o tempo de partir, sentiam já liberdade suficiente para sorrirem e mostrarem um pouco de si. Já na porta, voltou a olhar, procurou palavras que não encontrou, mas sorriu, acenou um adeus movimentando a mão. Desceu as escadas com vagar como se estivesse a chegar ao destino e lhe sobrasse o tempo. Na porta olhou para a manhã, de cinzentas nuvens mas de tépido ambiente, com o sol a ser barrado no seu caminho, surgindo tímido nas alturas do universo.

À chegada trazia essa solidão que por vezes nos invade a alma quando até ela não chegam os olhares que desejamos. Na saída, percebeu que a sua solidão era ainda mais ampla, pois transportava também a solidão dos outros, daqueles que ainda não sentiram, ou não perceberam, a necessidade da revolta. E soube, mais do que nunca, que há olhares que nos fazem muita falta.


OS RITOS

António Mesquita



“Uma pintura notável, datada de cerca de 12.000 AC, numa gruta em Lascaux, conhecida pela Cripta porque é ainda mais profunda do que as outras grutas, descreve um grande bisonte que foi esventrado por uma lança arremessada através dos seus quartos traseiros. Colocado em frente do animal ferido está um homem, desenhado num estilo muito mais rudimentar do que os animais, com os braços erguidos, o falo erecto e trazendo o que parece ser uma máscara em forma de pássaro; o seu bordão, poisado no chão à sua beira, está também encimado pela cabeça dum pássaro.”

“The case for God”  (Karen Armstrong)



Como se sabe, os homens do Paleolítico veneravam os animais e consideravam-nos “mensageiros de poderes mais altos”. O acto de os matarem para comer impunha certas obrigações simbólicas. Os caçadores “prometiam cumprir ritos que lhes dessem (aos animais) uma vida póstuma.”

O homem pintado na Cripta é talvez um cháman que se identifica com uma pássaro para “poder” voar e que se encontra em estado de exaltação (o pormenor do falo). Mas nas grutas de Lascaux não se vêem renas pintadas, quando os homens dependiam delas para o seu alimento. Os tabus encontram-se desde a noite dos tempos.

Não é uma hipótese absurda admitir que esta prática religiosa, que se confunde com a arte primitiva, tenha sido incorporada e “travestida” no nosso comportamento actual.

O que é que faz do Natal uma festa religiosa e não apenas um desperdício consumista? É o facto de praticamente todas as pessoas (pelo menos as que vivem em países de tradição cristã), mesmo as que se confessam ateias ou agnósticas, “celebrarem” o nascimento duma criança, que, por acaso, ocorre na altura da sementeira do trigo e do centeio. Há um rito agrário na origem de tudo isto, transformado num rito sobretudo familiar (mas não é de somenos serem “todas” as famílias).

Diz a autora, citando Walter Burkert, que a religião não é o que as pessoas pensam, mas o que elas fazem. São os ritos que produzem as ideias religiosas e não o contrário.

A religião é uma disciplina prática que ensina a descobrir novas capacidades da mente e do coração”. Tal como a verdadeira arte.

Por esta ordem de ideias, o católico que falta ao ritual já saiu da religião. Ou, para ser mais benévolo: trocou o ritual da igreja por outro. Os Romanos encontravam-se para comer a carne dos animais consagrados aos deuses, e era essa a sua homenagem.

Como os trogloditas de Lascaux (pode ser que a gruta fosse apenas o seu templo) matam para comer, mas “pagam” simbolicamente com a dedicatória ao Animal que preside à vida de homens e animais.

O TEU PRIMEIRO NATAL

Mário Faria


O teu primeiro Natal

Quando a vida corre cinzenta, e
não vislumbramos qualquer encanto,
tal a tristeza do nosso pranto,
construído de medos e raivas que nos ensombram,
então acontece que já te tinha e, 
no meio do infortúnio, senti
a fortuna de te ter (a ti).
Tens sido o que de
melhor me tem acontecido,
como se a minha vida (ou o que resta dela)
estivesse intimamente ligada à tua.
É o teu primeiro Natal e vais ter muitos mais,
tantos que não vou ter memória para recordar,
nem vida para os contar,
mas este já cá canta e tem sido um prazer :
acredita é uma  alegria poder estar contigo !
Nem sempre a vida corre como queremos,
a felicidade dura apenas um instante,
mas há instantes que duram uma vida,
como quando te ris e  me abraças.
É o teu primeiro Natal e vais ter muitos mais,
Tu és o presente e o futuro, tu és a vida.
Pela minha parte acompanhar-te-ei enquanto puder,
com todo o amor que (tanto) mereces,  
vaidoso do carinho que me dedicas .
Alegre, de sorriso aberto, lindo e inocente,
palras com o sotaque que agrada a toda a gente.
Toda essa magia, vem de ti e chega-me.
É o teu primeiro Natal e vais ter muitos mais,
Sinto-me muito ligado a ti,
por razões que a emoção reconhece !
Brinca muito, sonha sempre e vive devagar,
para o tempo mais durar,
e, assim,  mais vezes te poder abraçar.
É que contigo a vida tem mais sabor.
Amigo, companheiro, comandante, campeão, meu neto :
É o teu primeiro Natal e vais ter muitos mais,
Boas Festas.


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