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01/11/09

…E O INVERNO TÃO PERTO

Mário Faria
/tigermoon.co.uk/

Estamos no Outono. Acompanhamos a mudança da estação de forma sentida. O corpo renova a perda de sinais de vitalidade e a memória, essa, trai-nos com uma frequência que nos atrapalha e inquieta.
Deitamos mão aos fármacos mais apropriados, fazemos análises e rastreios que não raramente são motivo de desassossego e uma motivação para outros tantos exames que servem para encher o bolso aos laboratórios e às farmácias. Não vivemos nem sobrevivemos sem os abençoados químicos, que a maior das vezes são meros paliativos dos quais nos tornamos dependentes.
É a queda da folha. Sentimos a rudeza do tempo e nem estamos a contabilizar as ameaças de pandemias que anunciam . Apesar das rugas e dos elementos caducos que lhe sobejam, a árvore mantém-se garbosamente de pé, camuflando o melhor que sabe os efeitos perversos provocados pelo desgaste do tempo.
E se o Outono da vida é uma fase complicada, a situação agrava-se quando para além dos problemas próprios têm de resolver situações bem mais complicadas daqueles que se situam no topo da (sua) árvore genealógica, bem no Inverno da vida com poucas esperanças de sobreviverem para além da(s) próxima(s) primavera(s).
São pessoas solitárias, com o cardápio repleto de maleitas, que vivem da memória e exigem o reconhecimento e a atenção por se situarem nesse topo hierárquico. A sua dependência é quase tão grande quanto o seu grau de exigência. Assumem o direito de reclamar dos descendentes mais próximos o dever de os apoiar, incondicionalmente. As suas necessidades são ilimitadas e os meios humanos disponíveis são mais que escassos. E sentem-se, na degradação do corpo e do espírito, cada vez mais carentes e insatisfeitas pois o que recebem não mitiga tanta dor.
A situação da 3ª idade é muito complicada e difícil. Os 90 anos são uma meta bonita, mas o declínio está lá e não pára. Os que estão dispostos a colaborar raramente estão disponíveis e, por isso, sobram muito poucos e são sempre os mesmos para ajudar. E quando acontece serem os que já estão numa fase adiantada do Outono, raramente encontram forças para resolver tudo e apagar todos os fogos.
Então acontece que a relação que deveria ser pautada pelo amor e afectividade, resiste mal a este convívio entre o sofrimento permanente (real ou forçado para que a dor seja reconhecida sem qualquer dúvida) e o labor de apaziguamento que fica a cargo exclusivamente de quem não tem forças, jeito, vocação e paciência suficiente para o fazer de forma cuidada. E, por muito que se faça, é reconhecível que se faz sempre menos do que se devia, mas mais do que se pode. Ou dito de outra forma : quem recebe acha sempre pouco, quem dá acha sempre muito.
Felizmente que no meio da tempestade de um inverno rigoroso, surgem boas abertas. A bonança sossega e a vida nesses momentos toma um sentido mais sereno, mais solidário e mais afectivo. A questão dos direitos e deveres não está tão presente e a proximidade é quase tão familiar quanto foi em décadas de normalidade.
Sabemos que esses momentos não são duradoiros, mas são saborosos. O Outono que sabe que caminha inexoravelmente para o Inverno, quer ter a sabedoria e a paciência para ajudar quem sofre : de dor e de medo. Mas, como é difícil !

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