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01/03/09

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CORRENTES...

Alcino Silva

Todos os anos nos últimos dez que passaram, no mês de Fevereiro, a cidade da Póvoa de Varzim abre as suas portas a todos aqueles que, por amor, prazer ou pela curiosidade do novo, procuram um contacto com as letras escritas, com os escritores, com as obras publicadas, com o mundo fascinante da palavra. Todos os anos as «Correntes d’ Escritas» semeiam ao vento o poder da palavra que solta pela pena do escritor, adquire vida nas páginas impressas dos livros. Ao longo de quatro dias, em sucessivas Mesas, os artífices das histórias e das estórias que quase sempre deliciam quem as lê, estimulam as pessoas que vivem esse encantamento da descoberta, a não desistirem dessa procura e enfeitiçam a plateia com exposições que mergulham nas grutas da poesia ou nas planícies da prosa. Uma dessas Mesas tinha como mote para a palestra a frase «para onde me levam os livros» e na mansidão daquele fim de tarde em que o sol pousava frágil e cansado sobre as almas esgotadas de um mês inteiro de invernia, deixei que o pensamento corresse na procura de conhecer até onde me têm levado os livros. Quantas viagens, quantos itinerários, tantas pessoas, imensos lugares, inúmeros vales, abertos ou estrangulados por paredes de pedra ou de florestas verdes, montanhas sem fim, quantos amores, oceanos infinitos. Até onde já me levaram os livros…. Pernoitei, nas extensas noites que alimentavam a vida dos homens nas sociedades recolectoras, ao ar livre, aconchegados pela chama ardente da madeira que ardia viva no centro do círculo dos que dormiam enquanto o ruído produzido pelo crepitar se misturava com a linguagem da vida animal afastada pelo vermelho do fogo. Saído das cavernas rupestres vi as cidades crescerem, fundirem-se com os homens num todo que não mais os separou, originando o nascimento de códigos, regras, de um sistema complexo de poder que afundou a humanidade em extraordinárias guerras. Após os grandes impérios, renasci numa Idade Média que se erguia para o céu com duas fontes de poder e, com Georges Duby, vivi com guerreiros e camponeses, espreitei Deus pelos vitrais coloridos de belas catedrais e a cobiça terrena pelas janelas dos palácios dos senhores do mundo, os quais, em seu nome e de um Deus que diziam representar, foram enchendo tulhas e arcas de riqueza. Foi Luís de Albuquerque que me embarcou um dia no cais da ribeira nas naus que se haveriam de embebedar de azul e assim conheci as Américas, as Índias e o ouro africano. Nos galeões de Castela viajei ao encontro de Pizarro e Cortez e pelos olhos do padre Las Casas assisto ao genocídio das civilizações americanas. António Borges Coelho conduziu-me uma tarde a percorrer o esplendor da presença árabe e até hoje não regressei dessa visita. Todas as manhãs acordo com esse canto mágico que ao romper da alva apela à alma para que não deixe de acreditar na humanidade. Apenas houve amanheceres silenciosos quando Borges Coelho me levou uma noite a percorrer os corredores das masmorras inquisitoriais que no interior de enormes chamas semearam, tanta dor, tanta lágrima, tanto desespero. Em nome de Deus? Não, em nome da loucura dos homens, coberta pelo manto diáfano do que diziam ser Deus. Dali fugi que o medo transformava-se em silêncio e solidão, eternos. Longa foi a fuga mas acordei felicíssimo nas ruas dessa Florença dos Médici. O povo aglomerava-se às portas de Santa Maria del Fiore, pelo que me sentei na escadaria de La Signoria deixando que o olhar voasse por aquelas pedras, símbolo de um poder que nascia. Caminhei pela Galeria del Uffizi, debrucei-me sobre o Arno e vaidoso de prazer sorri à Ponte Vecchio. Por ali fiquei, por essa Florença que me capturou a alma.
Muito depois, amei as mulheres do mundo com os “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada”. Amei-as uma de cada vez, em cada continente, em cada espaço, em cada lugar, mas todas apareciam reunidas numa só, nessa Albertina que cantou Neruda e que Garcia Marquez haveria de chamar, noutra latitude, minha eusa, meu sonho no inesquecível «Amor em tempos de cólera».
Do Árctico à Antárctida perdi a noção do tempo e das aldeias onde fui deixando o olhar. Aprendi a amar a serenidade dos Andes. Com Isabel Allende, baixei da cordilheira e mudei os meus olhos para o Chile e com Sepúlveda deixei a alma na Terra do Fogo, amarrado nesse frio glacial e nessa solidão sem retorno. Um dia pereci. Foi com Volodia Teitelboim no livro «Neruda» quando uma noite os golpistas assassinos a mando desse excremento que deu pelo nome de Augusto Pinochet, invadiram a casa do poeta e não deram descanso ao seu corpo que voava já para as nuvens levado pelas asas marinhas que guardam o Pacífico. Não era possível resistir a tanta violência.
pós isso não tive mais notícias minhas. Parti um fim de tarde embarcado no pôr-do-sol e com Carl Sagan e Iosef Chklovskii em “A Vida Inteligente no Universo”. Há quem diga que me viu algures no espaço a acender as estrelas quando a noite chega.

A FORÇA DO DESTINO

Mário Martins

António Victorino D' Almeida

De onde lhe vinha desde novo o gosto pela música clássica? a ele que nascera e crescera, nos idos de cinquenta e sessenta, com vossa licença, na ilha do penico, bom, na ilha do penico não, que mesmo em meio pobre há classes ou pelo menos uma psicologia de classe, a ilha do penico era mais propriamente a ilha grande, chamada da fonte, que ficava pegado, aí com umas três ou quatro compridas e paralelas bandas contínuas de casinhas viradas para umas não menos compridas e paralelas, estas comuns, meias canas em cimento de esgoto a céu aberto, como, aliás, comuns eram as retretes e chuveiros de água fria, dispostos perpendicularmente às casinhas, não há como chamar-lhes casas, tão pequenas que eram, tendo as retretes e chuveiros telhados em cimento, era aqui que eu queria, por agora, chegar, às apetecidas placas que ele e os rapazes da sua idade lá do bairro, atenção, do bairro e não da ilha, não que não dispusesse também de retretes e chuveiros de água fria comuns e que, pelo menos, não existisse precisamente à porta de casa dele uma saída comum de esgoto a céu aberto, mas tudo tinha, mais psicológica do que fisicamente, uma disposição prematura de condomínio fechado, estão a ver, pobre, a armar ao remediado, mas honrado, sobretudo tinha muito menos moradores, bom, mas o que eu queria dizer era que ele e os rapazes da sua idade lá do bairro gostavam era de trepar pelo muro alto de pedra seca e teias de aranha que separava o bairro da ilha grande para se sentarem e estenderem em cima das placas das retretes da ilha aquecidas pelo sol, de onde apreciavam a pobreza do mundo e sonhavam ser marinheiros ou aviadores, ele sonhava ser marinheiro, por isso perdia as horas a observar o bulício do porto de Leixões, enquanto falavam da música de Bach ou de Mozart? não creio, então porque gostava ele de música clássica desde jovem já que, manifestamente, esse gosto não advinha do meio? porque, segundo o que a mãe lhe dissera, o seu avô paterno que não conhecera tocava rabecão? é possível, o certo é que ele gostava muito de ver os programas vienenses de António Victorino D’Almeida e, claro, os famosos concertos novaiorquinos para jovens de Leonard Bernstein, que tanto coloriam a televisão a preto e branco, ia ver concertos ao Rivoli e ópera ao Coliseu, como trabalhava desde muito novo sempre tinha dinheiro quanto mais não fosse para pagar um lugar no galinheiro, depois vieram os discos e as cassetes pirata, embora não haja nada como um concerto ao vivo, aquilo a que gosta de chamar música com tosse, enfim, se lermos a recente obra em dois volumes de António Victorino D’Almeida, “Toda a música que eu conheço”, essa “viagem essencial à história da música ocidental”, que se arrisca a ser uma obra incontornável, até pelo seu tom assumidamente polémico, percebemos com clareza que a música tem uma força poderosa, capaz de desviar dos caminhos tradicionalmente seguros do grau académico e da profissão com futuro, sempre compreensivelmente desejados pelos pais para os filhos, muitos dos seus mais geniais compositores.

GLOBALIZAÇÃO VERSUS TRIBALISMO

António Mesquita

Benjamin Barber


"Até ao ponto em que tanto o McWorld quanto a Jihad têm uma política natural, tem-se revelado ser uma antipolítica. Para o McWorld, é a antipolítica do globalismo, burocrático, tecnocrático e meritocrático, focado (tal como Marx previu que seria) na administração das coisas - com as pessoas, todavia, entre as coisas principais a serem administradas. Nos seus imperativos político-económicos, o McWorld tem sido guiado pelos princípios do laissez-faire do mercado, que privilegiam a eficiência, a produtividade e a beneficência a expensas da liberdade cívica e do auto-governo."

"Jihad vs. McWorld" (Benjamin Barber)


Barber identifica no que chama de McWorld e de Jihad (cuja antipolítica é a da tribalização, da ditadura e do fundamentalismo teocrático) os dois princípios que governam os nossos tempos. Segundo ele, a democracia não é consubstancial a nenhum desses princípios (o mercado florescia debaixo da junta militar chilena e, de qualquer modo, para os negócios a "previsibilidade tem mais valor do que a justiça"), mas é evidente que "os principais valores políticos requeridos pelo mercado global são ordem, tranquilidade e liberdade - como na frase 'comércio livre', 'imprensa livre' e 'amor livre'; os direitos humanos são necessários até um certo ponto, mas não a cidadania ou a participação - nem mais justiça e igualdade do que é necessário para promover uma eficiente economia de produção e de consumo."

Donde, a globalização terá mais condições de se impor do que a retribalização, cujo surto seria uma espécie de último estertor.

A democracia dos cidadãos e da participação terá de jogar-se, sobretudo, ao nível local, ou de nenhum outro modo. E é por isso que a democratização imposta ou introduzida de cima para baixo nunca conseguirá substituir as raízes da verdadeira cidadania.

No nosso caso, bem podemos perceber quanto essas raízes nos fazem falta ainda hoje e por que esta democracia se reduz à superestrutura e ao teatro partidário.

Início

QUANTO MAIS MAMAM, MAIS QUEREM!

Mário Faria






Há uma corrente de economistas para quem a política é uma chatice. Para muitos economistas, nomeadamente os neoliberais, tudo se resume a estes dois pontos :
1) a economia é só uma, e as soluções económicas são de tal modo científicas que não podem ser discutidas,
2) a política pretendendo discutir democraticamente o que é indiscutível, só prejudica a solução dos problemas.
Contra esta visão dogmática da teoria e da prática económica, Jacques Sapir (Professor na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales) escreveu ”O discurso da globalização comercial, das constituições económicas e dos bancos centrais independentes exprime a despolitização das escolhas económicas. As instituições democráticas são desapossadas da sua capacidade de legislar, regulamentar ou instituir normas, em nome de um princípio de competência reputado ser superior à democracia. Esta despossessão repousa sobre a impotência das instituições democráticas, em particular dos Estados-Nações, diante das forças do mercado. Este último, agora inteiramente fetichizado, perde o seu estatuto de instituição humana para se afirmar, neste estilo de raciocínio, como uma forma quase divina com decisões sem apelo. O espaço da discussão pública tem apenas dois pólos. O primeiro, técnico, pertence aos peritos : é o da exegese das leis naturais da economia. O segundo ético : o da representação da compaixão que se deve sentir perante as consequências dessas leis”.
Em Portugal os mestres da economia e finanças aos pecados do sistema dizem nada. Continuam a defender a liberalização máxima das leis laborais, a deslocalização e a não intervenção do Estado, salvo para as pequenas, médias e grandes empresas, segundo o interesse dos patrões. O Primeiro Ministro trouxe ao debate político a defesa do casamento homossexual, e fez um favor à direita defensora do deus mercado, que continua a adorar. Ficou, essa gente, com um excelente pretexto para se manter nas margens do debate principal e com um bom motivo para continuar a zurzir na esquerda, como se o tema fosse um paliativo para camuflar a crise económica e financeira, que o Governo ignorou, desprezou e não soube combater. Fizeram-lhes o favor e agora é que ninguém os cala. Detestavam e detestam a supervisão e regulação do Estado que agora responsabilizam, culpam a Constituição e defendem que o direito ao trabalho jaz morto e apodrece, no voo voraz do apetite de especuladores, nas garras dos interesses dos magnatas e na esperança do empreendedorismo. Importante, importante é revitalizar o tecido empresarial : se querem ir para a Índia, que bom que é para o nosso país. Que são mais umas centenas de desempregados, face às inúmeras vantagens que a deslocalização em massa, para paraísos laborais, oferece? Só falta pedir (já pediram) que devem ser subsidiados para o efeito, a favor do reforço do prestígio das marcas. Quem ganha é Portugal, dizem eles. Os Madoff´s, deste mundo, ocuparam lugares de grande destaque, escreveram livros, foram requisitados para imensas palestras, leram o mesmo discurso, tiveram a mesma notoriedade e eram tidos como uma espécie de reserva para salvação da humanidade. E continuam com a mesma receita para problemas que eles mesmos criaram na execução da sua doutrina. Não há pachorra!
Esta é a figura de algumas figurinhas do nosso país. Há falta de lideres, dizem alguns predestinados. Modestos como são, falta-lhes apenas acrescentar que ao país faltam homens iguais a eles, que acusam, que despedem, que delapidam, que deslocalizam, que exigem, que esgotam em seu proveito (ou das suas empresas) os recursos disponíveis da banca, que sugam o Estado até ao tutano, enfim : que mamam e quanto mais mamam mais querem.
O que somos e para onde vamos? Aproveito para transcrever o que a este propósito escreveu José Saramago, na revista Visão em 2003, e como é actual o seu comentário :“Não temos um projecto de país. Onde está uma ideia de futuro para Portugal? Como vamos viver quando se acabarem os dinheiros da Europa? Os governos todos navegam à vista da costa e parece que ninguém quer pensar nisto, e ninguém ousa ir mais além. Os governos são apenas os comissários políticos de poder económico. Antigamente, a mentalidade humana formava-se na grande superfície de uma catedral, hoje, forma-se na grande superfície de um centro comercial. Estamos no fim de uma civilização e não temos ideia nenhuma do que vem aí.”



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