Um dos pontos fracos mais indiscutíveis do nosso país, tal como o viu, por exemplo, António Barreto nesse excelente "Portugal - Um retrato social", apresentado na RTP1, é o seu sistema judicial.
A justiça é lenta e cara.
É evidente que por essas duas características ela se nega a si mesma. Porque ou não se chega a exercer, deixando o tempo "resolver" as situações, ou se exerce tarde de mais, quando já mudou todo o contexto do crime.
Nuremberga é um contra-exemplo da justiça porque foi preciso ganhar uma guerra para que esse tribunal se reunisse, tendo tudo mudado, entretanto: as vítimas tinham desaparecido e os principais carrascos evitado a corda pelo suicídio. Por isso Nuremberga foi antes um ajuste de contas simbólico, uma catarse.
Não podemos esperar pelo fim de uma guerra contra o que paralisa a justiça.
O ideal da justiça sugere-nos, por um lado, a acção do raio, que judiciosamente se encontrava nas mãos do pai dos deuses. Mas conhecemos os custos humanos de uma justiça expedita, senão sumária. Não é a prudência, contudo, que emperra esta máquina judicial.
Por outro lado, sendo cara, não está ao alcance de todos. E mais uma vez se renega.
Contudo, este sistema ineficiente quanto à sua própria finalidade e devorador de recursos e energias tem dado mostras, ao mesmo tempo, de não estar emperrado para todo e qualquer fim. Veja-se o que diz Miguel Sousa Tavares (Expresso de 26/3/2007):
"Primeiro temos essa moda recente do uso e abuso das providências cautelares, a propósito de tudo e de mais alguma coisa. Os autarcas não gostam da nova Lei de Finanças Regionais? Providência cautelar. O ministério da Saúde fecha uma maternidade e a população está contra? Providência cautelar. Os alunos que já prestaram provas não são admitidos a nova e excepcional época de exames? Providência cautelar. Os sindicatos da função publica estão contra as novas regras a aplicar aos contratados? Providência cautelar. Uma companhia de teatro viu-lhe recusada a atribuição de um subsídio a que concorrera? Providência cautelar. E por aí fora, com especial destaque para quase todos os concursos públicos de empreitadas ou fornecimentos ao Estado, que invariavelmente acabam com providências cautelares dos vencidos."
Então, temos que através de figuras como a da providência cautelar, sem dúvida pontualmente justificada, essa mesma máquina é capaz de intervir na vida do país, dando mostras de uma inesperada agilidade, ao sabor dos vários interesses e sempre que estes se julgam atingidos. Algumas alavancas da engrenagem funcionam e a uma velocidade tal que levaria o seu coração burocrático a uma paragem fatal se acaso se empenhasse na sua missão central.
Quer dizer, que enquanto a justiça tem de ser adiada por forças aparentemente inexpugnáveis, a grande máquina nem por isso é inútil, como arma para emperrar, já não dentro da justiça, mas no seu exterior, toda e qualquer decisão, seja ela de um governo, de uma empresa ou de um sindicato.
A providência cautelar revelou, assim, um rendimento perverso. Não é preciso dominar o sistema judicial. A máquina pode ser simplesmente desviada da função principal de fazer justiça e franchisada na produção de inércia.
Ora, este é de facto um caminho de politização da justiça que representa uma ameaça para a democracia.
António Mesquita
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