Vista aérea do Santuário de Delfos
Todas as emoções com que reagimos ao mundo são originadas pelo grau de conhecimento que dispomos sobre a realidade. E, normalmente, reagimos num estado de ilusão, pois, o grau de conhecimento que dispomos nem sempre coincide com a realidade. O desfazer da ilusão dá-se através da permanente observação, não só do exterior mas também do nosso próprio interior, do estudo, da procura da realidade. Por isso, não devemos ficar tristes quando nos desiludimos, pois esse é o caminho da verdade.
No pórtico do templo de Delfos estava escrita uma frase que dizia “Conhece-te a ti mesmo”. Era o que Sócrates ensinava aos seus discípulos e que alguém traduziu por “desilude-te em relação a ti mesmo.”
Vem isto a propósito das ilusões que dominam os nossos pensamentos, as nossas preocupações e angústias, e que, de acordo com as nossas sensibilidades, nos levam a interpretar e muitas vezes a intervir de forma que não tem em conta a realidade.
A não utilização prolongada de determinado tipo de ferramenta, particularmente aquela que nos permite trabalhar o material social, leva-nos a esquecer as regras da sua utilização e consequentemente a afastar-nos cada vez mais da realidade, isto é, a aprofundar a ilusão. Alguns de nós, na verdade, ignoram a existência desse tipo de ferramentas. Outros abandonaram-nas com receio de no caminho encontrarem a desilusão.
As principais preocupações que moldam o pensamento da generalidade das pessoas têm a ver com a vida doméstica e profissional. Para além destas preocupações, existem outras, de vária natureza, veiculadas pelos meios de comunicação, que nos colocam num estado de ilusão. Obviamente que os meios de comunicação são instrumentos que veiculam os valores e interesses de quem os domina e, como tal, tudo farão para atingirem os seus objectivos. Na ilusão, pensamos que temos pensamentos muito livres, muito críticos e muito independentes sobre temas que, não deixando de ser importantes, nos são impostos como estando na ordem do dia.
Durante cinquenta anos não existiram situações de guerra na Europa. Provavelmente, foi o período mais longo de paz que alguma vez existiu neste continente, com excepção de alguns focos na Espanha, Irlanda e nalgumas ilhas mediterrânicas. Entretanto a Jugoslávia foi desmembrada e toda a sua estrutura económica e social destruída. O seu território foi ocupado por milhares de soldados estrangeiros, cujo número, a breve prazo, vai aumentar. Muitos soldados portugueses fazem parte dessas tropas de ocupação.
No Médio Oriente é destruído totalmente um país, centenas e centenas de milhares de pessoas são mortas e estropiadas. Inicialmente, acompanhamos directamente os bombardeamentos em nossas casas com a mesma disponibilidade com que acompanhamos um filme de acção ou até um jogo de futebol. E dividimos as nossas opiniões de acordo com a ilusão com que nos encontrávamos. Entretanto, o número de militares mortos das tropas de ocupação já ultrapassou muito o número de pessoas mortas nos ataques terroristas em Nova York e nos outros locais dos USA. O número de mercenários mortos ao serviço das tropas de ocupação, contabilizados como civis, é muitos milhares. Muitos portugueses fazem parte das tropas de ocupação. Com o tempo e, sobretudo, com a resistência, a nossa ilusão foi-se transformando. Agora preocupamo-nos com a morte dos civis e o problema das mulheres e das crianças. Iludidos, não conseguimos ver a realidade.
É o caso do Darfur. Tantas preocupações com aquelas populações. A fome e a miséria alastram a olhos de ver. É o que nos diz aquele santo homem, português, responsável pelos refugiados da ONU, de corpo tão gordo por tanto comer. Mal sabemos localizar aquele território no mapa mas preocupamo-nos com o problema das suas mulheres e das suas crianças, mas só a partir do momento em que passou a haver resistência à entrada de tropas de ocupação. Iludidos, não conseguimos ver a realidade.
Aproximam-se tempos dramáticos para a Humanidade, pelo desespero em desenvolvimento em que se encontram os senhores do mundo, não só pelos dos ajustes imperialistas mas também e sobretudo pela a ascensão da luta contra a exploração e a tirania. Iludidos, não conseguimos ver a realidade.
Milhares de jovens portugueses abandonam o ensino e tentam entrar no mercado de trabalho, sem quaisquer regras e sem quaisquer direitos e muitas vezes sem salário, tanto no país como no estrangeiro ou enveredam pela marginalidade tão docemente alimentada pelos valores que entram diariamente na nossa casa. As estruturas da economia, da justiça, da saúde, do ensino, de apoios à infância e à terceira idade, são roubadas ou destruídas, por bandos de malfeitores. Iludidos, não conseguimos ver a realidade.
Com ilusão, sem procurar encontrar a realidade através dos caminhos da solidariedade e de identificação de interesses, questionamos e discutimos os fracassos das lutas das vítimas destas monstruosidades.
É preciso aprender, aprender, aprender, sempre, o que Sócrates ensinou: “Desilude-te em relação a ti mesmo “.
MJ
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