Cerco de Nice pelos Turcos em 1543
Nicolas Sarkozi, o recém-eleito presidente da república francesa, no grande tele-debate eleitoral com Segoléne Royal, é peremptório:
- Eu sou contra a adesão da Turquia à União Europeia, porque aquele país pertence à Ásia Menor e não à Europa, porque não vamos agora ensinar na escola que a Europa faz fronteira com o Iraque e a Síria, porque defendo uma Europa política. E qual é a posição da Madame Royal?
- Bem, há um processo de adesão em curso…se a Turquia cumprir os requisitos…
No mesmo sentido de Sarkozi, embora antes dele, Philippe Nemo, num pequeno mas estimulante livro* de ideias fortes, não só sustenta que a Turquia não deve fazer parte da União Europeia, como considera ter sido um erro a entrada da Bulgária e da Roménia, e vai mesmo mais longe, ao classificar a União Europeia de falsa boa ideia. Segundo Nemo, o que devia ser construído era uma União Ocidental que agrupasse num sistema confederal os países da Europa Ocidental, da América do Norte e da Austrália.
É difícil não concordar com Sarkozi e Nemo (e com Valérie Giscard d’Estaing, o coordenador da falhada constituição europeia), sem pôr em causa a perspectiva tradicional de valorizar, acima dos direitos e interesses comuns dos seres humanos, a função divisora das civilizações, culturas, religiões, geografia, raças, nações, países…
De facto, apenas uma pequena parte do território turco pertence à Europa, a religião muçulmana é largamente predominante, e é conhecida a importância da vitória de 1529, em Viena, sobre o exército turco, na consagração da civilização ocidental e cristã.
Sob o peso do passado histórico, não podemos realmente deixar de sentir o carácter algo artificial e forçado de uma eventual entrada da Turquia na União Europeia, mesmo sem esquecer as relações comerciais existentes, os fluxos migratórios e a sua participação na Nato e em estruturas políticas europeias.
Mas a História e a tradição não podem ser as únicas conselheiras. Vivemos hoje um tempo sem igual, em que o avanço das comunicações tornou o mundo a casa de cada um. O desenvolvimento científico e tecnológico dos últimos anos empurra-nos para uma nova visão. Como diz Michio Kaku **, “Tal como a prensa tipográfica de Gutenberg tornou as pessoas conscientes da existência de mundos para lá da sua aldeia ou choupana, a revolução da informação está a construir e a forjar uma cultura planetária comum baseada em milhares de pequenas culturas”.
Nesta nova visão, todos os seres humanos, todos os povos, devem ter iguais oportunidades de desenvolvimento e, por essa via, de acederem ao bem-estar facultado por cada época, apesar da sua cultura, religião, raça ou situação geográfica.
Naturalmente que essa livre convivência tem que ser regulada por um consenso político assente em regras claras e confiáveis, como a separação entre Estado e Religião, a igualdade sexual, as liberdades políticas, intelectuais e artísticas, o sufrágio universal, a subordinação do exército ao poder político, a divisão de poderes…
Dependendo do êxito do seu progressivo alargamento e do aprofundamento da sua unidade, a União Europeia poderá constituir-se, assim, numa espécie de ensaio do que poderá ser o governo mundial do futuro.
Quem diria que os “eurocratas de Bruxelas” estariam, objectivamente, no bom caminho?
Mário Martins
* O que é o Ocidente?, Edições 70, 2005.
** Visões, Editorial Bizâncio, 1997.
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