Quase sempre chegamos tarde, ou tarde descobrimos que há prazeres que não deviam ser adiados, nem esquecidos, nem menorizados, muito menos em nome do que, quase sempre é efémero. Por mim, fiquei do lado da maioria, descobri tarde. Desejo, pelo menos, ainda chegar a tempo de saborear um pouco da beleza que as coisas simples da vida nos podem proporcionar. Foi necessário um extremo cansaço, a injustiça e a intolerância dos homens para que aprendesse a descobrir o outro lado da vida. Foi pois com este espírito que, como tinha prometido a mim mesmo, fui descobrir a cidade da Póvoa de Varzim. Foi, antes de mais a minha primeira viagem na linha mais extensa do Metro do Porto. Ao fim da tarde, uma viagem agradável por entre um mundo rural que resiste aos assaltos da grande cidade e ao fim de quarenta minutos o desembarque no coração da pequena cidade apertada entre o mar e o campo. Acreditem que, quando chegamos sem horas, sem compromissos, sem pressas, sem nada, apenas com o olhar aberto tudo é diferente e o que nunca tínhamos reparado até então, adquire beleza e movimento. A primeira paragem para deixar o olhar girar em torno das casas e frontarias foi ali naquela pequena praça central tantas vezes cruzada pelo trânsito da N13 e o meu primeiro momento de vergonha. Aquele edifício de pedra dura e castanha que nunca olhara para além dos arcos era só a Domus Municipalis! Ainda corado daquela vergonha segui ao longo de vias pedonais ao encontro da fortaleza da Nossa Senhora da Conceição o que é o mesmo que dizer, do mar, do porto, do início da praia, do Casino e do Diana-Bar. O sol estava manso e a brisa que corria não chegava a perturbar aquele pacato caminhar. O tempo parecia sobrar e permitia absorver aromas e cheiros dessa mistura do mar com a terra. Após o Diana começam os prédios, as grandes alturas de arquitectura deselegante e sem estética, debruçada sobre a praia, vigiando as águas que um dia hão-de reclamar esse espaço. Procurei o interior, mais calmo, mais baixo, menos agressivo. Regressei à N13 e dirigi-me em direcção a Amorim. A paisagem muda. Para trás aqueles edifícios tremendos, assustadores que nos desgastam a alma. A modernidade é aqui mais aceitável. Já próximo da A28, voltei para a cidade em direcção à Igreja Matriz passando pela Misericórdia. A Igreja Maior está numa praça pequena, austera e soberba. As ruas são agora estreitas, mais parecendo de traçado medieval, mas as suas casas, mesmo pequenas, mostram um ar que não fascina, não atrai, não seduz. Por estes caminhos encontramos a antiga linha-férrea e de seguida de novo estava na modernizada estação do Metro. O Expresso regressou com o sol a tombar sobre o oceano, com doçura, com sossego, como uma carícia, enquanto pensava comigo próprio, os anos que demorei a encontrar a cidade da Póvoa de Varzim, aqui tão perto, aqui tão longe. Continua a não me atrair do ponto de vista da arquitectura, mas para além desse aspecto que nos fere o horizonte visual, as cidades, as terras, os lugares possuem sempre algo mais. Existem as pessoas, as culturas, os hábitos, as tradições, as formas de estar, os comportamentos e, tudo isso tento alcançar enquanto caminho, olhos abertos à procura da diferença, do que se esconde para além do que os cenários mostram. Esta cidade, como já sabemos, esconde nacos importantes de cultura, da escrita, dos homens que vivem das e com as letras e, no Inverno, quando eles chegarem e o vento nos zurzir a face com rajadas do norte sopradas com violência, havemos de sentir esse canto que chama os Homens para os grandes momentos, mesmo que, tantas vezes, quase imperceptíveis. Então hei-de regressar à Póvoa de Varzim.
Alcino Silva
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