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01/06/19

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ASSIM VAI O MUNDO

Manuel Joaquim

(Greta Thunberg)


Os órgãos de comunicação internacionais têm dado algum relevo às chamadas greves escolares pelo clima, efectuadas por alunos das escolas que contam com apoios de pais e professores, segundo esses órgãos de comunicação, protestam contra os governos por causa das alterações climáticas. 

As televisões mostram uma jovem, sueca, de 16 anos de idade, autista, à frente de manifestações pelo clima. Inicialmente, reclamava do governo sueco o cumprimento do Acordo de Paris sobre o clima. O seu protesto foi sentar-se em frente ao Parlamento sueco. Desde Agosto do ano passado deixou de ir às aulas às sextas-feiras como forma de protesto. 

As redes sociais transformaram-na numa líder mundial dos problemas ambientais. Já falou com o Papa e foi ouvida na ONU e no Fórum Económico Mundial. Em Setembro próximo, estão previstas manifestações em mais de 1600 cidades de 119 países e, em Portugal, em mais de 48 locais. 

Em Março passado esteve no Porto o antigo vice-presidente dos EUA, Al Gore, a convite de uma grande empresa exportadora de vinho do Porto. A remuneração que recebeu foi de 500.000 euros, segundo o que veio publicado nos jornais, a “conferência” foi sobre o impacto das alterações climáticas no vinho. 

A União Europeia quer proibir a circulação de viaturas a gasóleo e a seguir a gasolina. Alguns países já proíbem a circulação em algumas cidades. Em Lisboa já é proibida a circulação de viaturas antigas no centro da cidade. O ministro do ambiente do actual governo já passou a certidão de óbito ao gasóleo dentro dos próximos quatro anos. O presidente do ACP, com pesados argumentos, na prática, mandou-o dar uma volta. 

Contra opiniões “feitas” de muitas pessoas, de que “os jovens não querem saber de nada”, os jovens movimentam-se e participam em defesa de causas que consideram justas. Como se organizam e quais os problemas prioritários é outra questão. 

Grandes interesses capitalistas movimentam-se nestas áreas. A situação internacional e o sistema económico que actualmente predomina não permitem um desenvolvimento saudável, que seja amigo da humanidade. O grande capital tomou de assalto as organizações internacionais, os estados perdem cada vez mais a sua soberania e independência, as chamadas democracias perdem os seus valores, a mobilidade do capital financeiro e a liberalização sem limites dos mercados, a transferência das competências nacionais para organismos internacionais, apropriam-se de conceitos que os esvaziam – desenvolvimento sustentável, bio, verde, ecológico, etc.- aumentando a exploração da natureza e da humanidade para aumentar os seus lucros. 

A opinião pública está cada vez mais alerta e preocupada. Os jovens, os trabalhadores, as populações estão a encontrar novas formas de organização e de luta contra estes perigos que ameaçam a Vida. 

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva

(The Hindu Kush mountains in Afghanistan)


Hoje escrevo-te uma carta, pois só contigo consigo lembrar a beleza, desfrutar o silêncio, dominar o temor que é o medo. Não é pânico, nem desalento, apenas esse receio do que sabemos ir acontecer. Estamos parados em Charikar. Já nos imobilizamos há demasiado tempo, como se o passar das horas eliminasse o receio que todos sentimos. Os quilómetros que percorremos desde a capital, foram um passeio, comparado com o que nos aguarda. A alegria superficial que todos sentíamos, traduzia-se em risos sem nexo, gracejos sem propósito e estórias sem valor. A estrada é plana, os campos apresentam uma grande tonalidade de verde em contraste com o amarelo nu das montanhas e a pedra rude das encostas. Sentimos uma sensação de paz e até a miséria destes povos nos aparece como natural, aceitável e nunca nos habituaremos aos sorrisos que nos oferecem de passagem, por que, até nesse acto de bondade queremos adivinhar uma suspeita de maldade. Aqui chegados, estes monstros de forte blindagem e rodados de grande diâmetro, detêm a marcha. Nunca questionamos o porquê desta paragem sem significado, mas todos sabemos que nos preparamos para enfrentar o medo que nunca saberemos onde se oculta. É esse o segredo de todas as guerras. O medo do inimigo, do opositor, do outro que nos combate. Antes de se apresentar à nossa frente, visível, com rosto, nasce no interior de nós próprios, cobre-nos a alma, prepara-nos para uma batalha que pode até não ocorrer. Mas se acontece, já estamos animicamente preparados para uma dose suficiente de violência desregrada. A vontade de viver, sobrepõe-se à razão e faz desencadear níveis de vingança contra alguém que nunca vimos, que não conhecemos e nem sequer pensamos no que move esses outros seres que estão simplesmente do outro lado. Tão pouco, reflectimos sobre o que fazemos em território alheio. Esta longa paragem, na berma da estrada nas imediações do povoado, tem o intuito de nos preparar. Todos sabemos que os olhos se vão abrir quando os carros se movimentarem. Escondidos por trás da grossa blindagem, acreditamos estar protegidos, pois temos necessidade de acreditar em alguma coisa, em algo que nos faça pensar que venceremos o silêncio de Salang. As horas passam e as palavras vão rareando, as frases surgem mais curtas com longos intervalos a separá-las. Todos sabemos que cada um se recolhe nas suas memórias, nas suas lembranças, pensando que, «se sair desta, regresso a casa e esqueço tudo isto para sempre». Tento pensar nos momentos bonitos, nos dias felizes, procuro no arquivo memorial, os instantes que vivemos juntos, faço por acreditar que voltaremos ao deserto levantino e atravessaremos Palmira de mãos dadas. Lembras-te do som melodioso da areia quando nos sentamos ao fim da tarde ao Sul de Alepo? Tento que esse canto, pleno de serenidade, tranquilo como uma brisa, chegue até mim. Levanto os olhos e através do óculo lateral detenho-me nos picos nevosos que me trazem a lembrança do Demavand onde te fui procurar quando te isolaste do mundo, tentando encontrar uma razão que explicasse o porquê de tanta maldade, de tanta ganância quando a natureza nos presenteia com paisagens que nos deixam sem fôlego pela naturalidade da sua beleza, na grandeza do indescritível. E de certa forma, também prometo, «se sair desta…», levar-te-ei de novo às montanhas azuis, estas que em breve se apresentarão perante mim, como se cobrissem a estrada. Quero ver o reflexo dos teus olhos a navegar nas planícies do sonho. Mas nenhum destes pensamentos é suficiente para esquecer o medo. Decido então escrever-te. As palavras escritas não se apagam, persistem no papel onde as deixamos e enquanto desenhamos letra a letra, há um apaziguamento que se instala, se interioriza e nos faz pensar que estamos num outro lugar da terra e que o que se vai passar a seguir é apenas um sonho mau que nos perturba a noite. Vou escrever até que o ruído dos motores nos indique que o nosso tempo acabou e as palavras, sejam quais forem, perderão sentido. Prevalecerá a acção do irrazoável e ver-nos-emos a realizar acções que imaginávamos não ser capazes de fazer. Em que parte de nós se escondia esta violência, este ímpeto de imoralidade que nos faz agir descontroladamente? Alguns desculpam-se com a necessidade de sobreviver, esse acto humano que nos acompanha há milénios. É o tempo de esquecer os beijos que trocamos, as mãos que fundimos como se fôssemos um ser único e varro da memória a palavra amor por não fazer qualquer sentido num cenário de cemitério que vamos atravessar. O movimento recomeçou e a N76 entra num desfiladeiro apertado onde só sobra espaço para a sua largura e para o rio que abaixo corre imparável. O degelo primaveril torna o seu caudal desvairado, arrastando o que se encontra nas suas margens, apertadas entre o colosso montanhoso. Pequenas aldeias sucedem-se. Vejo as casas construídas na pedra barrenta, em cascata, carentes de tudo e as gentes deambulando numa aparência sem razão. As árvores não crescem e parecem apenas arbustos grandes. Tento que os olhos se detenham no azul celeste, mas na verdade envio-os como espiões até aos seus cumes nessa tentativa vã de descobrir os que nos vigiam. Já ninguém fala, apenas se escuta o esforço dos motores. Atravessamos Mullāmar e sentimos que os dedos se crispam no metal das armas que repousam caladas entre as mãos. Iniciamos a subida para a travessia do túnel de Salang e enquanto nos aproximamos dos cumes oestes do Hindu Kush, afastamo-nos do leito do Darah ye Haft Tanār a que chamamos carinhosamente apenas Darah. Estamos prestes a alcançar os 3350 mts e a rudeza das montanhas aparece coberta dessa brancura gélida de neve que só em pleno Verão se vai derreter. Num tempo de paz, quando ambos passamos esta cordilheira e contemplamos esta natureza milenária, eu dizia belo e tu pronunciavas lindo, e as duas palavras fundiam-se em beleza e faziam descobrir a ternura que se escondia nas nossas almas e se moldavam em nós como a era no tronco das árvores. A entrada aparece-nos como um mergulho na noite, no vazio e o silêncio que nos envolve adquire outra dimensão, como se saltássemos para um abismo. As luzes apagam-se e o único ruído vem do andamento dos carros, mas não ouço, até mim já não chega qualquer som. Tento pensar, tento responder a perguntas tão simples como, o que faço aqui? Onde estou? E só me ocorre o poema de Mário Sá-Carneiro, “Quando eu morrer batam em latas…”. Os três quilómetros do túnel são os mais longos da viagem. Estremecemos, a ansiedade quase nos esgota, o mutismo que nos rodeia deixa-nos no limite da sustentabilidade do possível. Procuro acreditar no impossível, no irreal, em sonhos passados. Sabemos o que nos aguarda, mas prefiro pensar que do outro lado, estarás tu a esperar-me, como outrora me esperavas nas madrugadas sem sono. Que será o teu rosto onde vive um sorriso infindável que me vai acenar, como um chamamento, um apelo, um convite à alegria. A luz do dia aparece no horizonte visual. Arrepio-me e num último alento soletro as palavras de Sophia, “Pelas tuas mãos medi o mundo / E na balança pura dos teus / ombros / Pesei o oiro do sol e a palidez / da lua”. De seguida tudo se apaga. A minha carta termina aqui, já não pode prosseguir. Fica só a profundidade deste silêncio a envolver-nos no caminho. Nem um canto, nem um som, nem um simples toque. O silêncio vivido em Salang é como os amores perdidos. Continuamos, mas já não somos os mesmos. 

...

Nunca compreendi como uma monarquia pode ser uma democracia, como um Estado que possui órgãos de poder hereditários e não sujeitos a escolhas eleitorais pode ser uma democracia. O Estado espanhol além de uma monarquia, tem políticos exilados pela defesa das suas ideias e pelos seus actos políticos consonantes com o seu programa eleitoral. Pelas mesmas razões tem presos políticos sem condenação há mais de ano e meio. Tem ainda, este Estado, uma lei que restringe as liberdades e a expressão do pensamento, que os seus cidadãos apelidaram da «Lei da Mordaça». Pois apesar disto tudo, o Estado espanhol não só vive um regime democrático como está cotado entre as melhores democracias! Talvez por não entender estas coisas é que a minha inteligência nunca passou da mediania. 

Uma das acusações que fazem ao malandro do Maduro, o «usurpador» como lhe chama esse vómito humano que dá pelo nome de Juan Guaidó, o preferido de Augusto Santos Silva, é de ter sido eleito com a participação de apenas 46% do eleitorado. Deveria ter seguido o exemplo de Macron, eleito com a participação de 41% do eleitorado, ou dos deputados portugueses ao Parlamento Europeu eleitos com a participação de 31% do eleitorado. Isto sim, é legitimidade. É por estas razões que na Europa só há democracias e na Venezuela há uma «ditadura».

4,5% DE DEMOCRACIA

Mário Martins


https://www.google.com/search?q=imagens+democracia



Segundo dados divulgados no início do ano pela revista inglesa “The Economist”, menos de metade (47,7%) da população de 167 países analisados (a ONU contabiliza 193 países no mundo) vive em algum tipo de democracia, e apenas 4,5% vive numa democracia plena. 

De acordo com o Índice de Democracia compilado pela revista, os países são classificados em "democracias plenas", "democracias com falhas", "regimes híbridos" (todos considerados democracias) e "regimes autoritários" (considerados ditatoriais)*, com base em cinco critérios (processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis).

Dos 167 países analisados, regista-se um total de 20 democracias plenas, 55 democracias com falhas, 39 classificados como regimes híbridos e 53 regimes autoritários.

As 20 democracias plenas são (pontuação global entre parênteses numa escala de 0 a 10): 1. Noruega (9.87), 2. Islândia (9.58), 3. Suécia (9.39), 4. Nova Zelândia (9.26), 5. Dinamarca (9.22), 6. Irlanda (9.15), 7. Canadá (9.15), 8. Finlândia (9.14), 9. Austrália (9.09), 10. Suiça (9.03), 11. Holanda (8.89), 12. Luxemburgo (8.81), 13. Alemanha (8.68), 14. Reino Unido (8.53), 15. Uruguai (8.38), 16. Áustria (8.29), 17. Maurícia (8.22), 18. Malta (8.21), 19. Espanha (8.08), 20. Costa Rica (8.07).

Aqui, como em outros índices civilizacionais, mais uma vez se verifica o predomínio dos países escandinavos, ao passo que a França dos Direitos do Homem, com uma pontuação de 7.80 e o 29º. lugar, não consegue ser classificada como uma democracia plena. E que lugar ocupam na tabela, com que pontuação, e como são classificadas as três maiores potências geopolíticas mundiais?: 25º. Estados Unidos (7.96), democracia com falhas; 130º. China (3.32), regime autoritário; 145º. Rússia (2.94), regime autoritário.

Portugal está na 27.ª posição (com uma pontuação global de 7.84, distribuída por processo eleitoral e pluralismo 9.58, funcionamento do governo 7.50, participação política 6.11, cultura política 6.88, e liberdades civis 9.12).

Este Índice Estatístico** de Democracia (Política, acrescento eu, uma vez que é desta que exclusivamente trata), sendo, evidentemente, passível de várias abordagens e leituras, quantifica o argumento de que não basta haver eleições para um regime ser considerado democrático e, muito menos, uma democracia plena.




A FÚRIA E O EFEITO BERARDO

Mário Faria


(Joe Berardo)


Começou em Paris, ou por lá perto, a contestação a Macron. Um grupo de descamisados desceu a terreiro, com alguma violência, para contestar as políticas do presidente e expressar, de forma contundente, que são gente e contam para o totobola. Os representantes dos donos disto-tudo chegaram-se à frente e tomem lá 100€ e vão na paz dos senhores que ditam as regras e guardam o ouro. Os Coletes Amarelos atenuaram a fúria mas a revolta não foi extinta. Prevejo novos impulsos e combates contra a ordem estabelecida. A raiva anda no ar e promete muita contestação. Os sindicatos tradicionais seguem à distância a revolta daquela gente sem cor politica que ameaça reagir de forma contundente e sem aviso prévio numa fase em que o poder ainda não encontrou um qualquer antidoto para combater as enormes desigualdades que alimentam a raiva que se vai instalando, esquecendo que essa gente de pé descalço tem, hoje, “condições para controlar cada parte das vossas vidas”. E o tsunami social aqui tão perto.

Neste jardim plantado à beira mar, muito arreliado pelas contestações vinda dos doutores, juízes, professores, enfermeiros e outros camaradas com direito a mais influência e reconhecimento social e prioritariamente do sector público, deu à costa um grupo de motoristas de transporte de matérias perigosas (associados ao SNNMP) que resolveu avisar com toda a força: queremos mais e ou comem todos, ou não há distribuição de combustíveis para ninguém. Os motoristas em causa vencerão baixos salários. O Governo decretou serviços mínimos que foram cumpridos. Percebo a raiva dos mais fracos e reconheço o direito a lutar por condições justas de trabalho. Os donos da coisa, como sempre, ficaram muito chateados com a desordem que abusivamente se intrometeu no serviço e nas vendas; enquanto isso, as populações demasiado dependentes dos combustíveis, sofrem para garantir a gasolina ou o gasóleo de que depende o seu trabalho.

De regresso à Pátria, tomei nota pormenorizada desta greve no táxi que me trouxe a casa. E fiquei incomodado. A calmaria da Suécia ficou para trás. No dia seguinte a TV dava conta das filas para chegar ao combustível e tanta gente sem lá chegar e outra já a caminho de outra gasolineira mais a Norte ou a Sul que um camarada lhe indicou. Por essa altura e depois de acompanhar os noticiários, deixei de ter qualquer dúvida quanto à justeza da luta. Não sei quem são, nem reconheço o Sindicato a que pertencem, mas esta luta acompanha a raiva que espoletou em França. Um grito que anuncia que são gente, têm poder e reclamam por respeito e salários condignos. E venceram.

Voltando a França recordo que depois de Maio de 68 e da enorme influência que teve nos jovens e nos trabalhadores que os acompanharam, De Gaulle ganhou as eleições com vantagem demolidora. Estamos muito próximos de eleições legislativas. A direita saiu derrotada das eleições para o Parlamento Europeu mas o governo de Costa está longe da maioria absoluta e tem dado muitos tiros nos pés. Continuamos (muito) dependentes dos bons ofícios europeus e a Geringonça tem aberto brechas. Fica por saber se a prioridade de combater a direita prevalecerá ou se uma qualquer desgraça mal combatida vai crucificar o PS.

Escrevi grande parte deste texto no vaivém de estar junto dos netos emigrantes e tive a oportunidade de acompanhar as eleições que ocorreram há dias e foram muito pobres em ideias e de combate a roçar o ódio por parte do PSD e do sócio CDS. No meio dessa pobreza, os representantes da CDU e do Bloco estiveram quase sempre bem e essa constatação cobriu um largo leque de personalidades e de comentadores. E de mim, para que conste. 

Mas, nem tudo correu bem à CDU. Diria mesmo que borraram a escrita quando se lembraram de convidar Filipe Vieira, o Kadafi dos Pneus, para estar presente no jantar de fecho da campanha. Ricardo Araújo Pereira montou, na TVI, uma rábula sobre a ocorrência e a similitude entre Berardo e Filipe Vieira e as dividas que não pagam porque não devem dinheiro a ninguém. Não havia necessidade, camaradas.




PARTICIPAÇÃO E LEGITIMIDADE

António Mesquita


"Luhmann expressamente classifica o emparelhamento das "ideias gémeas" de legitimação e participação de "desastre", e afirma que qualquer tentativa de ligar a legitimidade à participação dos cidadãos conduz necessariamente a uma sobrecarga burocrática do estado."


("Niklas Luhmann's Theory of Law and Politics" de Michael King e Chris Thornhill)



Depois das últimas eleições europeias e, entre nós, da massiva abstenção, de parecer, em alguns casos, que o radicalismo de direita se mostrou o mais motivado para votar, a tese de Niklas Luhmann é uma ideia ao mesmo tempo provocante e tranquilizadora, porquanto dela se pode deduzir que os regimes não são mais legítimos por serem mais votados e "participados".

Atente-se, além disso, que no mundo global das comunicações, o impacto de certas opiniões (podem tratar-se de meras superstições ou preconceitos) sobre as decisões dos governos e actores políticos e, no final de contas, sobre a vida das pessoas, põe em causa a própria noção de "representatividade", a qual deixa de se referir ao universo dos cidadãos sujeitos de uma vontade, para se medir pelas contingências da comunicação social e pelos "likes" das redes digitais, ou pelo seu efeito sobre a ecologia dum pressuposto consenso. 

A ideia de sistema, na sociologia de Luhmann, inspira-se na autonomia dos seres vivos e na sua auto-reprodução ("autopoiesis"*), nas suas trocas com os outros sistemas e o meio ambiente, sempre em função da sua forma "orgânica" e da sua estrutura interna. 

As implicações do conceito são, se é possível, ainda mais importantes numa sociedade em que predominam os sistemas de comunicação. Dizer isto é, entre outras coisas, pôr em causa a ideia de uma "sobredeterminação em última instância" da economia. O que nos mostra a realidade de todos os dias é, de facto, quer nos movimentos sociais recentes, como é o caso dos 'Coletes Amarelos', em França, quer no das ideias em voga como a da 'Mudança Climática', é que os sistemas de comunicação têm regras que tanto a razão como a economia desconhecem. 

Condicionar a legitimidade do regime político a uma efectiva participação dos cidadãos seria, no limite, estender a política a todas as formas de vida social e de algum modo esbater as diferenças com o meio ambiente do sistema. Por detrás de tal ideia está a crença na possibilidade do estado assegurar a permanência do "entusiasmo cívico" (que, geralmente, se verifica nos períodos revolucionários) e que a legitimação de um regime depende dessa condição excepcional. Como tal não é possível dada a natureza humana, a "participação" não seria mais do que uma função a juntar às outras do aparelho estatal. 

Ora, é evidente que a legitimidade não se pode compreender senão à luz da história e do passado dos povos. É óbvio que os "regimes legítimos" não nasceram com a democracia do século XX.

Como dizem os autores, interpretando o pensamento de Luhmann, "as instituições que descuram a resposta ao seu meio ambiente e que privilegiam um contra-intuitivo 'apego a expectativas normativas', tendem sempre para 'obstruir possibilidades de aprendizagem' e, em última análise, para minarem a sua própria legitimidade." Isto é, a política e a moral prejudicam o funcionamento do sistema se forem mais do que "auto-descrições", maneiras do sistema se ver a si próprio, impedindo a autonomia das operações sistémicas, a sua evolução e adaptação. 

Já Marx lhes chamava "superestruturas", condicionando essas formas à infraestrutura do "modo de produção". Bem vistas as coisas, o que Luhmann acaba por dizer é que a "superestrutura» (por exemplo, a participação efectiva dos cidadãos para lá de um certo limite) tornaria o "modo de produção" inviável. 

Era caso para arriscar dizer que talvez nos encontrássemos, sem nos darmos conta, numa situação pré-revolucionária, não fora a tendência revelada pelas eleições de 26 de Maio.




*Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto "próprio", poiesis "criação") é um termo criado na década de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de se produzirem a si próprios. Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos) em que as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistémicas para a vida. Portanto, um sistema vivo, como sistema autónomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interacções com o meio, onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não por um agente externo. De origem biológica, o termo passou a ser usado em outras áreas por Steven Rose na neurobiologia, por Niklas Luhmann na sociologia, por Gilles Deleuze e Antonio Negri na filosofia, por Patrick Schumacher na arquitetura e por Gunther Teubner no Direito. (Wikipedia)
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