Alcino Silva
A estrada
desenrola-se diante de mim como um tapete, desses que se estendem em longos e
silenciosos corredores. Os meus olhos caminham como se galopassem o vento.
Sinto o mundo a procurar-me, tentando no encontro comigo melhor companhia para
viver o tempo que se abre em desenho na frente deste percurso. Deixo-me ir
nessa vivência sonhadora que de asas abertas percorre os celestiais céus da
imaginação.
Quando a madrugada me
apareceu na porta, transportando essa serenidade dos instantes sem horário, abri
a mala que sempre me acompanha, um pequeno saco que penduro no ombro, e dentro
recolhi todos os meus pertences. Comigo nada mais trouxe do que sonhos, os que
habitam nos teus olhos e os que vivi conhecendo-te.
Entramos pela
natureza dentro com esse vagar de quem quer respirar o verde folhoso, o
castanho de uma Primavera que parece Outono e o cinza granítico que em formas
geológicas permite caminhos e tece barreiras. O cântico das águas vem até nós,
como essas ondas que murmuram sons, contornando as encostas. Num cenário de
longitude, o lago amplia a sua vastidão líquida e as casas embrenham-se na
paisagem como um pormenor ou agrupam-se em castelos de fantasia. Detenho a
marcha para contemplar o silêncio, mas na verdade procuro-te entre a beleza das
linhas visíveis em cada instante da natureza. Sei que estás aqui. Viajas comigo
como sempre acontece. Hoje não foi necessário trazer-te. Vieste escondida nos
meus olhos. Vi de manhã quando o espelho olhou para mim. Apareceu-me o que vejo
através de ti e agora a natureza enche-se de luz porque estás aqui.
O que vimos e o que
sentimos tende agora a raiar as nuvens e rodamos, nesse voltear de procura e
descoberta e somos nós ou o mundo que gira. As paredes derrubadas do passado
esboçam agora na paisagem essa permanência humana, ermitéria e reflexiva, onde
se procurava o divino perdão para a miséria do comportamento terreno. Nos
passos do caminho, volto de novo a sentir essa voz que chama e me alcança a
alma, esse cântico que acalma este meu grito de inconsolável melancolia.
Agarro-me a esses timbres para acalmar essa dor que nasce nas ausências que não
queríamos. Piso as cansadas tábuas da ponte nessa recordação do tempo, deixo
que as mãos pousem sobre os momentos em que a beleza nos visita de forma e
conteúdo inesquecível e sinto que as asas da memória ganham altura. Estou em
pleno voo e só acordo com a corrente volumosa e enérgica do rio, impondo pela
força mudança de trilho. É preferível, mesmo que a energia que emana da tua
presença transmita segurança e faça de mim destemido e audaz.
A serenidade da tarde
vem ao nosso encontro, para confraternizar nas horas restantes do dia, enquanto
um sol cansado se deixa vencer por nuvens que teimaram viajar no nosso navio. O
verde campestre dá as mãos ao azul pesado da lagoa, imobilizado este num lençol
que se estende pelas margens até há pouco ressequidas. Amiudamos o andar para
que o prazer sentido se prolongue um pouco mais e quase fecho os olhos para que
não partas sem mim e me conduzas no regresso com os mesmos sonhos da chegada.
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