Cristina Guerreiro
Rio Tejo |
Daqui avista-se o Tejo, uma imensidão
de água azul como mar em dias de sol. Vejo-o eu e a imitação do Arco do
Triunfo, ao alto encavalitam-se as estátuas paradas sem conversa, enjoadas por
uma justiça que perdeu o tino. O homem de joelho por terra só vê terra, areia,
pedra, o martelo e as botas de trabalho de outros que andam por ali largando
pegadas ou tropeçando no fio que lhe apruma a direiteza à obra. Ignora o
ruído e as beatas fumegantes atiradas cegamente, escuta o seu martelo a picar a
pedra branca nos cantos e a desenhar-lhe ancas de mulher que se hão-de encaixar
no negro das outras, não há flores penso eu, não há rosas-de-vento para este
Tejo e as estátuas estão perdidas, sussurro, o homem endireita a espinha e
crava-me os olhos nos meus. Envergonho-me da minha altura. Talvez deva
agachar-me. Dobram-se-lhe as costas num arco mais perfeito que o triunfo.
Areia, esburaca como um menino, terá os mesmos cem, duzentos anos que
o homem antes dele tinha quando também esburacava, acamava pedra branca, ajeitava
pedra negra, aconchegava tudo numa terra apertada sem desvios. Muitos a
cuspirem, a pisarem, a correrem, a sangrarem. Quando tudo estiver pronto,
há-de lá passar com o filho, de mão dada para não se perder por não haver
rosas-de-vento, e há-de contar-lhe que cem, duzentos anos atrás um homem igual
a si fez aquele chão onde estão agora e até uma mulher que o olhava e
falava sem som, deitou lágrimas iguais à água do Tejo.
O meu autocarro só parou ali por um
minuto, apenas um eterno minuto.
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