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01/06/12

HOLLANDE, A FRANÇA E O MUNDO

Manuel Joaquim


Praça da Bastilha, 6 de Maio de 2012



Decorreu nos primeiros dias deste mês a segunda volta das eleições presidenciais francesas, com a vitória de François Hollande, com 51,7% dos votos. Para isso contribuiu, decisivamente, o voto da Frente de Esquerda. Hollande desenvolveu ao longo da campanha um discurso simpático para a esquerda, desde a criação de 150.000 postos de trabalho, (em Portugal o número era o mesmo mas proporcionalmente muito maior) o aumento dos salários, dificuldades acrescidas nos despedimentos, temas familiares para os portugueses e certamente fornecidos pelo seu novo vizinho, Engº José Sócrates, até à retirada dos militares franceses da guerra que fazem no Afeganistão.

Curiosamente, depois da sua eleição, já aparece com subtilezas de linguagem, nomeadamente sobre o novo tratado orçamental, propondo um pacto para o crescimento, certamente, em resultado de conciliábulos com o camarada do seu novo vizinho. Mas à medida que o tempo vai passando a linguagem vai sendo cada vez mais clara, deixando ver o caminho que se perfila no horizonte. Hoje os soldados franceses já não abandonam o Afeganistão até ao final do ano, pois vão ter de criar condições para manter os interesses franceses, as empresas francesas, naquele país tão sacrificado. Hollande, na cimeira da Nato, defendeu claramente a intervenção militar na Síria. São os interesses imperialistas que estão em causa. Por este caminho admito que esteja a contribuir para a derrota da esquerda nas eleições legislativas que se vão realizar no próximo mês de Junho. 

A manutenção de Sarkozy na presidência francesa seria muito problemática e perigosa para a França, para a Europa e para o Mundo, num tempo em que se vive momentos históricos com consequências ainda imprevisíveis. O mundo agita-se e organiza-se em grandes regiões. Não são só os países da Europa que se vão organizando. São, também, os países da América Latina, do Médio Oriente, África e da Ásia. E também da Europa de leste, que vai até à Ásia.

Franck Biancheri, no seu livro Crise Mundial, prevê que o mundo, nos próximos dez anos, tenha poucas semelhanças com as últimas décadas e que as transformações que vão ocorrer serão mais importantes que as ocorridas desde a conquista do mundo pelos europeus, há mais de três séculos. Considera que vivemos num grande e crucial período de transição histórica. 

De facto, o mundo organizado segundo os interesses e valores das potências imperialistas europeias, entretanto, subalternizadas e subordinadas aos Estados Unidos, a seguir à 2ª guerra mundial, o chamado mundo ocidental, está a sofrer profundas alterações.

A “nova ordem mundial”, anunciada em 1991, por G. Bush, a seguir à queda do muro de Berlim, estabelecida unicamente pelos Estados Unidos, não se concretizou. 

O que aconteceu foi, simplesmente, a falência de Wall Street, a perda de valor do dólar, os défices públicos, a destruição do mercado imobiliário, a falência de parte do sector industrial e de grandes empresas financeiras e a procissão ainda vai no adro da igreja.  

A crise que vivemos é global, apesar de existirem países em crescimento efectivo. Mas o cancro está instalado nos Estados Unidos. Toda a sua economia está baseada na mentira, nos activos fantasmas, activos que nada valem e que foram vendidos à generalidade da banca europeia e mundial. Muito dinheiro de fundos para pensões e para reformas foi espatifado dessa maneira. 

O valor das obrigações do Tesouro dos Estados Unidos, títulos utilizados como reservas por quase todos os bancos centrais do mundo, é cada vez mais incerto, pela quantidade de moeda que o governo dos EUA lança no mercado monetário para cobrir os seus défices públicos, provocando a crescente falta de confiança nos défices de todos os países, designadamente da Inglaterra, Alemanha, França, Espanha, etc. É por isso que há quem diga, mas ainda à boca pequena, que Estados Unidos e Inglaterra já estão na bancarrota. 

As elites que nos (des) governam não estão decididas a resolverem a crise mas a tentarem gerir a própria crise, à espera que a recuperação chegue. Os países do chamado Ocidente afundam-se cada vez mais num oceano de dívidas, muitas contraídas para pagar juros e outras dívidas.

Nas cimeiras do G8 já nada se decide. As cimeiras do G20, impostas pelos chamados BRIC, têm sido, para já, inconclusivas. Mas já abordaram uma questão crucial: a substituição do dólar por um cabaz de moedas para as transacções internacionais e para a cotação das matérias-primas. O comércio internacional entre os BRIC e entre estes com terceiros já se faz nas respectivas moedas. É uma questão de tempo. 

Entretanto, a imprensa dominante, ao serviço do poder ainda dominante, alarmam o mundo com a eminente bancarrota da Grécia, com o fim do euro, ou com as dificuldades crescentes da Espanha, levando os chamados investidores para a boca do lobo, isto é, para a aquisição de dólares.

Mas o mundo pula e avança.

Chefes de Estado e de governo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) reúnem hoje e amanhã em Luanda, para tratarem de assuntos regionais e de integração. Estão previstas reuniões do Conselho de Ministros da chamada TROICA (Angola, Moçambique e Namíbia) e do órgão para a cooperação nas áreas de Política, Defesa e Segurança. Angola, África do Sul, Botsuana, Namíbia, Tanzânia, RD Congo, Ilhas Maurícias, Ilhas Seicheles, Maláui, Suazilândia, Lesoto, Zimbábue, Madagáscar, Moçambique e Zâmbia são os países que formam a SADC, presidida actualmente por Angola.
 
No Riocentro, Rio de Janeiro, vai realizar-se a partir do próximo dia 5 de Junho, uma Conferência sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, que vai ter a presença de 102 chefes de Estado e de Governo e delegações de 176 países. É um êxito para a capacidade organizadora e de influência do Brasil. Vai ter a presença de Putin que, por decisão política, faltou a uma cimeira nos Estados Unidos, e de Hollande.

O Irão, potência económica, política e militar, continua a ter uma crescente influência em toda a Ásia, Médio Oriente e América Latina, não obstante as tentativas de bloqueio e de agressão de alguns países ditos ocidentais. Entretanto vai negociando internacionalmente o seu desenvolvimento nuclear, cada vez mais aceite, mas não deixa de aperfeiçoar-se nas ciências, nas tecnologias, nas artes e nas actividades de defesa. Em 13 de Março de 2011 lançou com êxito um foguetão espacial com capacidade para transportar uma cápsula biológica. No próximo mês de Junho vai lançar para o espaço um novo foguetão e está eminente o lançamento de um satélite nacional,  Fayr (Alba).

Mas não devemos esquecer que os Estados Unidos bombardearam o Iraque e a Líbia quando estes decidiram transacionar o petróleo em Euros. E que os motivos das guerras são o saque e o controlo das matérias-primas como nos tempos coloniais. É o imperialismo em acção.

 Os países europeus serão os principais responsáveis pela estabilidade ou pela instabilidade que vai acontecer durante uns bons pares de anos. É aqui, neste momento, que Hollande tem um papel de transcendente importância. Ajudar a construir o futuro, com os sessenta e cinco milhões de franceses, libertando a França do jugo em que tem estado, de completo servilismo em relação aos Estados Unidos, afastando das instituições francesas e europeias os americanistas, afastando a Nato das intervenções neocoloniais e imperialistas, e contribuindo para a construção de uma Europa mais solidária, mais fraterna, mais igualitária e de respeito para com todos os povos. A alternativa é anquilosar-se, não ter perspicácia, ater-se ao passado, o que terá consequências terríveis para os franceses, para os europeus e para os povos de todo o mundo.

“Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política de posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido.” (De Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo V. I. Lenine – Edições Avante!)


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