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30/10/07

O PROGRESSO

Mário Faria

Cena de "Cinema Paradiso" (1988-Giuseppe Tornatore)


Provavelmente por ser um jovem com bastante idade, lembro-me de muitas salas de cinema, que já não moram cá. Em algumas delas só havia cinema ao fim de semana (Ex.: Odeon e Central Cine). O Carlos Alberto, com sessões duplas, era uma sala muito particular que permitia os espectadores interagirem com as cenas e os frequentes cortes nos filmes. Mais com os segundos do que com as primeiras, até porque nessa altura havia censura e não eram permitidas cenas eventualmente chocantes. Mas, era lindo de ouvir as palmas quando o artista matava o vilão ou os assobios por cada corte que interrompia uma cena mais arrojada, de maior suspense, os beijos mais arrebatados ou a pouca nudez que era permitida.

Na zona da minha residência, havia a seguinte oferta de salas de cinema : Vale Formoso, com filmes infantis ao sábado de tarde, Terço, Júlio Diniz e o Estúdio. O “velhinho” Terço, coberto posteriormente, funcionava apenas no Verão, mas ao ar livre. Completamente degradado fechou : não oferecia condições mínimas de comodidade e a frequência era muito baixa. A última vez que vi lá um filme, nem meia dúzia de pessoas assistiam. Sinto alguma mágoa, mas parece-me que o cinema com a centralização das salas nos grandes centros comerciais, ganhou muitos espectadores, e “salvou”, aparentemente, a actividade de uma agonia que parecia ter vindo para ficar.

Num recente debate sobre a desertificação da baixa do Porto, a presidente dos pequenos comerciantes do Porto, queixava-se das grandes superfícies instaladas na periferia – sem que isso correspondesse, na sua opinião, a uma verdadeira necessidade dos consumidores –, como as principais responsáveis dessa desertificação e pela falência do pequeno comércio tradicional.

Será que tem razão ? Ou será que os pequenos comerciantes adormeceram à sombra da bananeira, não se souberam modernizar, tirar partido do efeito de proximidade e posicionar-se para um serviço mais personalizado. Ou este é o caminho inexorável do progresso em que o small is beautiful já não é, prevalecendo o gigantismo das organizações, sustentado na ditadura financeira, que firma as regras do jogo e subjuga os mais pequenos ?

É o progresso dizem os optimistas e os gurus conselheiros de todas as modernidades. Sobre o progresso vale a pena determo-nos um pouco sobre parte de um texto que escreveu João Barrento, que acho brilhante e certeiro :

“… Estamos sempre a usar conceitos ambíguos, palavras para realidades movediças e indistintas. "Progresso" é um desses conceitos. Leio e traduzo um livro - de poesia, imagine-se - que coloca no seu centro a questão das contradições do progresso e da necessidade de as problematizar … O progresso (o grande sonho, ou pesadelo, da razão) foi cada vez mais naturalmente – porque a história é, de facto, a nossa segunda natureza - afectando vidas, sociedades, sistemas. De forma positiva, proporcionando-nos aquilo a que se convencionou chamar "qualidade de vida" (outro conceito problemático e ambíguo), e também negativa, porque progresso e sistema andam sempre de mãos dadas …Mas esse progresso, que os seus retratos apresentam de forma espectacular e algo patética, tornou-se hoje silencioso e invisível. Sorrateiro, o consumo trá-lo para as nossas vidas, e mal damos por ele já a sua rotina se instalou. E acabamos por lhe agradecer. E as multinacionais que o gerem agradecem… O sistema insiste, e sabe que pode esperar - para ganhar, no duplo e perverso sentido do termo (é lógico e consequente, num capitalismo sem alternativas à vista). E aqui damos com outra questão de fundo. O sistema "constrói as ruínas do futuro" : tudo o que toca se transforma, não em ouro, como na história antiga de Midas, mas em sucata virtual. É isso o progresso, cujo olhar só conhece uma direcção … Vivemo-lo e agradecemos-lhe por existir, é tudo. Alguns tentam, em vão, fugir-lhe. Pura ilusão: o sonho da razão continuará a gerar os seus monstros.”

Nota Final :

Nos casos dos cinemas Vale Formoso e Júlio Dinis é justo dizer que não morreram : transformaram-se. O primeiro pertence à IURD e é um consolo para a alma ; o segundo é um salão de baile e é um consolo para o corpo. Vale a pena uma visita, a ambos. Não percam a oportunidade.


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