Helena Serôdio
INTERMEZZO
Rasgou-se o ventre da noiteE nasceram catadupas de astros!Magnífica,Resplendente qual jóia preciosa ,A lua brilhou entre os seios da noite, alvos como dunas!A noite era uma planície imensa, orvalhada de estrelas,Branca de luar e de mistério,Povoada de visões fantasmagóricas!O seu corpo virginal,Intocável,Envolto em ténues neblinas.Era um vasto oceanoInterrompido por ilhas desertas,E cada um dos seus órgãosEra um mundo independente,Animado de vida própria ,Girando em volta de si mesmo!A noite descerrou as pálpebras,Sacudiu a longa cabeleiraE despertou para mais uma vigília.Refugio-me nos braços da noite,Estreito-a longamente ao peito,E abraço o vazio e a solidão.Afago-lhe a face pálida aReflectir o espasmo da insónia.Vejo-me no espelho dos seus olhosCalmos como plácidos lagos,Em que a indiferença flutua,Beijo-lhe a boca gélida,Muda,E nela se desprendem, num esgar,O desdém e a ironia!Debruço-me na noite friaComo numa ponte de cristalSuspensa nas alturas!Atrai-me a vertigem do abismoEm que o corpo se lança para dormir sono eterno.E o espírito paira, enfim, liberto!Aspiro o perfume da noite,Inebria-me o prazer do ignoto...A noite é um cemitério de paz,Onde jazem sepultados os meus sonhos,As minhas aspirações,A intimidade do meu ser...Siderada nos espaços,Isenta,Inviolável,A alma da noite é uma flor solitária,Aberta para o silêncioEm que a minha vida se debate...Impudica,A noite revelou-me generosamente a sua nudez.E eu vi-me nua dentro da noite!...
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