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01/04/25

SOARES É FIXE?

Mário Martins

https://www.wook.pt/livro/mario-soares-joaquim-vieira

 


Ler esta biografia não autorizada de Mário Soares, com mais de 1000 páginas, baseada, entre outras fontes, em 16 longas conversas com o biografado, da autoria do jornalista, ensaísta e documentarista, Joaquim Vieira, é não só acompanhar 70 anos de vida política activa no combate denodado à ditadura do Estado Novo, e depois, na luta pelo estabelecimento e consolidação da democracia, tal como ele a via, como também, por essa via, revisitar muitos dos acontecimentos políticos marcantes de um e outro tempo.

O mesmo, aliás, se poderia dizer da biografia, igualmente não autorizada, de Álvaro Cunhal, com mais de 2600 páginas distribuídas por quatro volumes, publicada há uns anos, da autoria do professor, historiador e arquivista, Pacheco Pereira, esta mais sociopolítica, que relata a resistência heróica à ditadura salazarista e, depois, a luta, não pela consolidação da democracia liberal, mas pela implantação de um regime socialista inspirado na experiência soviética.

A formação do jovem Mário Soares decorreu num ambiente familiar de certo desafogo financeiro, mercê da exploração de um colégio de ensino, e de permanente conspiração política contra a ditadura do Estado Novo. O pai, João Soares, um homem corajoso, era uma figura do reviralho, participante em diversas conspirações para derrubar o ditador Salazar, sofrendo com isso a clandestinidade, a prisão, a deportação e o exílio.

Mário Soares tinha uma grande admiração e respeito pelo pai, dele herdando a coragem e o sentido de intolerância à ditadura (o que lhe acarretaria a prisão por 12 vezes, a deportação para S. Tomé e o exílio em França para não voltar a ser preso), além do sucesso no relacionamento com o sexo feminino.

Um aspecto que impressiona quem não anda nestas andanças, é o que se passa nos bastidores da política que é servida no espaço público, em que o tratamento informal e não raras vezes agressivo entre os principais actores se substitui à pose mediática, como neste exemplo ilustrativo:

Soares dava-se bem com o professor Mota Pinto, então presidente do PSD, com quem se coligara em 1983 para constituir o governo do “bloco central”, mas isso não o impediu, na sequência da decisão de propor a despenalização do aborto em certas condições, tomada por grande maioria em congresso do PS (decisão a que não era contrário mas considerava inoportuna), de em pleno Conselho de Ministros vituperar Mota Pinto (que o avisara antes “que o seu partido estava em pé de guerra e que o tinha de seguir, votando contra”): “Ó Mota Pinto, você o que é é um hipócrita. Responda aqui a estes senhores (…) quantos abortos é que já pagou às gajas com quem se meteu.” Mota Pinto dá uma gargalhada: “Essas coisas nem se dizem nem se falam. Vamos lá a tratar de coisas sérias, temos que nos entender.”, salvando assim a situação. Nas palavras de um correligionário, Bernardino Gomes, “Soares gosta(va) muito de senhoras e de boa vida, e Mota Pinto também. Eram iguais. Tinham uma cumplicidade enorme (…)”

As referências biográficas a aventuras extraconjugais (e também ao processo de alegada corrupção, conhecido pelo “fax de Macau”, que levou o governador Carlos Melancia à barra do Tribunal onde, no entanto, seria absolvido) desagradaram profundamente a Mário Soares, que descarregou as suas costumadas fúrias no biógrafo, para quem, ainda assim, o comentário que a sua mulher, Maria Barroso, terá feito em telefonema a agradecer o envio da biografia, de que “É um livro escrito com muita honestidade.”, serviu, certamente, de bálsamo. 

Um episódio menos conhecido demonstra que uma mensagem formal, sem alicerce prático convincente, corre o risco de ser interpretada ao contrário. No debate parlamentar do programa do novo governo PS/CDS (assim considerado pela opinião pública embora, oficialmente, designado como acordo parlamentar de incidência governamental), que viria a ser empossado em Janeiro de 1978, Soares, intuindo as implicações políticas de uma aliança com o CDS, declarou que “Não quer isto dizer que estejamos aqui para meter o nosso socialismo (fosse isso o que fosse) na gaveta.” Para a opinião pública, porém, Soares metera o socialismo na gaveta…

Curiosamente, foi um jovem do CDS, que preferia Mário Soares a Freitas do Amaral nas presidenciais de 1986, que propôs o sloganSoares é fixe”. De facto, Soares foi melhor Presidente da República do que Primeiro-Ministro. Preferia ler livros a estudar dossiês. Bateu-se sempre pelo figurino europeu ocidental de liberdade política, existência de partidos, e expressão do voto popular em eleições periódicas. O seu espírito intuitivo e impulsivo despertou paixões. Foi amado e odiado, o que, sem dúvida, justifica que coloquemos o seu “porreirismo” na forma interrogativa. 

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