Mário Martins
https://comunidadeculturaearte.com/a-hipermodernidade-de-gilles-lipovetsky/
“A luta climática vem preencher o vazio das grandes ideologias”Gilles Lipovetsky
(Entrevista
ao Jornal Público, 25Março2023)
As teses abordadas pelo filósofo francês na citada entrevista (não li qualquer livro dele), poderão esquematizar-se em alguns pontos:
- A crise climática é o grande desafio do século.
- As paixões individualistas são mais fortes do que o futuro planetário, pelo que não haverá conversão da população mundial à frugalidade.
- As crises financeiro-económicas não são favoráveis à solução. As pessoas pensam e agem mais segundo o slogan: “não estamos preocupados com o fim do mundo, estamos preocupados com o fim do mês."
- A eficácia da tecnociência sobreleva a eficácia da moral. Em breve teremos 9000 milhões de consumidores no planeta. Acreditar que, de uma hora para a outra, eles vão todos ficar moderados e razoáveis… é um filme de Hollywood. A virtude é incapaz de mudar o mundo.
- Temos de parar de culpar os consumidores. Imagine-se que todos os europeus se tornam espartanos. Deixam de usar o carro, aquecem a casa a 17 graus Celsius, prescindem do avião, abdicam das roupas da Zara e da H&M. Conseguimos reduzir as emissões em, digamos, 20%? A não ser que queiramos ter um Estado totalitário que proíbe o cidadão de conduzir um carro, comer carne e comprar novos produtos, temos de ter soluções inteligentes. E, aqui, a inteligência traduz-se em leis, investigação, debate democrático.
- A solução passa pela inovação e pela tecnociência, sob o olhar regulador do Estado e com a participação de diferentes actores sociais. Não haverá solução sem engenheiros e cientistas. Não podem deter a solução sozinhos; eles fazem-nos propostas e nós concordamos, ou não. Mas, sem eles, não haverá solução à escala planetária. Sem eles, será o caos.
- A luta ecológica vem preencher o vazio das grandes ideologias de outrora. Antes, os militantes lutavam pelo comunismo, pela revolução, pelo socialismo, pelo fascismo ou pelo nacionalismo. Hoje, as grandes causas colectivas perderam peso. As formas de luta debruçam-se agora sobre coisas novas como a protecção do planeta.
A passagem à actual (e
provisória?) fase pós-covid para a qual se vaticinava que “nada seria como
dantes”, veio demonstrar a validade destas teses quanto ao comportamento das
pessoas, as quais, pelo contrário, ansiavam pelo regresso ao estilo de vida
pré-covid.
Não há como não reconhecer que a ciência e a tecnologia modelam ou, no mínimo, influenciam grandemente os nossos comportamentos e o nosso modo de vida. A globalização, a massificação do turismo, não teriam sido possíveis sem os avanços espectaculares das comunicações, da informática, da internet, do uso intensivo do avião.
Os telemóveis (que, inicialmente, serviam para telefonar, e agora até servem para telefonar…), esses, põem-nos o mundo no bolso, ao preço de uma atenção absorvente. E a chamada inteligência artificial é o novo “brinquedo” criado pela inteligência humana, que não sabemos realmente aonde nos levará, mas em cujo desenvolvimento se estão a fazer investimentos colossais. Esperemos, como alertava, o famoso escritor de ficção científica, inventor e divulgador de ciência, Arthur C. Clark, que possamos sempre “desligar a ficha”.
Em suma, a tecnologia que, nos últimos anos, tem constituído um autêntico desafio às gerações mais velhas, habituadas a um ritmo de vida mais pausado, estável e nada virtual, transformou a organização e a vida em toda a estrutura económico-financeira, no ensino e na saúde, modificou a nossa vivência caseira, alterou o nível e as condições do emprego, ao mesmo tempo que as relações humanas se tornaram cada vez mais impessoais, em que o outro é apenas um naco de escrita, uma imagem ou uma voz, e não já uma pessoa real à nossa frente.
É certo que a tecnologia não é boa nem má em si. São os homens que fazem o melhor ou o pior uso dela. Parecia que os avanços tecnológicos dos últimos anos permitiriam a melhoria das condições de vida das pessoas, e no entanto… Mas se o seu desenvolvimento é imparável, dado o nosso impulso natural de descoberta, é prudente reconhecer que algumas tecnologias possuem maior potencial de serem mal utilizadas. O caso da energia nuclear é disso um exemplo pungente.
Poderia, entretanto, objectar-se ao proclamado vazio ideológico que o liberalismo, de um lado, e o autoritarismo, do outro, não deixam de ser ideológicos, e que os protestos de rua não serão imunes a influências ideológicas, mas em qualquer caso, longe das grandes ideologias salvíficas.
Quanto à crise climática, que o filósofo considera ser o desafio do século, das duas uma: ou os seus efeitos se agravam de forma assustadora para cada um de nós, levando-nos a aceitar, na ausência de soluções tecnológicas, mudanças dramáticas no nosso modo de vida, ou a tecnociência produz inovações espectaculares que permitem dispensar grandes mudanças na nossa “vidinha”.
Tudo
está, pois, em aberto, no seio de uma Natureza essencialmente imprevisível.
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