01/12/18
NO CORRER DOS DIAS
Marques da Silva
https://alunosonline.uol.com.br/historia/civilizacao-persa.html |
Há momentos na vida em que as palavras que nos amparam se apagam, parecem jazer adormecidas no cemitério da humanidade, caladas entre os cedros das áleas onde só resta a terra do piso onde caminhamos. Silenciadas, deixam-nos naufragados entre as ruínas do tempo, vogando sem rumo, acreditando no infinito, mas com a certeza de que esse ponto onde se unem as linhas marginais da vida e no qual termina a esperança se torna visível como um radar cujo feixe se mostra cada vez mais perceptível. Sem palavras, queda a memória na procura de recordações. Tendo aprendido a perceber o mundo através dos teus olhos, tornando-os refúgio da alma face às calamidades da vida, regresso às lembranças do passado nas asas de aves andinas. Não resisto em regressar ao deserto levantino onde as palavras se tornam inúteis quer pela beleza dos seus murmúrios, ou pela tempestade de violência que os homens semeiam sobre as suas areias. Alepo vive em mim. Mesmo agora, um espectro de si mesma e um esqueleto da sua glória, impressiona-me, deixa-me nesse mutismo em que ficamos quando a grandeza supera a nossa imaginação. Por momentos, parece que a ternura voltou a inundar as areias do deserto, mas o fragor das bombas para além do Eufrates, ainda interrompe esta melodia melancólica. É verdade que são bombas democráticas, bombas com direitos humanos, bombas com justiça, fogo dos bons contra os maus, mas quando procuramos melhor, percebemos que os ladrões matam os seus infames servidores. Apesar do êxtase que gera em mim a quietude da paisagem, da brisa que não chega a desacomodar-nos, dos oásis onde descansamos a sede e a fadiga, levas-me pela mão para lá desta loucura humana, fazes-me atravessar o Tibre, percorrer caminhos solitários até te deteres no palácio de Persépolis. No entardecer encantador de um passado longínquo acredito que os únicos sons que escuto são marítimos, como se o golfo estivesse espreitando para além dos seus muros que resistem soberbos ao passar da história. Falas-me em farsi e acredito encontrar na doçura desta língua, as palavras que se me secaram em latim. Falas-me do tempo, do pretérito, da maldade, da beleza e da violência que a humanidade leva no seu caminho. Percorres em passo vagaroso as áleas outrora soberbas deste reduto real e escuto em silêncio magoado essa evolução mental que nos leva desde as pedras lascadas até ao espaço extragaláctico. Continuam a faltar-me as palavras e sem elas, deixamos de amar, pois mais do que com os gestos, amamos com as palavras, são elas que nos expressam perante os outros e o que nos rodeia. Sem palavras, sem esse som em que modelamos os sentimentos e os afectos o amor esconde-se, como eu agora me oculto nas ruínas deste símbolo de um poder grandioso. Da humanidade chegam-me sussurros, tudo mais são gritos que me recuso a ouvir. Berros dos senhores, dos que sempre mandaram e impuseram a docilidade dos seus servos e cultivaram a obediência a que chamam ordem. E a cada rugido senhorial, uma bomba rebenta sobre a terra dos seres humanos, os que acreditam que com uma cruz no interior de um quadrado podem mudar o mundo, mas apenas mudam os que mandam no mundo, os que impõem, os que bombardeiam. E assim vamos perecendo, seja ontem, será amanhã. O dia declina e persistes em falar numa língua que decides ser ela própria, ao mesmo tempo, poesia e jardim de rosas. Desconheço a língua, mas compreendo tudo o que me dizes. Falas-me de humanidade, da ternura humana, das odisseias que engrandecem a vida e da esperança que um dia sem data se sobreporá sobre o estrume de qualquer comunidade internacional que quotidianamente nos esmaga a alma. Disse-te que se me esgotaram as palavras.
Desde a Idade Média, a morte por enforcamento ou decapitação, ou mesmo nas fogueiras inquisitoriais, era motivo de mobilização popular. Em torno do lugar da morte, juntava-se uma turba, maioritariamente para desfrutar do gáudio de ver morrer. Em qualquer das situações, sobretudo na decapitação e no enforcamento, a morte não ocorria ao primeiro golpe o que aumentava o sofrimento do supliciado e projectava ainda mais o deleite da assistência. Não era um acto censurável. Era normal e tradicional. Na Revolução Francesa, Guillotin, impressionado com o padecimento das vítimas, inventou um aparelho eficaz e rápido, a guilhotina, cujo uso diminuía a ansiedade e a dor da morte. Das primeiras vezes, a multidão aumentou para ver a eficácia do aparelho, mas um ah! de desolação percorreu a massa embrutecida, pois o espectáculo era demasiado rápido para o seu gosto e a tortura em que se tornava a morte, praticamente desaparecia. A pena de morte encontra-se hoje quase erradicada do hábito humano, mas muita dessa maldade foi transferida para lutas de morte entre animais e, uma outra turba, em tudo idêntica à medieval, junta-se para de novo erguer os seus instintos maldosos, sentindo-se agora menos culpada, pela exclusão do sofrimento humano. No Paquistão é uma tradição cultural colocar um urso ao qual previamente foram extraídas as garras, a lutar com seis cães selvagens, até à morte, naturalmente. Faz parte da cultura tradicional. Por cá, neste território de nome Portugal, temos algo parecido mas mais civilizado, a que chamamos touradas, em defesa das quais apareceu Manuel Alegre com um conjunto de frases como emblema, nomeadamente quando nos diz que, «que aqueles que não compreendem as touradas não compreendem a literatura nem a poesia», acrescentando que é «preciso compreender a relação sagrada que existe entre o toureiro e o touro». Definitivamente, a idade não perdoa.
O PCP, o PSD, o CDS e uma parte do PS, aprovaram na Assembleia da República que os impostos de todos nós vão subsidiar a assistência às touradas. É a política no seu esplendor.
“Vivemos na sociedade do conhecimento mas sem conhecimentos suficientes. Olhamos para a Prodata e verificamos que um dos índices mais dramáticos é o da população activa sem ensino secundário ou superior. Em Portugal 52% não tem escolaridade suficiente. Na Europa, a média é de 22%. É uma catástrofe.”, diz-nos Carlos Fiolhais em entrevista ao suplemento educação do JL. Depois admiramo-nos quando deixamos ruir pontes, famílias morrem inteiras em condições sub-humanas por não pagarem atempadamente a energia eléctrica enquanto um crápula recebe 3 milhões por ano de prémios. Por fim, deixamos que uma estrada desapareça no fundo de uma vala com 80 mts e, tal como há 20 anos os areeiros se apressaram a afastar a sua responsabilidade, agora apareceram na primeira fila os marmoristas no mesmo clamor: «eu não»! E pensar que são aqueles 52% que decidem sobre a vida e o futuro dos restantes 48%, democraticamente, naturalmente.
O presidente da Câmara de Borba não se demite porque nunca imaginou que a estrada pudesse ruir. O dono da pedreira também não imaginou. As vítimas mortais certamente não imaginaram, pelo que não há responsáveis. A não ser que imputemos a responsabilidade a alguém que possa ter imaginado!
UMA FAMÍLIA DE PEQUENOS LADRÕES
António Mesquita
Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões
de Hirokazu Kore-eda
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Eis a história de uma estranha família a que faltam laços de sangue, mas em que o maior desejo de grandes e pequenos é merecerem o nome de pais e filhos. A família típica acaba por ser a ideia que une estes seres cujo encontro parece dever-se ao acaso.
Num tugúrio com a avó, Hatsue, vivem Osam, um ser esquivo e amoral, dado às artes da sonegação, a companheira Noboyu, que, por um tempo, trabalhou numa lavandaria, a jovem irmã, Aki, que contribui para o mealheiro com sessões de pornografia 'soft', Shota, um rapaz de 12 anos que não conhece os pais e Yuri, uma menina de 6, recolhida na rua.
Começamos por assistir ao 'modus operandi' de Osamu e de Shota num supermercado. Enquanto um faz cair os artigos na mochila, o outro cobre o ângulo de visão da vigilância. O grupo sustenta-se da pensão da avó e destes pequenos furtos.
Mas a avó morre depois de um momento de graças e de contemplação diante do mar. Para não faltar a principal fonte de pecúnia, é enterrada em casa e a vida segue em frente com mais um espírito do lar.
Shota começa a reparar nos seios femininos e tem a primeira erecção. Isso coincide com um rebate de independência. Ao iniciar a menina na manobra do furto, é surpreendido pelo logista que oferece uma guloseima a Yuri e aconselha o rapaz a não ensinar a criança a roubar. A partir daí, a autoridade de Osuma é posta em causa. Já não basta que os roubos não provoquem a falência, espécie de justificação do chefe. A dúvida corrói o pequeno delinquente que parte una perna na fuga e se deixa apanhar.
A família, temendo a perseguição, faz as trouxas e tenta escapar durante a noite. São surpreendidos pelos faróis da polícia.
Noboyu é presa, assumindo as culpas de Osuma, que é reincidente. Yuri é entregue à família verdadeira (que a maltratava), Shota inicia a sua reeducação institucional.
Um dia encontra-se com Osuma e dorme em sua casa. Mas já nada é como dantes. Aquele já não pretende o título da paternidade, nem Shota acredita nele.
É assim que este filme complexo, baseado numa notícia, nos leva a interrogar algumas das nossas certezas e, sem parecer fazê-lo, mostra através de uma célula atípica, como é esta convivência feita de afectos e de práticas marginais, a ideia de uma sociedade em crise de identidade.
Hirokazu Kore-eda, que obteve a Palma de Oiro no Festival de Cannes deste ano, é também o realizador, entre outros filmes, de "Ninguém Pode Saber" (2004), "O Que Eu Mais Desejo" (2011), "Tal Pai Tal Filho" (2013).
LIÇÕES PARA O PRESENTE
Mário Martins
http://www.elsinore.pt/livros/21-licoes-para-o-seculo-xxi
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“Os seres humanos pensam através de narrativas e não através de factos, números ou equações, e quanto mais simples a narrativa, melhor.”
“As políticas democráticas, os direitos humanos e o capitalismo de mercado livre pareciam destinados a conquistar o mundo inteiro; mas, como de costume, a História tomou um rumo inesperado, e, depois de o fascismo e o comunismo colapsarem, agora é o liberalismo que está em apuros.”
“Se o liberalismo, o nacionalismo, o Islão ou qualquer outro credo novo quiser moldar o mundo do ano 2050, terá não só de conseguir explicar a inteligência artificial, os algoritmos da Big Data* e a bioengenharia como também de os integrar numa nova narrativa com sentido.”
Yuval Noah Harari
Este novo livro de Harari anda à volta de uma preocupação central: “a crise ecológica iminente, a crescente ameaça das armas de destruição maciça e o surgimento de tecnologias disruptivas” tornam premente o debate sobre “as limitações da democracia liberal, e de que modo podemos adaptar e melhorar as suas instituições actuais”, já que, se não o fizermos, “a mão invisível do mercado vai impor-nos a sua resposta cega”. Explica o autor que “grande parte do livro analisa as falhas da mundividência liberal e do sistema democrático, não por julgar a democracia liberal particularmente problemática, e sim por pensar que se trata do modelo político mais bem-sucedido e versátil que os seres humanos já desenvolveram para enfrentar os desafios do mundo moderno.”
Harari preocupa-se, desde logo, com a questão do trabalho ou do emprego. Embora ironize - “quando fores grande, talvez não tenhas profissão” -, reconhece que não tem a menor ideia de como será o mercado de trabalho em 2050. Em todo o caso, defende que “para lidarmos com as disrupções tecnológicas e económicas inéditas do século XXI, há que desenvolver novos modelos sociais e económicos o quanto antes; estes modelos devem reger-se pelo princípio da protecção das pessoas e não dos postos de trabalho”, conceito que, segundo o autor, está já a ser posto em prática na Escandinávia. “E se apesar de todos os nossos esforços uma percentagem significativa da Humanidade for empurrada para fora do mercado de trabalho, podemos ter de explorar novos modelos para sociedades pós-trabalho, economias pós-trabalho e políticas pós-trabalho”. Com efeito, Harari admite que “em 2050 pode surgir uma classe ‘inútil’ não apenas devido a uma total falta de empregos ou de habilitações relevantes, mas também devido a uma falta de resistência mental (às mudanças abruptas e cada vez mais aceleradas a que as pessoas serão sujeitas)”. Neste quadro, profissões como as de psicólogo e de psiquiatra não correrão perigo de extinção…
Outra preocupação do autor é a vaga nacionalista em curso: “Hoje temos uma ecologia mundial, uma economia mundial e uma ciência mundial – mas ainda estamos presos a políticas nacionais (…) Não sendo possível desglobalizar a ecologia e a marcha da ciência, e dado que o desglobalizar da economia teria custos proibitivos, a única solução viável é globalizar a política. Isto não implica, no entanto, o estabelecimento de um ‘governo global’ (…) significa apenas que as dinâmicas políticas dentro dos países – e até cidades – deveriam colocar muito mais ênfase nos problemas e interesses globais.”
Harari alerta que “os algoritmos da Big Data podem criar ditaduras digitais em que todo o poder se concentra nas mãos de uma pequeníssima elite, enquanto a maioria das pessoas sofre não devido à exploração, mas devido a algo muito pior: a irrelevância.”; e conclui: “Se o futuro da Humanidade se decidir na nossa ausência – porque estávamos demasiado ocupados a alimentar e a vestir os nossos filhos -, tanto eles como nós não ficaremos imunes às consequências. Isto é muito injusto; mas quem disse que a História é justa?”
O autor aconselha, enfim, que não entremos em pânico (que, para ele, é uma forma de soberba de quem “sabe” que nos espera o fundo do poço) e que, em vez disso, adoptemos uma atitude de perplexidade, própria de quem não compreende o que se passa no mundo. Afinal de contas, a crédito de uma razoável confiança no futuro, podemos convocar o extraordinário poder de adaptação da Humanidade revelado até agora e as previsões apocalípticas de todo o tipo que ficaram pelo caminho.
*grande conjunto de dados que só as novas tecnologias da informação permitem recolher, armazenar a analisar.
ALGUMAS NOTAS SOBRE AS GREVES
Mário Faria
O protesto nacional dos juízes contra a revisão "incompleta" do Estatuto, por não contemplar reivindicações remuneratórias e de carreira, espoletou uma greve geral, que levou ao cancelamento de muitos julgamentos e outras diligências processuais.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) previu que a greve geral terá uma "adesão muito forte", culpando o Governo por não deixar outra alternativa aos magistrados judiciais ao apresentar uma proposta de revisão do Estatuto que "não é aceitável".
Os enfermeiros iniciam uma greve inédita às cirurgias programadas em cinco blocos operatórios de hospitais públicos que durará até ao último dia do ano. Hospital de Setúbal, hospital de Santa Maria, hospitais de Santo António e São João e no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra aderiram a esta greve; “A adesão dos enfermeiros que trabalham nos blocos operatórios estará muito perto dos 90%.
Os estivadores em protesto no Porto de Setúbal bloquearam a passagem de um autocarro que transportava os trabalhadores que os vão substituir no carregamento de um navio com viaturas da Autoeuropa. Ao todo, há 150 precários em Setúbal, um porto que tem sido notícia exatamente pelo número excessivo de trabalhadores sem vínculo laboral (90%) que asseguram, ali as operações diárias. "Restam uns 30 trabalhadores efetivos, o que não é suficiente para assegurar o movimento de navios em todos os turnos, até porque a par da indisponibilidade para trabalhar dos precários, também, está em curso uma greve às horas extraordinárias", diz o sindicato.
Agora, numa altura em que a troika deixou o país há quatro anos e com um novo Governo em funções, o cenário não é muito diferente, sobretudo entre os trabalhadores da administração pública. Quando o Executivo liderado por António Costa assumiu funções, em 2015, começou-se a assistir a uma redução nas greves gerais e setoriais. Só nesse ano houve 87 paralisações em todos os setores da administração pública, de acordo com os números do Ministério das Finanças. No entanto, desde o ano passado que os ânimos entre os funcionários públicos voltaram a aquecer e o número de paralisações voltou a subir. No total, em 2017 houve 144 greves, e tudo indica que este ano o número de paralisações seja superior. Em 2018, face aos indicadores já conhecidos, vão aumentar os números de paralisações face ao ano anterior e muito provavelmente ultrapassar os valores registados no tempo da troika.
O Privado em contraciclo: ao contrário da administração pública, entre os trabalhadores do privado o número de greves tem vindo a reduzir nos últimos anos. Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, dos 488 pré-avisos de greve entregues em 2016 pelos trabalhadores do privado, apenas 76 se concretizaram. Os números revelam ainda que o número total de paralisações entre os trabalhadores do privado tem vindo a reduzir. O sector dos transportes é o mais reivindicativo.
Os sindicatos têm milhares de funcionários cujo trabalho não é outro senão esse, e os meios de comunicação social têm formas de trabalhar que são sempre iguais: directo à porta do protesto, conversa previamente combinada com o sindicalista de serviço, números de adesão estratosféricos, jornalistas a debitar a cassete do trabalhador oprimido, discussão do tema nos canais por cabo à noite, e por aí fora. Esta coreografia está altamente rotinada e não é nada fácil de quebrar. Se a esquerda não dança, a comunicação social fica sem par – e a direita não conhece os passos. Esta foi a grande fragilidade de PSD e CDS nos últimos três anos. Ao mostrarem-se incapazes de ocupar o espaço que PCP e Bloco deixaram ao abandono, a direita ficou não só sem governo, mas também sem oposição. (João Miguel Tavares)
Apenas a esquerda e o PAN votaram a favor da recomendação do PCP para aumentar o Salário Mínimo Nacional (SMN) para 650 euros mensais em Janeiro. PS, PSD e CDS votaram contra e consideraram que o assunto deve ser tratado em sede de concertação social, que servirá (como habitualmente) de refúgio para adiar esta reivindicação mais do que justa. Os salários no nosso país são baixos e o salário mínimo deve constituir-se como objectivo primeiro da acção sindical. E o período pré eleitoral deve servir para denunciar o que o governo não vai ser capaz de propor e negociar. Se a greve dos estivadores se percebe tão bem (e até faz parte do nosso imaginário (quem não se lembra do "Há lodo no Cais"?), acho que a greve dos enfermeiros e a dos juízes apelam a um estatuto elitista e não deveriam ser autorizadas.
PELA PAZ
Manuel Joaquim
A necessidade de se trabalhar para a construção de um mundo melhor, sem miséria, sem fome, com mais e melhores empregos, com mais educação, mais saúde, o que, ao fim e ao cabo, Sérgio Godinho sintetiza numa canção sua, obriga-nos a ter presente os problemas da Paz, pois, sem ela, tudo o que sonhamos vai por água abaixo, com muita dor e sofrimento.
Existem pessoas que pensam que a civilização após uma guerra nuclear voltaria a uma situação idêntica à que existia na Idade Média. Nada mais falso. As imagens das cidades do Japão que foram bombardeadas na segunda guerra mundial e das cidades da Síria, do Iraque e do Afeganistão que estão neste momento em guerra, demonstram que as pessoas, só por si, não têm meios de sobrevivência. A Idade Média foi um período de reconversão e de reorganização da sociedade, onde se deu o desenvolvimento do ensino e criação das universidades, das artes e ofícios, avanços acentuados nas ciências e nas técnicas, o renascimento.
Uma guerra entre as grandes potências pode ser o fim da nossa civilização. Normalmente as guerras começam quando estão em causa poderes que são liderados por cabeças perturbadas.
As arrogâncias que observamos em alguns líderes, os gastos em armamentos, suficientes para acabar com a fome em todo o mundo, obriga-nos a meditar.
No passado dia 20 de Outubro, realizou-se o Encontro pela Paz, no Pavilhão Paz e Amizade, na cidade de Loures, com a presença de mais de 700 pessoas, representantes dos vários núcleos existentes no país do Conselho Português para a Paz e Cooperação, das Câmaras Municipais de Évora, de Gaia, de Montemor-o-Novo, de Palmela, do Porto, do Seixal, de Soure, Movimento Municípios pela Paz, diversas Juntas de freguesia, diversas organizações sindicais, diversas colectividades, associações de estudantes do ensino secundário e superior, Juventude Operária Católica, Liga Operária Católica, Movimento de Trabalhadores Cristãos, Pastoral Operária, URAP, Associação Nacional dos Sargentos, Liga Portuguesa dos Direitos Humanos-Civitas, Movimento Erradicar a Pobreza, Organização dos Trabalhadores Científicos e muitas outras instituições.
As intervenções, todas elas exprimindo uma grande sensibilidade para as questões da vida das pessoas e para a necessidade de abrir caminhos para a Paz através da solidariedade e cooperação entre os povos, da defesa do desarmamento, foram muito bem recebidas. Duas intervenções registei com particular atenção: A do padre católico local e do jovem representante da Frente Democrática Brasileira de Lisboa.
Foi uma grande iniciativa mas como já sabemos a comunicação dita social não noticiou.
No final do Encontro a Presidente da Juventude Católica Portuguesa, apresentou o seguinte documento que foi muito aplaudido por todos os presentes.
Apelo à defesa da PAZ
No encerramento deste Encontro pela Paz, que consideramos de grande oportunidade e importância, e em nome das organizações que o promoveram, saudamos todos quantos participaram e contribuíram para a sua realização e afirmamos o nosso empenho para que prossiga e se alargue ainda mais a convergência de vontades e a acção em defesa da paz, considerando-a essencial à vida humana e uma condição indispensável para a liberdade, a soberania, a democracia, o progresso social, o bem-estar dos povos – para a construção de um mundo melhor para toda a Humanidade.
Reconhecendo que a defesa do espírito e dos princípios da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional é base fundamental para o fim do militarismo, da corrida aos armamentos e da guerra, assim como para defender e promover a paz e o desenvolvimento de relações mais justas e equitativas entre os povos de todo o mundo, afirmamos o nosso empenho e apelo à promoção de uma cultura de paz e de solidariedade entre os povos, dando particular atenção aos povos vítimas de ingerência, de agressão e de opressão, incluindo os refugiados, e desenvolvendo uma acção de incentivo à paz e à cooperação em alternativa à guerra e à rivalidade nas relações internacionais.
Considerando da maior importância a educação para a paz, nomeadamente junto das novas gerações, em prol dos valores da paz, da amizade, da solidariedade, da cooperação, da dignidade e da equidade – valores que devem caracterizar as relações entre os Estados e entre os povos –, afirmamos o nosso empenho e apelo a que se promovam iniciativas neste âmbito, designadamente, com escolas, associações e autarquias, nomeadamente em torno do Dia Internacional da Paz (21 de Setembro) e dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Conscientes da premência do fim das armas de extermínio em massa, nomeadamente de todas armas nucleares, afirmamos o nosso empenho e apelo a que se promovam iniciativas públicas que não esqueçam os bombardeamentos atómicos de Hiroxima e Nagasáqui e o Dia Internacional para a Abolição Total das Armas Nucleares (26 de Setembro) e pugnem pela assinatura e ratificação por Portugal do Tratado de Proibição das Armas Nucleares.
Recordando que em 25 de Abril de 2019 se comemoram os 45 anos da Revolução de Abril, que acabou com 48 anos de fascismo e 13 anos de guerra colonial, e que consagrou na Constituição da República Portuguesa importantes princípios de relações internacionais para Portugal e o povo português – como a independência nacional e a igualdade entre os Estados, o respeito dos direitos humanos, dos direitos dos povos, a solução pacífica dos conflitos internacionais, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares ou a criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos – afirmamos o nosso empenho e apelo a que se promovam as suas comemorações.
Conscientes de que a paz é um direito fundamental da Humanidade, sem o qual nenhum outro estará garantido, e alertando para os perigos que a ameaçam, consideramos que este Encontro pela Paz foi um passo importante para o movimento da paz no nosso País e afirmamos a vontade de continuar a unir esforços em Portugal na defesa da paz no mundo, assumindo o compromisso de realizar um novo Encontro pela Paz, pois, pela paz, todos não somos demais!
Encontro pela Paz, Loures, 20 de Outubro de 2018
01/11/18
A APARIÇÃO
António Mesquita
Um jornalista (Vincent Lindon) reputado pelas suas reportagens de guerra e que acaba de perder o seu melhor amigo numa missão de alto risco, responsabilizando-se por isso, enfrenta uma grave crise que o leva ao desespero e ao isolamento. É nesse momento que é convidado pelo Vaticano, para fazer parte duma comissão de inquérito aos acontecimentos numa povoação do sul da França que envolvem uma freira noviciada de 17 anos (Galatéa Bellugi) que alega ter tido um encontro com a Virgem. Essa aparição tinha se tornado em pouco tempo um fenómeno internacionial, arrastando multidões de crentes, e à volta da 'visionária' e do padre local (desautorizado pela hierarquia) multiplicaram-se os negócios e os oportunistas dispostos a explorar essa espécie de turismo e a fé dos crentes.
Jacques Mayano entrega-se a essa investigação, com a mesma escrupulosa perseguição dos factos que o tornaram famoso, factos que desta vez se escondem por detrás da sinceridade comovente da heroína e do ilusionismo de alguns charlatães.
Uma empatia estranha se manifesta, entretanto, entre a freira e o jornalista. Ele, querendo fugir aos clichés, mas nunca satisfeito com as respostas 'toutes faites' que Anna lhe oferece. É o passado dela, sobretudo, que levanta mais questões, e do qual Jacques procura a revelação.
Este método, é escusado dizê-lo, é-lhe sugerido pelo interesse apaixonado em resolver o seu próprio impasse. Como viver com a culpa de termos falhado à pessoa que mais queremos e causado com isso a sua morte? É nas fotografias e cartas antigas de Anna que Jacques descobre o silêncio gritante sobre uma amizade especial (uma amizade 'fusional' diz uma testemunha). Meriem desapareceu da comunidade, com o bebé e um tal Pavel, depois de uma experiência traumática que a história nos leva a identificar com a alegada aparição. Terá sido Meriam a ter a visão (para ela assustadora) que não pôde 'racionalizar', nem, por outro lado', identificar com o 'sagrado', e que Anna, a orfã, chamou sua, como se tivesse visto com os seus próprios olhos. Quer dizer, tomou a experiência do outro no sentido que mais razão dava à sua própria existência, como um destino. A sua única dúvida era, como diz a Jacques, se seria digna de sofrer até ao fim.
Anna acaba por morrer 'em santidade', colocando a questão das provas ao nível da futilidade. E, no entanto, pode dizer-se que escondeu a verdade, porque ela não era Meriem.
A psiquiatra da comissão de inquérito não lhe encontrou nenhuma disfunção psíquica. De qualquer modo, não nos satisfaria um diagnóstico de loucura.
Jacques Mayano, depois da revelação do segredo de Anna e de Meriem, é capaz de vencer a sua crise existencial e de encontrar uma saída para o seu sentimento de culpa.
Mas o filme mostra que não foi a imparcialidade que lhe fez compreender a 'vidente', nem a sair do seu desespero.
CONTRA A DEMOCRACIA
Mário Martins
(https://www.google.com/search?) |
“Muitos dos meus colegas têm uma visão algo romântica da política: a política junta-nos, educa-nos e civiliza-nos, e torna-nos amigos com bons princípios cívicos. Do meu ponto de vista, a política faz o oposto: separa-nos, paralisa-nos e corrompe-nos, e torna-nos inimigos sem civismo. (…) O melhor seria a maior parte das pessoas não se preocupar sequer com a política.”
Jason Brennan, “Contra a Democracia”, Ed. Gradiva
“Prevejo que a maioria dos leitores encontre muita coisa com que discordar – eu certamente encontro -, e que também a maioria considere, com inquietação, que é difícil resistir aos argumentos de Brennan sem vacilar”
Jacob T. Levy, Universidade Mcgill
Para quem foi educado nos valores da participação política e do ideal democrático, este é um livro desconcertante e politicamente incorrecto, com potencial para pôr à prova o conforto das convicções mais sólidas.
O autor divide o eleitorado em três tipos: “os hobbits, apáticos e ignorantes quanto a política, correspondem ao não-votante típico. Os hooligans, fanáticos desportivos da política, sustentam que as pessoas com ideias alternativas sobre o mundo são estúpidas, más, egoístas ou, na melhor das hipóteses, estão profundamente enganadas; constituem a maior parte dos votantes regulares e das pessoas com actividade política. Os vulcanos pensam científica e racionalmente sobre política, tentam activamente evitar ser tendenciosos e irracionais, mas como todos os indivíduos são pelo menos um pouco tendenciosos ninguém consegue ser um verdadeiro vulcano. A maior parte dos americanos é hobbit ou hooligan, ou encaixa-se algures entre uma coisa e a outra.”
Definido assim o eleitor típico, que não será só americano, e apoiado numa profusão de dados empíricos impressionantes, faz sentido que o autor o declare inapto para votar, num regime – a democracia – que considera meramente instrumental e não um fim em si mesmo. Daí que proponha, na linha socrático-platónica, a alternativa de uma epistocracia (governo dos sábios) mitigada, em que o regime democrático passaria a envolver também um conselho epistocrático, aberto a todos os cidadãos, mas constituído por membros sujeitos a exames rigorosos de competência, com poder de veto das leis ou decisões políticas tomadas pelos órgãos democráticos. Algo de parecido, embora de natureza democrática, com o poder de veto, ainda que não definitivo, do Presidente da República Portuguesa.
O autor coloca demasiadas fichas na questão da competência, desvalorizando, a meu ver, o simbolismo do princípio da igualdade essencial dos cidadãos e a função de ligador e de escape social que a democracia real, à mistura com a ideal, desempenha. De resto, como lembra João Pereira Coutinho, “a política não é uma ciência (os sábios também falham e, quando o assunto é política, falham ainda mais) e pessoas politicamente analfabetas podem saber, com lucidez, aquilo que desejam para as suas vidas, mesmo que desconheçam macroeconomia ou sistemas eleitorais.”
Não há dúvida, porém, que em Portugal a democracia está afunilada. O eleitorado continua a não ter nenhum poder de escolha (ou de recusa) dos seus representantes para o parlamento, apenas votando nos partidos cujos estados-maiores “cozinharam” as respectivas listas. Há já seis anos, Rui Tavares chamava a atenção “para um princípio, chamado de Clay Shirky, segundo o qual as instituições procuram preservar o problema para o qual deveriam ser a solução. Caso resolvesse o problema para o qual foi criada, a instituição X perderia a sua razão de existir; em consequência, no conflito entre resolver o problema e assegurar a sua própria manutenção, a instituição tende - a menos que seja forçada por outra via - para a segunda opção.” Com as devidas adaptações, este paradoxo assenta muito bem na partidocracia portuguesa.
NO CORRER DOS DIAS
Marques da Silva
Quando ainda os nossos passos não se haviam encontrado para caminharem afastados mas lado a lado, acreditava que o mundo era composto de silêncio e que a ausência de sons era o complemento necessário à existência da beleza, ao irradiar da perfeição que procurávamos nas formas dos objectos e das paisagens. Foi o sorriso do teu olhar que me mostrou que o planeta onde habitamos está organizado em ritmos, em melodias e que só quando sabemos viver amando, as podemos detectar por sobre o rumor do silêncio. Mas tudo isto foi muito mais tarde. Naquela época apenas sabia que “ao princípio é nada, um sopro apenas” e assim se coloca uma primeira pedra no que desejamos construir, nas amizades carregadas do belo, dessas que ansiamos viver, e a harmonia aparece quando aprendemos a conhecer a música que nos rodeia e somos capazes de compreender os murmúrios melodiosos que sobrevoam os planaltos, a canção que se desenha nos rios que descem das montanhas ou a sensação de alienação que nos alcança nos picos elevados da vida. “Como ao vento, As searas da terra, E as crinas dos cavalos, Entre dois infinitos de azul”. Rasgamos tudo o que sabíamos e aprendemos a escutar e a amar com um simples olhar, não apenas a natureza mas, sobretudo, os rostos humanos e em especial aqueles que de nós se aproximam para ficarem entre o mar e o céu no horizonte onde se tocam os azuis. “No leito de negras rochas, Que na costa se adorna, De mil vidas fervilhantes, Mais alto ainda”. Era uma tarde de Outono, idêntica a tantas outras e sentia já esse estremecimento de correr contra o tempo, fazer com que a vida acelerasse dentro do próprio tempo e partisse pelas estradas do mundo na procura de pessoas e verdades. Estava um dia de sol ameno, retemperador, nessa temperatura que nos envolve os sentidos e nos deixa frágeis mas tranquilos. Foi já na saída que escutei aquela voz, «o Saramago ganhou o Nobel». “As águas se suspendem, E no segundo final, A gestação imensa”. Não era possível parar, deter o pensamento e as ideias porque esse ponteiro que nos comanda a vida e desregra o seu usufruto, que antes de ser uma necessidade, deveria ser uma obrigação, nos empurrava para diante. No entanto, a estrada adquiriu nesse dia uma outra dimensão. Ainda não aprendera a ouvir os delírios musicais da natureza, porque só quando chegaste os havias de trazer, mas as vozes excitadas na rádio, falavam exaltando o Homem e as palavras, a vida e o amor que nelas aparecem. “Da branca espuma, Do sol, Do vento que soprou, Dos peixes, Das flores, E do seu pólen”. No entusiasmo que se pressentia, surge o poema musicado, do escritor, que desconhecia, e me vai fazer transcender as ideias e alar o pensamento. Principia num som longínquo e vai erguendo-se como a nossa existência desde criança trepando até à velhice, exaltando a vida e o seu nascimento, os frutos dos abraços e dos beijos a que os seres humanos se dedicam quando se entregam no delírio do sonho e do amor. “Das algas trémulas, Do trigo, Dos braços da medusa, Das crinas dos cavalos, Do mar da vida toda”. Deixamo-nos subir na alegria do infinito, galvanizados pela mistura dos sons e das palavras e chegamos em êxtase ao final na letícia cantada, “Nasce Afrodite, amor, Nasce o teu corpo”. Sentimos que algo se quebrou em nós no momento final do poema. Percebemos que no interior do silêncio há uma música que é premente escutarmos. Foi há 20 anos. O Nobel da Literatura foi atribuído a José Saramago. Foi escritor e poeta, um Homem do mundo, um humanista, um ser humano com a coragem de apontar os erros humanos, a ganância e a luxúria como males a erradicar e denunciar as oligarquias obscenas que mergulham o nosso tempo no caos da avareza violenta. Foi um prémio merecido. Outros o mereceriam? Acredito, mas não na vez de José Saramago.
Quando uma parte significativa de 60 milhões de brasileiros acredita que a violência pode pôr fim à violência, percebemos que a humanidade não consegue aprender com os seus próprios erros. Quando um boçal, inculto e desmiolado obtém a maioria dos votos de um país com a grandeza do Brasil, sem saber construir uma frase gramaticalmente coerente, sem uma ideia com conteúdo, compreendemos que a História se repete em tempos diferentes, com os seus mortos, os seus censores, os seus autocratas que se acreditam iluminados por Deus.
ENCRUZILHADAS
Manuel Joaquim
A dita “opinião pública” é comandada pelos média e pelas redes sociais. Estes veículos de “informação” são alimentados por grandes centrais de comunicação que dispõem de meios técnicos e de profissionais que lhes são disponibilizados pelo poder dominante e pelo grande capital. Naturalmente que são instrumentos ao serviço da luta ideológica e dos exclusivos interesses dos seus donos.
A campanha que se desenvolveu recentemente à volta dos chamados refugiados da Venezuela, independentemente da grave crise económica, social e política que este país atravessa, teve como objectivo a preparação da “opinião pública” para o derrube violento do governo de Maduro. Este foi eleito com mais votos e maior percentagem do que o Prof. Marcelo, mas isso é omitido.
Hoje, estão em marcha dezenas de milhares de migrantes de vários países da América do Sul e Central, a caminho dos EUA mas a informação é muito escassa. Trump enviou milhares de militares para as fronteiras para fazer frente a essa gente pacífica, que simplesmente foge à fome, ao desemprego, à violência. Trump chama-lhes malfeitores, delinquentes. Nove milhões de guatemaltecos vivem com menos de três dólares por dia.
As eleições no Brasil encheram-nos de notícias sempre com o ferrão espetado no candidato do PT e no PT, reflexo da intensa campanha das redes sociais e dos média brasileiros. Meteram o Lula na cadeia para o impedir de ser candidato e sem uma acusação objectiva. O golpe de estado em curso levou ao afastamento da Presidente Dilma, cujo aprofundamento se deu agora com esta eleição. Dilma foi acusada de transferir verbas dumas rubricas para outras em termos orçamentais. Se o senhor do poder judicial brasileiro que julgou Lula e Dilma viesse a Portugal, certamente que metia na cadeia vários primeiros-ministros portugueses. Esse senhor do poder judicial vai ser agora recompensado com um lugar no próximo governo e, no futuro, com um lugar no Supremo Tribunal.
As sondagens apontaram durante muito tempo para o desaparecimento do PT e do candidato do PT. Enquadradas pela campanha desenvolvida, naturalmente que as mesmas tiveram influência na votação dos cidadãos. Os resultados foram maus, mas não foram tão maus como à primeira vista pareciam ser. O vencedor teve 55, 13% - 57.797.456 votos; o vencido teve 44,87% - 47.040.819 votos; votos nulos e brancos 9,57% - 11.110.422 votos. A maior representação no Parlamento é do PT e seus aliados.
Os resultados da votação dos brasileiros em Portugal deram uma larga vitória ao candidato vencedor. Mas os resultados no Japão, França, Inglaterra e Alemanha deram uma grande vitória ao candidato do PT. Qual a explicação?
No jornal Avante!, de 26 de Junho de 2008, foi publicada uma entrevista com Jerónimo de Sousa sobre uma visita que tinha acabado de fazer ao Brasil a convite do PCdoB. Refere os importantes progressos sociais registados no segundo mandato do governo de Lula. Mas que isso não podia iludir “a questão de fundo com que se debatem as forças políticas progressistas brasileiras: sem pôr em causa o sistema capitalista não há solução para os problemas a que têm de fazer face.” Tal como na altura, neste momento “o Brasil está numa encruzilhada e terá de escolher o caminho”. E Como Mujica disse: “Não há vitórias definitivas, nem derrotas definitivas”.
Uma das grandes medidas já anunciadas pelo vencedor é liberalizar a venda de armas. Não sei se também vai incluir facas mais afiadas. Trump continua a defender a liberalização da venda de armas nos EUA. Entre Janeiro e 29 de Outubro de 2018, registaram-se 47.467 incidentes com armas de fogo nos EUA. Por este caminho o Brasil não ficará atrás.
Uma medida defendida durante a campanha e agora confirmada é a reforma da Previdência, entregando-a às companhias de seguros e bancos. É a passagem para o sistema de capitalização. Essa e outras medidas conhecidas pelos portugueses estão na forja: privatizações, venda do património público e de sectores estratégicos, precarização do trabalho, cortes na saúde e na educação.
Mas este tipo de informação faz-nos distrair de questões muito importantes que se passam na Europa. A saída dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio – INF e a instalação de grandes quantidades de material de guerra em vários países da Europa e junto à fronteira com a Rússia, vai levar, inevitavelmente, a uma corrida aos armamentos com consequências imprevisíveis. Dirigentes alemães têm-se pronunciado criticamente considerando que “a actual situação é a mais perigosa desde o fim da guerra-fria” (Presidente da Conferência de Segurança de Munique). As crises acentuam-se. Historicamente, há quem defenda a guerra para superar crises.
Por isso, é preciso tomar consciência, “avisar toda a gente”, de que é preciso preservar a PAZ.
Em 20 de Outubro realizou-se em Loures, no Pavilhão Paz e Amizade, um grande Encontro pela Paz.
É um tema a tratar na próxima vez.
A GOLPADA
Mário Faria
OS SINTOMAS
7 Abril 2016
O General Carlos Jerónimo, chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), pediu a demissão na sequência da polémica sobre discriminação homossexual no Colégio Militar. O Ministro da Defesa, Azeredo Lopes, pediu explicações, considerando a situação inaceitável. Em consequência, segue o pedido de demissão do responsável militar que tutela aquele colégio. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de quem dependem todas as Forças Armadas do país, já aceitou a exoneração.
4 Setembro 2016
Hugo Abreu morre às 21h45 do primeiro dia da instrução e da “prova zero” do 127º curso de Comandos, devido a um “golpe de calor”, após o exercício do "carrossel";
Dylan da Silva chega ao Hospital do Barreiro já depois da meia-noite, às 00h20, depois de se sentir indisposto na instrução técnica de combate (progressão no terreno) e de ser também diagnosticado como "golpe de calor";
- 19 arguidos e 539 crimes. Arranca julgamento das mortes nos Comandos;
- Todos os arguidos vão a julgamento;
- Instrutores negam falta de auxílio e agressões;
- Director do curso processa chefe do Exército;
- Dos 57 militares do curso apenas 13 acabaram e recebem a boina;
- Exército substituiu comandante dos Comandos cinco dias antes de se saber da acusação a 19 militares.
TANCOS
A Polícia Judiciária (PJ) já identificou e deteve o alegado autor do roubo de armas do paiol de Tancos. É um homem de 36 anos, ex-militar, referenciado pelas polícias como traficante de droga e de armas e terá contado com a cumplicidade de elementos da GNR. Foi igualmente pedida a detenção de um antigo porta-voz da PJ Militar, que se encontra actualmente numa missão na República Centro Africana.
Entre os detidos está o próprio director da Judiciária Militar, o coronel Luís Vieira, cujo papel em todo o esquema ainda não é claro.
Como ex-militar que é – embora nunca tivesse pertencido aos quadros das Forças Armadas –, o suspeito do roubo do paiol terá contado com informações privilegiadas por parte de ex-colegas para saber como tirar o material de Tancos. Não contava, porém, com a repercussão que o caso ganhou a nível nacional e assustou-se. Queria devolver as granadas, os explosivos e tudo o resto – mas em segredo. Não queria que lhe arranjassem problemas.
Terá resolvido contactar um ex-companheiro de armas, um soldado do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé, que por sua vez falou com o seu superior hierárquico, um sargento. Este conheceria alguém na Judiciária Militar do Porto, e o plano ganhou forma: guardas e inspectores da PJ Militar ficavam com os louros da descoberta do material, mas em troca disso encobriam o traficante.
O piquete da PJ Militar de Lisboa recebeu durante a noite uma chamada anónima a alertar para o aparecimento das armas e restante material na Chamusca, a 21 quilómetros do local do furto, cerca de três meses e meio depois de o Exército ter confirmado o roubo, a 29 de Junho do ano passado. Por estranha coincidência, uma equipa constituída por guardas de Loulé e inspectores da PJ Militar do Porto encontrava-se nesse momento no Parque das Nações, em Lisboa, a trabalhar numa outra investigação. Foram enviados pelo piquete para a Chamusca, onde encontraram todo o material, à excepção das munições de 9 milímetros, que o ladrão já teria vendido. O pacote incluía mais de duas centenas de velas de explosivo plástico de alta potência que nem sequer estavam contabilizadas nos registos do Exército.
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Ministro reúne-se com PGR
O inquérito sobre o reaparecimento do material militar está a cargo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), uma unidade especializada na criminalidade complexa e especialmente violenta. Trata-se de uma investigação diferente da do desaparecimento, embora não esteja de lado a hipótese de os inquéritos virem a ser fundidos num só, uma vez que dizem respeito ao mesmo assunto.
A investigação ao aparecimento das armas foi aberta após a PJ ter considerado altamente suspeitas as circunstâncias em que o material foi encontrado. Os inspectores da Judiciária, que lideravam a investigação ao alegado roubo, foram avisados com umas horas de atraso do aparecimento das armas. Por outro lado, o material foi retirado do local onde foi encontrado e transportado para um quartel ainda antes dos investigadores da Judiciária chegarem ao local, o que impediu qualquer perícia naquele descampado. Foi igualmente considerado estranho o facto de ter estado envolvida naquela operação a GNR de Loulé, sedeada a mais de 300 quilómetros da Chamusca, onde foi encontrado o armamento.
A sensibilidade da operação levou esta terça-feira de manhã, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, a reunir-se com o ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, que tutela a Polícia Judiciária Militar e, segundo a procuradoria, é o superior hierárquico do seu director. "Neste contexto, o director do DCIAP e a procuradora-geral da República procederam à entrega formal ao ministro da Defesa da notificação da diligência pretendida [a detenção], a qual foi concretizada posteriormente, nos termos da lei, por militar de patente superior", esclareceu a procuradoria. As hierarquias do Exército tiveram igualmente de ser informadas.
Coube ao major-general Figueiredo Feliciano, chefe de gabinete do chefe de Estado-Maior do Exército, fazer formalmente a detenção do coronel Luís Vieira, oriundo deste ramo das Forças Armadas.
Por ironia, coincidência ou sarcasmo, o despacho 49 de 2018 para apurar quem é quem nos alugueres do IASFA, expirou no mesmo dia em que o ministro abandonou funções sem se saber se a ordem ministerial foi cumprida. E com a sombra de corrupção no comportamento de alguns militares. Seria um match nulo, um empate entre a demissão do civil que esteve à frente do Ministério da Defesa e a nuvem de dúvidas que Tancos e os alugueres deixam sobre as Forças Armadas.
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“Não há braço-de-ferro entre os militares e o Governo, há necessidade de uma reversão da política seguida em relação às Forças Armadas no sentido de as dignificar e de dar os recursos necessários ao cumprimento da sua missão”, comenta o almirante Melo Gomes, antigo Chefe do Estado-Maior da Armada.
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Apesar do desmentido de um embate perpétuo, este militar não deixa de evidenciar que esperava outro desempenho governamental. “A política seguida precisa de ser mudada, a reforma 2020 [do executivo de Passos Coelho] precisa de ser revertida, como se esperava que acontecesse quando este Governo e este ministro tomaram posse”, destaca o presidente da direcção do think tank Grupo de Reflexão Estratégica Independente.
Corrigir trajectória
Corrigir esta trajectória não se afigura possível no último Orçamento, que esta tarde é discutido pelo Governo em Conselho de Ministros, embora o primeiro-ministro tenha prometido que as contas da Defesa de 2019, fechadas no Ministério de Azeredo Lopes e Marcos Perestrello, sejam as maiores de toda a legislatura.
“Corria-se o risco de uma desautorização, não é chantagem, do Estado por militares. Tivemos de tomar providências para que tal não acontecesse, para que a subordinação do poder político legítimo e democrático não fosse posta em causa”, conclui Melo Gomes. O abismo descrito entre o ministro e a tropa não vem, pois e só, da escassez de meios.
“Não vai mudar nada”, antevê um oficial na reserva que solicita o anonimato. “Houve um grande desinvestimento nos últimos anos e, em vez de mimar o bebé, o ministro deu-lhe um encontrão”, prossegue. “Teve o azar de lhe rebentar nas mãos, podia ter sido outro”, destaca.
Encontrões ministeriais
O “encontrão” tem episódios e datas. Em Abril de 2016, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), Carlos Jerónimo, saiu por não concordar com a demissão da direcção do Colégio Militar na sequência da revelação de discriminação de alunos homossexuais.
“Para nós está em causa a interferência do ministro da Defesa na acção do CEME”, assinala o mesmo oficial. O embate, numa sociedade atenta e contrária à homofobia, colocou os militares sob os focos mediáticos. A substituição do general Jerónimo pelo general Rovisco Duarte não resolveu a questão. Como se veria.
Neste filme negro, sem direito a heróis, e com representações medíocre da parte dos principais artistas, o Major Vasco Brazão é o patife simpático que emerge pela sua coragem, sacrifício e amor à Pátria. Tem futuro. O mau da fita foi julgado e expulso pelo crime político cometido, seja lá o que isso for. É uma espécie de lavagem da honra. Os militares sairão reforçados e as mudanças serão cosméticas. A bem da Nação. Afinal, são eles que tem as armas e há por aí muito Bolsonaro escondido com rabo de fora.
Fontes: Público e Observador
01/10/18
ROMA: O EXCESSO DE BELEZA
mário martins
(Fonte das Ninfas - Foto do autor)
“Em Roma há uma beleza objectiva, que está nas coisas, na arquitectura, na visível estratificação dos séculos e depois há uma beleza oculta, às vezes invisível.”
Paolo Sorrentino
(citado no livro “La Roma Segreta”, de Costantino D’Orazio)
Roma é excessivamente bela. Banhada pela água das fontes, no recato de palácios, galerias, museus e igrejas, nas ruínas do passado remoto, no renascimento de quatrocentos ou no barroco de quinhentos, a Arte jorra por todo o lado, em camadas sobrepostas, testemunhando o poder, a vaidade e o gosto de imperadores, papas e nobres que, não poucas vezes a par das maiores ignomínias, favoreceram o génio dos artistas e o engenho dos construtores.
E, no entanto, Constantino D’Orazio, historiador de arte, lamenta “que os romanos (ao contrário dos estrangeiros) não sabem apreciar a beleza que os rodeia. Estão de tal modo habituados a vê-la que não se apercebem dela. Os romanos (…) ignorantes (…) não merecem de modo nenhum a herança que a história lhes atribuíu.” Esta crítica, excessivamente contundente, esquece que os visitantes estão livres da vida de todos os dias que, de igual modo, nos seus países, tornará a beleza habitual. Já Linda Baseggio, Jornalista e Professora de Literatura, é mais benevolente e razoável com os romanos do presente: “Poucas cidades do mundo conseguem essa mistura de magnificência e quotidianidade como Roma. Talvez pela alegre despreocupação que exibe ante a sua extraordinária beleza; uma cidade em que comer, conversar e rir é lei de vida”*
Paolo Sorrentino chamou ao seu oscarizado filme “A Grande Beleza”, mas bem poderia chamar-lhe “O Excesso de Beleza”…
*in “Viajes” nº. 222, National Geographic.
'PICKPOCKET' REVISITADO
antónio mesquita
Tenho a ideia que a sobriedade aguenta melhor a prova do tempo do que qualquer outra forma. Mas será que as maravilhas do barroco, ou da arte védica, precisam assim tanto da nossa complacência?
Este filme de Robert Bresson, de 1959, impressionou-me, da primeira vez, por uma espécie de integridade minimalista. A própria música se retrai nesse pudor da dramaturgia. Os raros trechos de Lully dão, em certos momentos, o tom da solenidade, do destino, o resto é o monólogo de um aprendiz de fora-da-lei. Michel é um niilista, um revoltado sem causa. O seu 'mal de vivre' está-lhe no olhar de animal acossado - a escolha do actor -Martin LaSalle - não foi pequeno mérito.
As figuras evoluem por grandes saltos que chocam quem está à espera do tempo de uma narrativa convencional. Não se desenvolve o triângulo amoroso entre Michel, o amigo e a vizinha da sua mãe, Anne, personagem angelical. Mas este não é o tempo de contar uma história. O que se quer atingir é, em vez disso, a parábola.
Michel é, finalmente, surpreendido pela polícia em flagrante delito. Preso, é visitado por Anne, e é a ocasião para a irrupção da música e para a exaltação do tema do amor. A frase pronunciada pelo prisioneiro é daquelas que fica na memória: - 'Anne, que estranho caminho para chegar até ti!'
Poderíamos resumir 'Pickpocket' como o extravio de um homem que se reencontra na inocência do amor. A acção (e o que sobra da parábola) é um exercício das mãos. Uma feia manipulação no gesto de roubar um passageiro do autocarro ou um espectador das corridas.
Para o cineasta de 'Diário de um pároco de aldeia' e de 'Fugiu um condenado à morte', o orgulho, pecado luciferiano, explica todo o percurso de Michel. Ao tentar ludibriar as leis, julga-se acima do comum. O filme termina com a redenção pelo amor, tema cristão e dos romances de cavalaria. Não é 'Lancelot do Lago' um dos títulos de Bresson?
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