António Mesquita
Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões
de Hirokazu Kore-eda
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Eis a história de uma estranha família a que faltam laços de sangue, mas em que o maior desejo de grandes e pequenos é merecerem o nome de pais e filhos. A família típica acaba por ser a ideia que une estes seres cujo encontro parece dever-se ao acaso.
Num tugúrio com a avó, Hatsue, vivem Osam, um ser esquivo e amoral, dado às artes da sonegação, a companheira Noboyu, que, por um tempo, trabalhou numa lavandaria, a jovem irmã, Aki, que contribui para o mealheiro com sessões de pornografia 'soft', Shota, um rapaz de 12 anos que não conhece os pais e Yuri, uma menina de 6, recolhida na rua.
Começamos por assistir ao 'modus operandi' de Osamu e de Shota num supermercado. Enquanto um faz cair os artigos na mochila, o outro cobre o ângulo de visão da vigilância. O grupo sustenta-se da pensão da avó e destes pequenos furtos.
Mas a avó morre depois de um momento de graças e de contemplação diante do mar. Para não faltar a principal fonte de pecúnia, é enterrada em casa e a vida segue em frente com mais um espírito do lar.
Shota começa a reparar nos seios femininos e tem a primeira erecção. Isso coincide com um rebate de independência. Ao iniciar a menina na manobra do furto, é surpreendido pelo logista que oferece uma guloseima a Yuri e aconselha o rapaz a não ensinar a criança a roubar. A partir daí, a autoridade de Osuma é posta em causa. Já não basta que os roubos não provoquem a falência, espécie de justificação do chefe. A dúvida corrói o pequeno delinquente que parte una perna na fuga e se deixa apanhar.
A família, temendo a perseguição, faz as trouxas e tenta escapar durante a noite. São surpreendidos pelos faróis da polícia.
Noboyu é presa, assumindo as culpas de Osuma, que é reincidente. Yuri é entregue à família verdadeira (que a maltratava), Shota inicia a sua reeducação institucional.
Um dia encontra-se com Osuma e dorme em sua casa. Mas já nada é como dantes. Aquele já não pretende o título da paternidade, nem Shota acredita nele.
É assim que este filme complexo, baseado numa notícia, nos leva a interrogar algumas das nossas certezas e, sem parecer fazê-lo, mostra através de uma célula atípica, como é esta convivência feita de afectos e de práticas marginais, a ideia de uma sociedade em crise de identidade.
Hirokazu Kore-eda, que obteve a Palma de Oiro no Festival de Cannes deste ano, é também o realizador, entre outros filmes, de "Ninguém Pode Saber" (2004), "O Que Eu Mais Desejo" (2011), "Tal Pai Tal Filho" (2013).
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