Mário Martins
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“Muitos dos meus colegas têm uma visão algo romântica da política: a política junta-nos, educa-nos e civiliza-nos, e torna-nos amigos com bons princípios cívicos. Do meu ponto de vista, a política faz o oposto: separa-nos, paralisa-nos e corrompe-nos, e torna-nos inimigos sem civismo. (…) O melhor seria a maior parte das pessoas não se preocupar sequer com a política.”
Jason Brennan, “Contra a Democracia”, Ed. Gradiva
“Prevejo que a maioria dos leitores encontre muita coisa com que discordar – eu certamente encontro -, e que também a maioria considere, com inquietação, que é difícil resistir aos argumentos de Brennan sem vacilar”
Jacob T. Levy, Universidade Mcgill
Para quem foi educado nos valores da participação política e do ideal democrático, este é um livro desconcertante e politicamente incorrecto, com potencial para pôr à prova o conforto das convicções mais sólidas.
O autor divide o eleitorado em três tipos: “os hobbits, apáticos e ignorantes quanto a política, correspondem ao não-votante típico. Os hooligans, fanáticos desportivos da política, sustentam que as pessoas com ideias alternativas sobre o mundo são estúpidas, más, egoístas ou, na melhor das hipóteses, estão profundamente enganadas; constituem a maior parte dos votantes regulares e das pessoas com actividade política. Os vulcanos pensam científica e racionalmente sobre política, tentam activamente evitar ser tendenciosos e irracionais, mas como todos os indivíduos são pelo menos um pouco tendenciosos ninguém consegue ser um verdadeiro vulcano. A maior parte dos americanos é hobbit ou hooligan, ou encaixa-se algures entre uma coisa e a outra.”
Definido assim o eleitor típico, que não será só americano, e apoiado numa profusão de dados empíricos impressionantes, faz sentido que o autor o declare inapto para votar, num regime – a democracia – que considera meramente instrumental e não um fim em si mesmo. Daí que proponha, na linha socrático-platónica, a alternativa de uma epistocracia (governo dos sábios) mitigada, em que o regime democrático passaria a envolver também um conselho epistocrático, aberto a todos os cidadãos, mas constituído por membros sujeitos a exames rigorosos de competência, com poder de veto das leis ou decisões políticas tomadas pelos órgãos democráticos. Algo de parecido, embora de natureza democrática, com o poder de veto, ainda que não definitivo, do Presidente da República Portuguesa.
O autor coloca demasiadas fichas na questão da competência, desvalorizando, a meu ver, o simbolismo do princípio da igualdade essencial dos cidadãos e a função de ligador e de escape social que a democracia real, à mistura com a ideal, desempenha. De resto, como lembra João Pereira Coutinho, “a política não é uma ciência (os sábios também falham e, quando o assunto é política, falham ainda mais) e pessoas politicamente analfabetas podem saber, com lucidez, aquilo que desejam para as suas vidas, mesmo que desconheçam macroeconomia ou sistemas eleitorais.”
Não há dúvida, porém, que em Portugal a democracia está afunilada. O eleitorado continua a não ter nenhum poder de escolha (ou de recusa) dos seus representantes para o parlamento, apenas votando nos partidos cujos estados-maiores “cozinharam” as respectivas listas. Há já seis anos, Rui Tavares chamava a atenção “para um princípio, chamado de Clay Shirky, segundo o qual as instituições procuram preservar o problema para o qual deveriam ser a solução. Caso resolvesse o problema para o qual foi criada, a instituição X perderia a sua razão de existir; em consequência, no conflito entre resolver o problema e assegurar a sua própria manutenção, a instituição tende - a menos que seja forçada por outra via - para a segunda opção.” Com as devidas adaptações, este paradoxo assenta muito bem na partidocracia portuguesa.
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