António Mesquita
(101 Greatest Jewish Books, Darkness at Noon, Arthur Koestler)
"A vontade geral é realmente coercitiva; o seu poder não tem limites. Mas o castigo que imporá a quem lhe recusar a obediência não é mais que uma forma de 'o forçar a ser livre'. A deificação completa-se quando Rousseau, separando o soberano das suas próprias origens, chega a distinguir a vontade geral da vontade de todos. Isso pode ser deduzido logicamente das premissas de Rousseau. Se o homem é naturalmente bom, se nele a natureza se identifica com a razão, ele irá exprimir a excelência da razão, desde que se expresse livre e naturalmente. Ele não pode mais, portanto, voltar atrás na sua decisão, que paira de agora em diante acima dele. A vontade geral é em primeiro lugar a expressão da razão universal, que é categórica. Nasceu o novo Deus."
Auguste Comte quis ver aqui uma sucessão histórica, em que a 'idade teológica' teria sido substituída pela 'idade metafísica' para, mais tarde, se alcançar o 'positivismo' do seu tempo.
A liberdade, a Igualdade e a Fraternidade (a trilogia da Revolução Francesa) são princípios abstractos que emanam de uma Razão universal emancipada, mas tolhida por uma 'doença infantil' que 'justificou' a crença num progresso eterno da virtude e que redundou, já nos nossos tempos, numa sucessão de crimes sistemáticos, mas com as mais altas aspirações. O cinismo social que já era uma característica do período decadente do 'ancien régime' voltou a flagelar a sociedade saída dos partos revolucionários do século XX, mas sob o modo trágico (apesar do 'mot' de Marx sobre o regresso como farsa). A personagem de 'Dark at Noon', Rubashev, é um símbolo dessa tragédia da 'consciência infeliz' que tem, no final, de dar razão aos seus carrascos.
Comte não parece ter errado no essencial. A deusa da Razão, que ainda presidiu às comemorações no Champ de Mars, de 1793, não aguentou a investida dos 'naturalmente bons' que permaneceram cegos diante da sua face radiosa. Claro que isso nada provava contra a excelência do 'novo Deus'. Mas a ideia de que 'forçar alguém a ser livre' é, em última análise, um dever moral fez, entretanto, o seu caminho, ajudada pela força da lógica e da analogia.
Porque, se é um paradoxo alguém ser livre no momento em que é forçado a sê-lo, só um preconceito 'metafísico' nos impede de reconhecer que todos crescemos dessa maneira; começámos por ser crianças, isto é, fomos 'obrigados' a ser homens (e não meninos-selvagens). E que houve um tempo em que fomos 'filhos de Deus', o que representa melhor, talvez, o nosso verdadeiro ser e a nossa condição cósmica, em que a noção de liberdade não é 'metafísica' e só tem sentido dentro da esfera política. A verdade é que as credenciais teóricas importam pouco perante a fé que 'move montanhas'. Como dizia Mário Sacramento, 'diante do Bezerro de Oiro, todos somos homens de fé'.
Agora, na presente idade 'pós-positivista', e, cada vez menos política (pelo menos, no sentido antigo de cidadania, e porque todo o discurso se tornou redundante), é como se nem precisássemos de ser forçados: somos livres por definição para tomar decisões simuladas, isto é, que encaramos, superficialmente, como nos pertencendo.
"L'Homme Révolté" (Albert Camus)
A liberdade, a Igualdade e a Fraternidade (a trilogia da Revolução Francesa) são princípios abstractos que emanam de uma Razão universal emancipada, mas tolhida por uma 'doença infantil' que 'justificou' a crença num progresso eterno da virtude e que redundou, já nos nossos tempos, numa sucessão de crimes sistemáticos, mas com as mais altas aspirações. O cinismo social que já era uma característica do período decadente do 'ancien régime' voltou a flagelar a sociedade saída dos partos revolucionários do século XX, mas sob o modo trágico (apesar do 'mot' de Marx sobre o regresso como farsa). A personagem de 'Dark at Noon', Rubashev, é um símbolo dessa tragédia da 'consciência infeliz' que tem, no final, de dar razão aos seus carrascos.
Comte não parece ter errado no essencial. A deusa da Razão, que ainda presidiu às comemorações no Champ de Mars, de 1793, não aguentou a investida dos 'naturalmente bons' que permaneceram cegos diante da sua face radiosa. Claro que isso nada provava contra a excelência do 'novo Deus'. Mas a ideia de que 'forçar alguém a ser livre' é, em última análise, um dever moral fez, entretanto, o seu caminho, ajudada pela força da lógica e da analogia.
Porque, se é um paradoxo alguém ser livre no momento em que é forçado a sê-lo, só um preconceito 'metafísico' nos impede de reconhecer que todos crescemos dessa maneira; começámos por ser crianças, isto é, fomos 'obrigados' a ser homens (e não meninos-selvagens). E que houve um tempo em que fomos 'filhos de Deus', o que representa melhor, talvez, o nosso verdadeiro ser e a nossa condição cósmica, em que a noção de liberdade não é 'metafísica' e só tem sentido dentro da esfera política. A verdade é que as credenciais teóricas importam pouco perante a fé que 'move montanhas'. Como dizia Mário Sacramento, 'diante do Bezerro de Oiro, todos somos homens de fé'.
Agora, na presente idade 'pós-positivista', e, cada vez menos política (pelo menos, no sentido antigo de cidadania, e porque todo o discurso se tornou redundante), é como se nem precisássemos de ser forçados: somos livres por definição para tomar decisões simuladas, isto é, que encaramos, superficialmente, como nos pertencendo.
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