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01/09/15

SIR GEORGE (Parte 1: Nevoeiro)

Mário Faria


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Estava um dia de praia excelente. Até a temperatura da água do mar tinha subido e reclamava mais tempo para nadar e cortar as ondas que rolavam convidativas para o prazer da penetração. Algumas nuvens, ainda longe, não prometia coisa boa. Fugi a tempo: pude apanhar o último sopro de sol e subir a falésia para chegar a “casa” a tempo da hora do almoço, embora tivesse ainda de passar por um pinheiral denso e muito simpático nos dias em que a canícula apertava. Se junto ao mar as nuvens engrossavam a cada minuto, cá em cima juntaram-se com intensidade máxima e rapidamente formaram um denso nevoeiro que me apanhou a meio caminho. Não via a mais de dez metros e a morrinha finíssima que caía ajudava a compor o cenário fantasmagórico que me cercava. Caminhava sozinho pelo trilho e cautelosamente. Até a passarada se calou e fugiu para parte incerta. Ia nestas divagações, quando ouço um grito lancinante e, logo de seguida, um tiro a que reagi de forma automática. Fiquei meio encolhido uns momentos, bem desperto e não me apercebi de qualquer reacção humana ou movimento estranho. Regressei ao caminho e com a mesma rapidez que o nevoeiro caiu, levantou-se e o sol voltou a brilhar, embora muito mais timidamente. Não vi, até chegar ao destino, qualquer sinal suspeito, nem viva-alma. Falei com familiares e amigos e ninguém deu por nada. Desliguei e arquivei.  

No dia seguinte, a aldeia acordou em alvoroço. A notícia caiu que nem uma bomba e deixou todos atónitos. Sir. George tinha aparecido morto, presumivelmente perto do local que percorri no dia anterior. Tinha-se suicidado com uma arma de pequeno calibre e tinha deixado uma carta que comprovava e explicava o triste desenlace. O inglês era muito popular na zona. Tinha adquirido uma bruta casa na região há uns doze anos e por uma quantia avultada. Conhecia-o de vista: tinha o bom hábito de cumprimentar e ser simpático com todos com quem se cruzava. Não convivi com ele, para além desses gestos de cortesia. 

Circulavam rumores sobre ele, mas nada de muito excêntrico ou chocante. Veio para cá depois de reformado e no Algarve montou arraiais. Raramente se deslocou a Londres ou Folkestone, a sua terra natal. Tem um filho e uma filha que o visitam regularmente, mas sempre fora dos períodos de bulício. Era casado com uma portuguesa bem mais jovem do que ele e muito atraente. Diz-se que esteve na India em serviço e a morte da primeira mulher e mãe dos seus filhos era um tema tabu. Diplomata de carreira, correu o mundo: conservador carismático, simpático e um comunicador excepcional, são traços dominantes do seu perfil. Tinha um restrito número de amigos com quem ia à caça, jogava bridge e fazia hipismo; o seu desporto de eleição era o golfe que praticava sempre que podia. Tinha uma biblioteca cheia de títulos e era um colecionador de arte com peças bastante valiosas. A sua vida era calma e sem sobressaltos. A relação com a esposa era muito próxima e carinhosa. 

Se havia uma carta, não era conhecido o seu teor e se estava na posse da polícia. Não se sabia quem tinha descoberto o cadáver e se o conteúdo da carta não passou as paredes das autoridades policiais. Não se falava de outra coisa que não da morte de Sir George. No café que servia, predominantemente, os proprietários das grandes mansões, a língua mais falada era o inglês e deu para perceber que a comunidade local estava preocupada, pois nas diferentes mesas conversava-se num tom de confidencialidade. Saí e fui à polícia dar conta dos factos que tinham ocorrido no dia anterior e que poderiam estar ligados ao suicídio do antigo diplomata britânico.

Depois de ter dado conta ao que vinha ao agente de serviço, esperei uma eternidade para ser recebido pelo oficial que presumi ser o responsável local pelo inquérito. Dei-lhe conta dos acontecimentos que tinha testemunhado e que entendi relatar à polícia porque poderia ser matéria relevante para o processo. Tomou conta do meu depoimento e não notei qualquer reacção significativa no seu semblante. Nem houve pedidos de esclarecimento. Assinei o auto (?), agradeceu a minha disponibilidade e disse que não esperava ter de me pedir mais informação suplementar. Fiquei algo perplexo pelo desinteresse, mas muito aliviado.

Estava de saída, quando um homem opulento, apesar da idade, alto, gordo, cabelo grisalho mal panteado e vestido com o uniforme de caçador, quase me atropelava pela força da sua passada larga e brusca. Não caí porque o homem me segurou. Aquele tipo não me era estranho. Ele também pareceu conhecer-me. Quando me pediu desculpa – com uma voz inconfundível porque era estridente ao máximo e muito feminina – reconheci-o imediatamente. Tratava-se de um camarada alferes que fazia parte do meu batalhão e cuja missão em Angola tinha terminado em Fevereiro de 70. O “Banha” e Silva como lhe chamávamos, era um bom tipo, rico, afável, inteligente, licenciado e muito bem-disposto. Também me reconheceu: “carago, mal abriste a boca, com essa fala à tripeiro, topei logo que eras o puto reguila”. Depois dos cumprimentos e das abordagens da praxe desses momentos, perguntou-me se estava tudo bem e porque andava por ali. Expliquei-lhe sucintamente. Quis saber mais, mas recusei porque estava obrigado a sigilo em tudo o que dissesse respeito ao meu depoimento. Explicou-me que a polícia tinha pedido a sua presença e não sabia o que queriam. Pensava que era sobre a inesperada morte de Sir. George de quem era amigo. Pediu-me o número de telemóvel e avisou-me que queria falar muito comigo antes de regressar ao Porto. O mistério aumentou. Não me agradou nada estar nas bordas dum possível furacão, mas confesso que estava muito curioso.






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