António Mesquita
(Jean-Jacques Rousseau) |
"O ponto mais avançado de Rousseau era a doutrina de que o povo é infalível."
Lord Acton
Infalível, no sentido em que o papa é infalível. Rousseau disse-o muito antes da Igreja ter adoptado essa doutrina, mas com o exemplo do 'direito divino' do rei debaixo dos olhos. Sabemos que no 'Contrato Social' advoga um efeito de compensação das opiniões erradas pelo grande número, mas não podemos atribuir-lhe a intuição de um 'código universal' baseado na matemática.
Contudo, a infalibilidade do povo quando aproximada da ideia da soberania faz todo o sentido, e foi esse o caminho para o êxito político da filosofia de Jean-Jacques. Como soberano, de facto, o povo tem até o direito de errar, como aconteceu, por exemplo, quando os alemães deram o voto a Hitler.
Tal ideia é, contudo, ingénua. Porque a vontade do povo passa por uma série de mediações que transformam e deformam o sentido dessa vontade. A correspondência entre a 'opinião média', à Rousseau, e o resultado em termos de poder é tão indirecta quanto podia ser. Temos de utilizar o conceito de sistema para tentar perceber o que está em funcionamento aqui e como o voto afirma apenas uma soberania em 'efígie', a que é compatível com o sistema.
A BBC produziu, no ano passado, uma série para a televisão a que deu o nome de 'The Code' que sugere uma ligação dos grandes números à inteligência da natureza. Uma experiência impressionante é a da 'opinião média' de um grupo de 160 pessoas sobre o número de berlindes que contém um boião, apesar dos extremos, corresponder ao número real.
Mas na política haverá alguma coisa de comparável? A política é ainda mais 'caótica' do que a atmosfera. Não podemos esperar que o voto de milhões corresponda a alguma 'realidade'. Só podemos esperar que exprima melhor do que o indivíduo a ideia do interesse próprio desses milhões...
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