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O teu silêncio caminha pelas planícies cansadas da minha solidão e eu que te julgava adormecida nas paredes escondidas do tempo, sinto-te de novo rebentar como uma flor primaveril face aos primeiros raios de sol aquecido. Brotas, abres as folhas e enquanto olho espantado para o seu interior sinto esse chamamento atraindo-me com o peso esmagador de um rio carregado de pranto e o amor estala os muros desta montanha gelada em que me escondo e a minha boca ávida de água, sedenta de todos os líquidos da terra cobre de beijos longos e intensos a geografia do teu corpo jovem, imune ao deslizar dos séculos, sedutor, chamativo, elevando a voz com um apelo que quebra todas as minhas resistências e faz-me cair num remoinho profundo, sem fim, como se já não conseguisse voltar para encher de ar os pulmões cheios de tanta beleza e fico nessa ganância luxuosa de não te largar como se nada mais existisse e eu caminhasse em voo por cima dos passos passados e os teus braços me prendessem para que juntos sejamos apenas o tronco de uma árvore que cresce. Alguém me acorda deste sonho pesado, um barco sem piloto rompe as águas tempestuosas do lago, e o vento uiva assustador entre os cumes gelados. O silêncio regressa, leva-me daquela margem desconhecida e o meu corpo desamparado sente apenas as tuas mãos acariciadoras, o calor emanando das linhas que as atravessam como perfeitos fios invisíveis. É noite ou de manhã, já não sei. Agora caminho e das árvores descem abandonadas folhas que terminam um ciclo completo. Caem, estendem-se em cobertura e impedem que encontre a passagem. Sinto a sede a chegar, a secar a garganta e fico sem voz, o meu grito chamando por ti aparece como um eco dentro de mim, mas não se ouve nestas florestas que me rodeiam. Quero adormecer para voltar a encontrar o sonho, quero voltar a viajar, recomeçar de onde me levaram, sentir aquelas mãos, afagar os dedos como pontas de uma bússola que me guia e me conduz, me ensina a voar nas levadas da vida, procurar nos contornos da memória o incêndio que lavra nos meus olhos e me queima, ver aquele rosto nocturno onde jaz pousada uma luz que me ilumina, que abre rios de esperança, afastando névoas, me aperte os braços, se enrole neles e me sugue para o interior de grutas milenares em que tacteando nas paredes ocultas possa descobrir o percurso da água onde me deixarei cair até acordar nos delírios de um lago que és tu, para esconder os meus olhos entre as nuvens dos cabelos que como flores aladas me encobrem o olhar. Não quero perder-te, agarro-me aos ramos que saem de ti como sorrisos abertos e os meus braços encontram os teus num nó que se fecha, já não sou eu nem tu, agora somos e vamos. Os meus olhos estão parados em ti e as mãos deslizam sobre a pele do teu rosto, como que escultores tardios de uma beleza insuperável, mas insisto nessa descoberta como se a uma criança tivessem trazido o universo numa concha, os lábios abrem-se para amar, alguém retira o barco e deixa-nos na água fria e dura, abraçamo-nos ainda mais, fundimo-nos numa só peça, já nenhum de nós se salva sozinho, somos o conjunto único de uma quimera que vive para sempre. Eternidade? Sim, eterno é cada minuto teu só para mim.
Afonso Anes Penedo
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