01/01/15
2015
Mário Faria
Ano novo, vida nova. O povo tem sempre razão, por isso esta frase deve encerrar uma grande verdade. Que vida nova queremos em 2015? Vou aqui fazer um voto e um desejo: gostava de alterar alguns aspectos de base dos portugueses. Gostava que revíssemos a nossa autoestima marcada pelo pessimismo, que faz do fado canção nacional e do Benfica o clube do regime. Há um nevoeiro fino que nos cobre a alma, muito provavelmente anterior a D. Sebastião e que nos impede e ata. Somos cinzentos e olhamos com desconfiança o que se apresenta diferente desse registo. Sisudos como somos, duvidamos dos que são audazes e desafiam o modo atávico de olharmos para a vida. Há em cada um de nós um pouco de Velho do Restelo, de Vítor Gaspar e de Miguel Relvas. Alteremos pois, este destino, feito de seriedades e gravidades. Vamos aligeirar, vamos descontrair o gesto, desenrugar a testa, em nome do futuro. Vamos, enfim lutar por uma interrupção da austeridade a que os mercados nos sujeitam. Temos de olhar de frente para esta dominação do primeiro mundo que nos cerca e estrangula e ousemos discutir as inevitabilidades a que nos sujeitam para saciar o monstro da dívida que não pára de crescer e cujo custo se tornou insustentável. O que faz um cidadão aparentemente equilibrado ficar a assistir de forma complacente a este palavreado que nos empurra para baixo e insiste num projecto social do tipo Robin dos Bosques invertido? Não há quem ponha cobro a isto? Faço votos que os portugueses deem um empurrãozinho nas próximas eleições. Somos indispensáveis para mudar o estado das coisas. É esse o pequeno passo que faço votos seja dado.
ADRIANO MOREIRA
Manuel Joaquim
Um Homem que vai a caminho dos 93 anos de idade, que nasceu na aldeia de Grijó, em Macedo de Cavaleiros, que pelas circunstâncias da vida de seus pais emigrou para Lisboa quando ainda não tinha dois anos de vida, manteve sempre ao longo da sua vida os contactos com a sua terra e as suas gentes, cujos valores são uma constante na sua vida.
Os seus avós paternos foram moleiros que não chegou a conhecer. Tentou comprar o moinho onde trabalhavam mas não conseguiu.
O seu avô materno, Valentim Alves, foi das pessoas que certamente o mais marcou. Foi emigrante no Brasil, fugido pelas lutas republicanas, grande leitor e anticlerical. Mantém na sua biblioteca muitos dos livros que lhe pertenceram.
Filho de um polícia, estudou, formou-se em direito, arranjou emprego numa multinacional e o meio profissional e social que passou a frequentar levou-o a relacionar-se com pessoas influentes do regime fascista e a servir esse mesmo regime.
Professor universitário em diversas instituições nacionais e internacionais, foi Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina entre 1960 e 1961, Ministro do Ultramar entre 1961 e 1963, presidente do CDS entre 1986 e 1988, deputado à Assembleia da República entre 1979 e 1991 e Vice-Presidente da Assembleia da República entre 1991 e 1995. Quando foi ministro do Ultramar reabriu o campo de morte lenta, o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, para os presos dos movimentos de libertação das colónias portuguesas.
Em 2012 publicou um livro de memórias, “A Espuma do Tempo – Memórias do Tempo de Vésperas”, na Almedina, que já vai na 4º reimpressão. É um livro simplesmente extraordinário pela lucidez e coragem demonstradas por descrever factos ocorridos ao longo da sua vida política, importantes para um melhor conhecimento histórico do período fascista, das suas contradições e das lutas internas. A forma como se refere a algumas pessoas das muitas que refere, designadamente a Marcelo Caetano e a Mário Soares, naturalmente em patamares de análise muito diferentes, é demonstrativa da sua personalidade.
A obra abre com um texto, a que chama “Uma Simples Carta (Abril de 1974), dirigido a seus filhos, a quem transmite com uma grande sensibilidade e beleza pensamentos construídos ao longo da vida cheios de nostalgia mas também de ternura.
O Professor Doutor Adriano Moreira, não esquecendo a sua terra e as suas gentes, doou à Câmara Municipal de Bragança parte da sua biblioteca, cerca de 10 mil livros, condecorações, diplomas, títulos honoríficos, trajes académicos, esculturas africanas e objectos pessoais, estando todo este material em exposição e disponível para consulta no Centro Cultural de Bragança, Biblioteca Adriano Moreira, inaugurada em 17 de Julho de 2009.
BOCCONI BOYS
Mário Martins
Universidade Bocconi
O défice público do Clube Euro e da União Europeia tem descido constantemente nos últimos anos, tendo mesmo já atingido a meta política de não ultrapassar 3,0% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas enquanto o défice tem continuamente baixado, a dívida pública, também em relação com o PIB, tem insistentemente subido, situando-se, no primeiro semestre deste ano, nos 93% e 87%, respectivamente, distanciando-se assim, cada vez mais, do objectivo político dos 60%. Estes dois índices não deviam estar, simultaneamente, a acontecer. Teoricamente, se o défice baixa, a dívida também devia baixar. Se, porém, tivermos em conta, por um lado, o agravamento, nestes últimos anos, das taxas de juro dos empréstimos e, por outro lado, a queda continuada do PIB, factores para os quais, pelos vistos, não há metas políticas, então o que, teoricamente, é um contra-senso, está, na prática, a acontecer. O resultado são altas taxas de desemprego, as quais, em Outubro passado, eram de 11,5% na Zona Euro e 10,0% na União Europeia, que representam mais de 24 milhões de pessoas desempregadas, mas que nos jovens (menos de 25 anos) atingem níveis dramáticos, 23,5% e 21,6%, respectivamente, ou seja quase 5 milhões de jovens; desemprego que é acompanhado por um abaixamento do nível de vida da grande maioria da população e por um sentimento generalizado de insegurança.
O que está a acontecer aos conjuntos da Zona Euro e da União Europeia (baixa do défice público e do PIB; subida da dívida pública e altas taxas de desemprego), está igualmente a acontecer, para já não falar do país pequeno que é Portugal, a grandes países europeus como a França, Itália ou Espanha. E mesmo a líder Alemanha, que é o único país que, em 2013, em vez de défice teve um superavit (0,1%), e goza das mais baixas taxas de desemprego (5%, em geral e 7,6%, nos jovens), tem uma dívida pública (75%) ainda muito superior à meta dos 60%, e vê o crescimento do seu PIB sempre a baixar.
Contra este pano de fundo estatístico da realidade, digladiam-se duas escolas de pensamento económico, uma dita neo-liberal, representada por expoentes de instituições como a Universidade Bocconi de Milão, e outra dita keynesiana, representada por paladinos como o nobel Paul Krugman. Se eu entendo as diferenças, enquanto a primeira, que tem, até agora, pontificado na política europeia, defende que a austeridade do estado dá confiança ao mercado e aos agentes económicos, constituindo-se, deste modo, em instrumento de crescimento económico, a segunda sustenta que o investimento público, num período de crise, facilitará a retoma económica e que a austeridade deve ser praticada em tempo de prosperidade e não de crise. Ou seja, ambas as escolas estão de acordo quanto à necessidade da prática da austeridade, mas não quanto ao momento da sua aplicação.
Krugman salienta que o discurso moral da austeridade, que entendemos face aos excessos conhecidos, não pode ser aplicado sem ter em conta as leis próprias da economia.
O mínimo que se pode dizer é que a evolução dos indicadores da realidade europeia não tem dado, até agora, razão às teses dos “rapazes de Milão”.
CARTA AO SILÊNCIO
Azóia, 21 de Março de 1403
Estimado silêncio,
Envio esta carta desta aldeia afastada, desconhecendo quando o mensageiro a poderá entregar. Tantas vezes nos temos encontrado por aí, sem trocar uma palavra de saudação. Vejo-o, em diversas ocasiões, aqui pela povoação, percorrendo as ruas e invadindo as casas. Uma vez, ou outra, vem só, em outras ocasiões traz a solidão consigo, e ouço-os conversar, embora não compreenda as palavras que trocam, por silenciosas serem.
Talvez não me conheça, meu estimado silêncio, mas apresento-me para melhor entender a razão desta carta e poder um dia, quem sabe, dirigir-me uma palavrinha quando deambular aqui pelas ruas desta pequena aldeia, quase sobranceira ao mar.
O meu nome é Afonso Anes Penedo e fui tanoeiro em Lisboa, nas ruas do cais da Ribeira. Sabia do meu trabalho e os meus pares tinham grande consideração por mim. Era um mester respeitado enquanto vivi nas últimas décadas de Trezentos e o nosso trabalho era muito reclamado naqueles anos em que o comércio marítimo ganhava impulso, mas o reinado daquele D. Fernando e as suas guerras com Castela começaram a arruinar o país, ao mesmo tempo que os seus amores, nos entregavam nas mãos de D. João, o de Castela. Mas um dia, a morte deitou-o num caixão e levou-o de abalada, deixando o reino quase como um órfão.
Foi então, naquela sagrada manhã que os filhos segundos da nobreza e os bastardos empurraram o Mestre para cortar as asas ao Andeiro, nesse acto que foi o início do regenerar o sangue que circulava nas veias da nação. Álvaro Pais, correu a cidade gritando para que acudíssemos ao Mestre, prisioneiro no palácio, e nós fomos, aos magotes armados com o que tínhamos até que aquele que haveria de ser rei, assomou às janelas do paço e vimos que estava bem.
Este Afonso Anes que vos escreve ainda não tinha lugar na História, só nessa noite em S. Domingos, escrevi sem o desejar, as páginas a que Fernão Lopes deu ênfase, quando os burgueses da cidade com as suas hesitações iam pondo a perder aquela revolução que estava ainda no começo e com a mão na espada lhes fui dizendo de que lado preferiam morrer, e logo ali assinaram o seu apoio ao Mestre.
O que se seguiu depois, a História já contou, o cerco de Lisboa, a guerra com Castela e essa vitória assombrosa nos campos de Aljubarrota. Um país novo ressurgia das sombras da primeira dinastia. O Mestre, não esqueceria as promessas aos mesteirais, nem a minha palavra naquela noite, e quando fundou a Casa dos Vinte e Quatro, tornou-me seu presidente e nomeou-me Juiz do Povo.
Mas todos estes factos e acontecimentos, já o meu estimado silêncio conhece. O que venho aqui contar-lhe não ficou no registo da história porque não o contei a ninguém, apenas a minha alma conheceu esse segredo.
Foi na noite de S. Domingos, quando já todos dispersavam que a vi ao longe, quase a um canto, serena e com um desses sorrisos em que os lábios não chegam a descolar-se, enquanto o olhar, puro como as águas cristalinas da Primavera ao descerem das montanhas, olhavam-me como um chamamento. E fui, como sugado por aquele encanto de mulher. Deu-me a mão e levou-me como se toda a vida nos conhecêssemos. Assim percorremos as ruas de Lisboa, naqueles dias desvairados da revolução e do cerco. Quase não falava, exprimia-se pela ternura do sorriso e pela magia do olhar. Quantos dias e quantas noites nos levou o tempo, perdi-lhe a conta. Deixei de pensar, deixava-me ir. Era como se fosse uma parte da gesta revolucionária que então se vivia. Continuei tanoeiro, mas desde aquele seis de Dezembro, muitas coisas aconteceram na minha vida, mas o que mais recordo, é a sua presença, as suas chegadas silenciosas, o seu caminhar paralelo ao meu, no seu silêncio feiticeiro e sedutor.
Um dia, deixou de estar, partiu, com o mesmo silêncio que chegara. Partiu como um barco que deixa o cais, vagaroso, sem ruído, durante muito tempo ainda perceptível, para de seguida se dissolver na bruma do horizonte e não mais ser visível. Deixou-me esta recordação de dias inesquecíveis, no deslumbramento do inacreditável. Cumprida a minha obrigação para com a revolução e com a velhice a acenar-me, deixei a cidade e procurei refúgio nesta aldeia e nesta quase única casa de pedra. Da pequena janela voltada para oeste vejo o sol a tombar em magníficas explosões de avermelhadas cores e o estimado silêncio a emergir das águas oceânicas e a invadir a aldeia para essas conversas nocturnas com a solidão. Junto à porta, já deve ter reparado, cresce uma árvore florida. Foram as mãos daquele olhar que ma trouxeram e veio comigo de Lisboa e aqui resiste ao vento marítimo invernal. Naqueles dias tão vividos, falava-me de flores e ensinou-me os seus nomes. Esta é uma buganvília avermelhada e bela que com a chegada da Primavera floresce com esplendor. Um besteiro que veio para a guerra com Castela, disse-me que no Minho e no Douro, enchem as paredes pelo Verão fora. Não sei, que nunca cheguei tão longe, mas sei que o seu perfume cobre a minha alma isolada e só. À noite, quando o estimado silêncio chega, quando lhe sinto os passos, consigo escutar no seu caminhar, a música que ela me ensinou e deixou para sempre nos meus ouvidos. Essa música de graves e agudos, mas que nos embala entre sons cadenciados e com os quais consigo recordar a ternura daqueles dias em que acompanhava o meu viver na cidade, agora tão distante.
Pois aqui estou a escrever-lhe esta carta, desta aldeia para onde vim. Quando viajou, deixou-me o aroma dos jardins e os sons musicais com que embalo as tardes. O resto, a sua imagem, os sentimentos e os afectos que existiram, procura a memória nas planícies da minha alma.
Estimado silêncio, esta minha carta termina. Despeço-me e envio um abraço como esses que sentia com a sua chegada, com os braços a envolverem-me como a melodia de um canto longínquo.
Sempre ao dispor,
Afonso Anes Penedo.
HIERARQUIAS
António Mesquita
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"Há uma palavra que ressoa desagradavelmente numa época de 'direitos iguais para todos': é a hierarquia."
(Friedrich Nietzsche)
A desigualdade não tem, em princípio, nada a ver com a hierarquia. Os bónus milionários de alguns gestores ou os privilégios de alguns políticos só existem, porque, no fundo, só o dinheiro é respeitado.
Nesta altura do ano, Hollywood fez de novo Moisés atravessar o Mar Vermelho e descer do Monte Sinai a lava da sua cólera sobre os adoradores do Bezerro de Oiro. Se muitos desses se converteram, apesar de terem a 'cerviz dura', foi porque temeram o Deus ciumento: "Amarás a Deus sobre todas as coisas." Por muito mérito que tenha o filme, ninguém pode levar a sério o pretexto bíblico. Os produtores ficariam, de resto, desapontados e, de facto, teriam dado 'um tiro no pé' no seu negócio.
Há hierarquias de todos os tipos, eclesiástica, administrativa, militar, etc., mas na origem da palavra está o poder sagrado, ou seja, algo de flagrantemente caduco nos nossos tempos. Um hierarca moderno não tem nada de transcendente acima dele, é apenas um elo da organização.
Apesar desse carácter profano e quase técnico, a hierarquia moderna precisa de um valor qualquer que a institua. Assim chegamos ao dinheiro, o 'equivalente geral' no 'reino da mercadoria'.
Outra nota do filósofo do 'Zaratustra' sobre o problema da igualdade: "quando todos temos sede de distinção",(...) "pelo contrário, prescrevem-nos que apliquemos as mesmas exigências que fazemos a outrém. Isto é de uma tal estupidez, de uma tão visível loucura! Mas esta ideia é considerada como uma ideia superior, mal se apercebe nela a contradição racional." ("La volonté de puissance").
Mas a contradição só existe porque se confunde a 'diferença' de qualidades com a diferença dos direitos cívicos...
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