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01/08/12

UMA MENSAGEM E UMA FORMA DE DOR


Cristóvão Sá-Pimenta

jsilvarodrigues.blogspot.com




Fui às tuas palavras procurar o desespero.

Nada encontrei. E que bom. Parece, de facto, não valer a pena gastar energias amaldiçoando o tempo, as acções ou omissões que já foram.

A urgência manda as nossas reacções. Reacções de desconforto, de revolta, também de incapacidade para lutar contra o que parece irremediável.

Horrorizo-me ao ver e recordar as suas peles caídas e não poder contrariar a visão de um corpo em decadência. Temos a mania que somos fortes. Senti-me traído pela emoção quando testemunhei o vosso forte abraço  que infelizmente não era só a manifestação da felicidade do reencontro. Senti nele a urgência de um tempo que se quer recuperar, esquecendo pecados antigos. Vindo ao de cima afectos que nos ficam sempre em reserva.

Já não me aborrece a lentidão do seu discurso. A minha paciência alargou-se bastante e muito me agradou ouvir a sua voz. Prolonga-nos a memória de tempos e vivências que estão lá atrás. Contive-me na ajuda para que concluísse o seu relato e palavras. Palavras que se perdiam no espaço procurando razão para muito ainda viver. Viver que parece não ter consciência, ou não querer ter, que o fim poderá estar perto. Estranhamente senti estar a fazer um último passeio. Comi-lhe as palavras.

Fui conduzido ao meu pai quando alegremente me confessava o seu contentamento em levá-lo até aos Pilotos ou Palmeiras, como gostava de dizer. Lembrou as horas aí passadas de cana na mão, entretido com a vida dos peixinhos … para lhes dar fim. Nesse dia, em  princípio de noite quente de fim de Verão, queixava-se da falta de ar e de quanto o bicho o minava. E a impotência a apoderar-se de mim. E mais uma voltinha de carro, com os vidros abertos, para ele sentir a brisa da noite a tomar-lhe o lugar do que lhe anunciava o mau presságio. Eu a saber e o desespero a crescer.   

De formas diferentes temos já no nosso corpo as marcas inexoráveis de alguma decadência. Assustei-me ontem quando, só comigo, verbalizaste e adivinhaste o seu rápido fim de linha. Custa-me acreditar. Apesar de tudo, se urgentemente  for para a casa dos horrores,  acredito que o teremos por muito mais  tempo. Mas, confesso, fraco consolo este tão impregnado de ausência de convicção.  E a razão dita-nos estas incongruências.

Sinto termos vivenciado ontem a mais profunda expressão de solidariedade, mas também a confissão da nossa incapacidade. Também de fragilidade.

Hoje já lhe falei. Disse-me ter chegado estourado a casa. Sentou-se e adormeceu logo. Queixa-se somente da constipação… anda fanhoso. De dores…pouco me fala. Só das cólicas. Ontem, durante o tempo que esteve connosco, não lhe vi nem adivinhei um esgar de dor. Casmurrice, afirmação de uma força bruta, mesmo animal que sempre lhe conhecemos. Mas também sempre um menino grande. 

Acho, cada vez mais, que só temos e devemos falar de Vida. E do seu oposto não. Sabemos ser uma consequência da sua existência. Tolhe-nos e ficamos “fodidinhos” é com a f.d.p. da doença. E quedamo-nos encolhidos à procura do ninho de quem nos conforte e acolha.

E ontem foi mais um dia  “…do resto das nossa vidas”. Por sinal bem lixado. Mas, também, apesar de tudo um dia a não esquecer, pelas razões que quisermos inventar, principalmente daquelas que nos dão conforto, contentamento e alegria. É pela recordação do melhor que está lá para trás que temos de preservar a memória. Tudo o resto nada vale. 

Tinha de partilhar contigo isto.

Um forte abraço.

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