Cristóvão Sá-Pimenta
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Fui às tuas palavras
procurar o desespero.
Nada encontrei. E que
bom. Parece, de facto, não valer a pena gastar energias amaldiçoando o tempo,
as acções ou omissões que já foram.
A urgência manda as
nossas reacções. Reacções de desconforto, de revolta, também de incapacidade
para lutar contra o que parece irremediável.
Horrorizo-me ao ver e
recordar as suas peles caídas e não poder contrariar a visão de um corpo em
decadência. Temos a mania que somos fortes. Senti-me traído pela emoção quando
testemunhei o vosso forte abraço que infelizmente não era só a
manifestação da felicidade do reencontro. Senti nele a urgência de um tempo que
se quer recuperar, esquecendo pecados antigos. Vindo ao de cima afectos que nos
ficam sempre em reserva.
Já não me aborrece a
lentidão do seu discurso. A minha paciência alargou-se bastante e muito me
agradou ouvir a sua voz. Prolonga-nos a memória de tempos e vivências que estão
lá atrás. Contive-me na ajuda para que concluísse o seu relato e palavras.
Palavras que se perdiam no espaço procurando razão para muito ainda viver.
Viver que parece não ter consciência, ou não querer ter, que o fim poderá estar
perto. Estranhamente senti estar a fazer um último passeio. Comi-lhe as palavras.
Fui conduzido ao meu
pai quando alegremente me confessava o seu contentamento em levá-lo até aos
Pilotos ou Palmeiras, como gostava de dizer. Lembrou as horas aí passadas de
cana na mão, entretido com a vida dos peixinhos … para lhes dar fim. Nesse dia,
em princípio de noite quente de fim de Verão, queixava-se da falta de ar
e de quanto o bicho o minava. E a impotência a apoderar-se de mim. E mais uma
voltinha de carro, com os vidros abertos, para ele sentir a brisa da noite a
tomar-lhe o lugar do que lhe anunciava o mau presságio. Eu a saber e o
desespero a crescer.
De formas diferentes
temos já no nosso corpo as marcas inexoráveis de alguma decadência. Assustei-me
ontem quando, só comigo, verbalizaste e adivinhaste o seu rápido fim de linha. Custa-me
acreditar. Apesar de tudo, se urgentemente for para a casa dos horrores,
acredito que o teremos por muito mais tempo. Mas, confesso, fraco
consolo este tão impregnado de ausência de convicção. E a razão dita-nos
estas incongruências.
Sinto termos
vivenciado ontem a mais profunda expressão de solidariedade, mas também a
confissão da nossa incapacidade. Também de fragilidade.
Hoje já lhe falei.
Disse-me ter chegado estourado a casa. Sentou-se e adormeceu logo. Queixa-se
somente da constipação… anda fanhoso. De dores…pouco me fala. Só das cólicas.
Ontem, durante o tempo que esteve connosco, não lhe vi nem adivinhei um esgar
de dor. Casmurrice, afirmação de uma força bruta, mesmo animal que sempre lhe
conhecemos. Mas também sempre um menino grande.
Acho, cada vez mais,
que só temos e devemos falar de Vida. E do seu oposto não. Sabemos ser uma
consequência da sua existência. Tolhe-nos e ficamos “fodidinhos” é com a f.d.p.
da doença. E quedamo-nos encolhidos à procura do ninho de quem nos conforte e acolha.
E ontem foi mais um
dia “…do resto das nossa vidas”. Por sinal bem lixado. Mas, também,
apesar de tudo um dia a não esquecer, pelas razões que quisermos inventar,
principalmente daquelas que nos dão conforto, contentamento e alegria. É pela
recordação do melhor que está lá para trás que temos de preservar a memória.
Tudo o resto nada vale.
Tinha de partilhar
contigo isto.
Um forte abraço.
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