Mário Faria
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Fiquei muito chocado
por ter ouvido um professor universitário desta cidade, integrado num painel
que discutia o comportamento do governo durante o primeiro ano do seu exercício,
a dizer que “… se os salários e pensões representam
cerca de 77% da despesa pública, então reduzir a despesa tem de passar
obrigatoriamente pelo corte, designadamente dos subsídios de Férias e de Natal
dos funcionários públicos e dos pensionistas…”. Não fiquei nada surpreendido com a defesa da norma, fiquei, sim,
muito chocado pela forma : um discurso duro,
categórico cheio de prazer pela ausência de complacência. Uma espécie de
Dexter, feito serial killer da palavra, para se vingar dos crimes que os improdutivos
e os inactivos representam para o sistema.
Apesar do tribunal
constitucional ter chumbado a lei, vamos ter em 2013 mais impostos, desemprego
e recessão. Desde 2002 que vivemos sob o jugo do pacto de estabilidade. Já na
altura o tema foi objecto de intensa discussão. Hoje, poderemos perceber melhor,
a justeza de algumas intervenções que defendiam que há vida para além da
austeridade.
1) “…A Europa vive sobressaltada pelo fantasma do
Pacto de Estabilidade, qual camisa de forças que neutraliza todo e qualquer
esforço de revitalização económica....Será um erro centrar os esforços de uma
governação no equilíbrio das contas públicas enquanto a economia definha a
olhos vistos, as empresas despedem e reduzem custos até ao limite e as pessoas
contam os tostões....” (Eduardo Silva Melo, Diário Económico, Julho de
2002)
2) ”…Os mercados não funcionam tão
perfeitamente como afirmam os modelos simplistas baseados nos postulados da
concorrência perfeita…. hoje a mundialização não funciona. Não funciona para os pobres do mundo. Não
funciona para o meio ambiente. Não funciona para a estabilidade da economia
mundial…” (Joseph
E.Stiglitz , Prémio Novel da
Economia, Público, Abril de 2002).
3) ” ....As dívidas ao fisco representam em
Portugal 10 por cento do PIB. Curioso número, tendo em conta que o défice
orçamental de 2001, na sua leitura mais desvantajosa, anda pelos 4 por cento. Quer
isto dizer que não seria necessário que tantos apertassem o cinto. Bastaria que
alguns pagassem o que devem.....” (Paulo Guerra, O Diário Económico,
Julho de 2002)
4) “… O pacto de estabilidade é um instrumento
de governação económico grosseiro e deverá ser substituído, no momento
oportuno, por qualquer coisa de mais inteligente. ….” (Pascal Lamy ,Comissário Europeu para o
Comércio, Público, Outubro 2002)
5) “...Esta derrapagem espectacular das
finanças públicas não constitui por isso um erro de política económica, pois
ela está paradoxalmente justificada pela gravidade da situação económica
mundial ocultada por hipóteses de crescimento irrealistas, pois uma política orçamental
de regresso ao equilíbrio, pelos seus efeitos deflacionistas, seria totalmente
contraprodutiva, incluindo no plano das finanças públicas, porque destruirá
mais receitas fiscais do que reduzirá as despesas ….” (N.Baverez, economista, Público, Outubro 2002)
6) …Sem rodeios, a verdade nua e crua é só uma
: o Governo não tem ao seu dispor instrumentos eficazes, aquelas armas
clássicas da política económica para reverter uma situação recessiva. Estamos
absolutamente à mercê da conjuntura internacional, quando a crise internacional
parece ser mais sistémica e menos conjuntural..... ”, (Sérgio Figueiredo, Público,
Agosto de 2002)
A dívida pública
atingiu 111,71% do PIB. Não há receitas milagrosas. E há saída para a crise?
Valente Leite, economista e ex-deputado do PS, defende que:
Só há uma solução
para a crise: a reestruturação da dívida;
A introdução do
escudo (com o euro) daria ao Governo um instrumento para poder ter défices;
Seria criada uma nova
aplicação para as poupanças dos portugueses, que lhes garanta a remuneração em
euros e uma actualização do valor poupado;
A moeda usada a nível
interno seria o Escudo, não convertível externamente, e em que um escudo seria
igual a um euro, só para transacções internas.
Uma Europa a duas
velocidades, um país com duas moedas. Que mais nos acontecerá? Estamos reféns
da Europa que continua a navegar sem destino e, quando assim acontece, nenhum
vento é favorável.
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