Mário Martins
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Se
é verdade que não há democracia sem partidos políticos livres, tal permite
concluir que se há partidos políticos livres logo há democracia?
Julgo
que se pode dizer que em Portugal, desde o 25 de Abril, a democracia nunca foi
tão formal e que a política nunca desceu tão baixo.
Desde
logo, o povo, tecnicamente chamado eleitorado, não elege deputados que o
representem mas realmente os chefes partidários da sua preferência. Estes, a
seguir, mandam na maioria dos deputados que antes haviam escolhido e aqueles
que tiverem arrecadado a maioria de votos constituem o governo a seu
bel-prazer.
Depois,
os partidos a quem o eleitorado vem atribuindo (por manipulação e contra o seu
interesse, na visão da oposição de esquerda) sistematicamente a maioria de
votos, apropriadamente chamados de “bloco central dos interesses”, sentam-se “à
mesa do orçamento” a distribuírem benesses pelos correligionários e, pior do
que isso, aprisionaram o Estado nas malhas dos interesses privados e
corporativos.
Tradicionalmente,
o alvo privilegiado da crítica e do protesto políticos é o governo, mas os
supostos representantes do povo estão na Assembleia da República. É lá que se arquitecta
ou, pelo menos, se aprova a estrutura e funcionamento do estado, o estatuto do
deputado, que se suporta ou não o governo, que se vigia ou não os actos
governativos, que se fazem ou não boas leis. Este último aspecto, o da lei,
sendo crucial num estado que se pretende de direito democrático, tem sido,
infelizmente, o palco onde se urde a teia em que o interesse particular
prevalece sobre o público e se articula a justiça especial para ricos e
poderosos.
A
má fama e o desprezo de que goza a classe política que há muitos anos se
instalou no poder (mas para a qual, pelo visto, o eleitorado não reconheceu ainda
alternativa) são, para além das honrosas excepções, inteiramente merecidos, o
que não quer dizer que a maioria dos políticos não seja séria, apenas que a profissionalização
da política, a família e as contas mensais para pagar explicam a obediência a
uma minoria venal, “chico-esperta” e desrespeitadora da coisa pública.
Eu
não sei qual é a saída política para este estado de coisas (para além de achar que
tal passará por uma intervenção crescente de movimentos cívicos
extra-partidários e por uma opinião pública mais exigente), mas talvez fosse
útil começar por considerar uma armadilha semântica a afirmação corrente de que
vivemos em democracia política ou num estado de direito democrático. Se os
partidos do “arco governativo” detêm, de facto, todo o poder político (actualmente,
o que sobra do regime de tutela dos credores estrangeiros), então vivemos, como
alguns comentadores já vêm reconhecendo, numa partidocracia. Esta clarificação
semântica teria a virtude de abrir caminho para novos projectos ou ajustes
democráticos.
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