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01/08/12

ARMADILHA SEMÂNTICA

 Mário Martins

siliconangle.com


Se é verdade que não há democracia sem partidos políticos livres, tal permite concluir que se há partidos políticos livres logo há democracia?

Julgo que se pode dizer que em Portugal, desde o 25 de Abril, a democracia nunca foi tão formal e que a política nunca desceu tão baixo.

Desde logo, o povo, tecnicamente chamado eleitorado, não elege deputados que o representem mas realmente os chefes partidários da sua preferência. Estes, a seguir, mandam na maioria dos deputados que antes haviam escolhido e aqueles que tiverem arrecadado a maioria de votos constituem o governo a seu bel-prazer.

Depois, os partidos a quem o eleitorado vem atribuindo (por manipulação e contra o seu interesse, na visão da oposição de esquerda) sistematicamente a maioria de votos, apropriadamente chamados de “bloco central dos interesses”, sentam-se “à mesa do orçamento” a distribuírem benesses pelos correligionários e, pior do que isso, aprisionaram o Estado nas malhas dos interesses privados e corporativos.

Tradicionalmente, o alvo privilegiado da crítica e do protesto políticos é o governo, mas os supostos representantes do povo estão na Assembleia da República. É lá que se arquitecta ou, pelo menos, se aprova a estrutura e funcionamento do estado, o estatuto do deputado, que se suporta ou não o governo, que se vigia ou não os actos governativos, que se fazem ou não boas leis. Este último aspecto, o da lei, sendo crucial num estado que se pretende de direito democrático, tem sido, infelizmente, o palco onde se urde a teia em que o interesse particular prevalece sobre o público e se articula a justiça especial para ricos e poderosos.

A má fama e o desprezo de que goza a classe política que há muitos anos se instalou no poder (mas para a qual, pelo visto, o eleitorado não reconheceu ainda alternativa) são, para além das honrosas excepções, inteiramente merecidos, o que não quer dizer que a maioria dos políticos não seja séria, apenas que a profissionalização da política, a família e as contas mensais para pagar explicam a obediência a uma minoria venal, “chico-esperta” e desrespeitadora da coisa pública.

Eu não sei qual é a saída política para este estado de coisas (para além de achar que tal passará por uma intervenção crescente de movimentos cívicos extra-partidários e por uma opinião pública mais exigente), mas talvez fosse útil começar por considerar uma armadilha semântica a afirmação corrente de que vivemos em democracia política ou num estado de direito democrático. Se os partidos do “arco governativo” detêm, de facto, todo o poder político (actualmente, o que sobra do regime de tutela dos credores estrangeiros), então vivemos, como alguns comentadores já vêm reconhecendo, numa partidocracia. Esta clarificação semântica teria a virtude de abrir caminho para novos projectos ou ajustes democráticos.    

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