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Num contexto de profunda crise do capitalismo global e do seu programa de financeirização e de mercantilização de toda a vida humana, cuja representação política cabe prioritariamente aos partidos de direita, é confrangedor que um governo socialista se limite a gerir a crise para se perpetuar no governo com um projecto muito polémico de reformas, enquanto o PCP e o Bloco se limitam a tentar derrubar o Governo ou na versão mais modesta retirar-lhe a maioria absoluta, sem atacar o modelo e os malefícios do sistema capitalista. A crítica que subscrevem não se distingue da que fazem os outros partidos do espectro parlamentar. Na sua sanha contra o governo, esquecem o principal, a meu ver. E isso é preocupante porque é um sinal de pouca crença na doutrina que lhes é própria, como se a crítica ao capitalismo que são capazes de expressar tivesse que seguir exclusivamente o guião que o sistema consente e que a agenda mediática e a luta eleitoral tão bem representam.
“ A afirmação da independência do poder político e a defesa do papel do Estado para corrigir falhas do mercado, arbitrar conflitos e agir em prol da coesão são insuficientes para distinguir o projecto socialista dos demais. O capitalismo do passado concentrava os trabalhadores e favorecia a consciência de classe. O actual fragmenta. Há formas de representação e organização que caducaram. Como dar sentido político e unificar politicamente o que está disperso ? “. Manuel Alegre nesta sua declaração identifica parte do problema, mas não elenca qualquer alternativa, e sempre se ficou pelo anúncio que nada mais resta à esquerda que resistir. Provavelmente será ?
A resistência e o direito à indignação cívica são importantes mas não são alternativa. Não raramente, essa resistência é dispersa e rotineira e, por isso, não incomoda o bastante e denuncia fragilidade, se mantiver esse registo até à saturação. Tem um efeito de erosão sobre o governo, mas com esse mal podem bem as classes dominantes, os grandes empresários e correlativos. Os seus interesses são sempre melhor representados pelos partidos de direita.
A ética está de rastos, dizem uns. Outros denunciam que os empresários criaram sentido de impunidade. Os restantes consideram que as elites são fraquinhas, os sem vergonha falam que é preciso apoiar as micro empresas e quando estiveram no governo divertiram-se a brincar à batalha naval e a gastar uma pipa de massa em submarinos para defesa da nossa plataforma marítima. Mas não há culpados, apenas inocentes, salvo o Governo da Nação, os partidos e os políticos.
É impossível não sentir como a comunicação social vive um desses momentos em que à repulsa por aquilo que relata se sobrepõe o gozo pelo trabalho que realiza : o orgulho de serem os primeiros a dizer os nomes, de possuírem as listas dos culpados e de influenciarem (da pior forma) a agenda política. Os partidos não se cuidaram e tornaram-se reféns dessa agenda.
Num sistema que funciona segundo a lei do mais forte, do mais maligno, os perversos são reis. Quando o sucesso é o principal valor, a honestidade parece fraqueza e a perversidade toma um ar de desembaraço. Quando a crise se instala, essa gente que dita as regras e é a principal responsável, continua a insistir que a culpa é sempre dos mesmos : dos trabalhadores que ousam querer defender o direito trabalho que é a única riqueza que possuem.
A visão do mundo estritamente empresarial que esquece as pessoas e a sua dignidade perante o trabalho, só poderá induzir, indesejavelmente, à radicalidade e à conflitualidade social. A situação convoca todos os que à esquerda acreditam e lutam por uma sociedade mais justa. E a justiça social não é a igualdade, é favorecer o mais desfavorecido. Tenho a certeza que a esquerda está de acordo nos princípios, mas desentende-se na acção. Tem sido essa a realidade dos últimos 35 anos. Não creio que vá ser diferente no futuro próximo e a UE também funciona assim.
Estou pessimista : não confio na direita, o capitalismo anda perto do abismo e o socialismo ainda não recuperou da queda do muro. O socialismo, dito democrático, é um equívoco e não se nota porque normalmente jaz no fundo de uma qualquer gaveta cheia de teias de aranha. Vem aí as eleições e acho que vão haver mudanças para pior. Resta esperar e resistir, que é o que temos à mão.
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