João Abel Manta
Quem viveu a luta política contra a ditadura e o naturalmente efémero período revolucionário corre, realmente, o risco de se aborrecer com a rotina democrática.
A diferença essencial reside no facto de no anti-fascismo e no prec (processo revolucionário em curso) o combate político ter sido alimentado pelo ideal da instauração de uma sociedade livre e justa, fosse ele opostamente corporizado pela social-democracia europeia ou pelo socialismo euro-asiático. A política era, então, em grande medida, um teatro de amadores e Portugal era pensado como um país.
O ocaso do socialismo e o sequente assalto do neo-liberalismo americano à social-democracia europeia, a vulgarização da comunicação on-line e a massificação dos transportes que permitiram montar a aldeia global, a explosão económica da Ásia, a entrada de Portugal na CEE, a profissionalização e mediatização da política, puseram, entretanto, tudo em pantanas. Hoje, não há, de facto, modelos referenciais concretos, a crise mundial não é só financeiro-económica mas também ideológica e Portugal, membro da União Europeia, é, tendencialmente, mais um estado do que um país.
De tudo isso ficou essa coisa pensada pelos gregos antigos que dá pelo nome de democracia. É conhecida a relação desconfiada e popular dos portugueses com o estado, a política e os partidos: “são todos iguais; o que eles querem é tacho”. Daí a pensar-se que a democracia se resume ao voto de quatro em quatro anos vai um passo, mas eu colocaria, sem o menosprezar, o voto popular no fim da lista.
O que me parece mais importante na democracia é o exercício dos princípios de liberdade política, intelectual e artística, de igualdade perante a lei, de não discriminação sexual, de separação de poderes no estado e entre estado e religião, de subordinação da força militar e policial ao poder político, de limitação temporal dos mandatos a todos os níveis. É a aplicação prática destes princípios que dá conteúdo e dignidade ao voto universal, directo e secreto e que permite, por outro lado, que esse combate sem fim contra a injustiça social se faça num quadro geralmente pacífico.
Se a democracia, sem a liberdade de associação e de criação de partidos políticos, é uma farsa, não é difícil reconhecer que os partidos, em Portugal, têm desenvolvido a sua actividade praticamente em “roda livre”, aumentando incessantemente o seu descrédito na opinião pública, uns por exercerem os poderes legislativo e executivo sem respeito pela coisa pública e pelos programas eleitorais e outros por não descolarem do discurso, tantas vezes demagógico e irresponsável, de partidos de oposição. É, por isso, uma boa notícia a decisão de Manuel Alegre de não constituir um novo partido (o qual, como é costume afirmar nessas ocasiões, seria um partido diferente dos outros…) dando, assim, a mensagem da necessidade de maior exigência cívica aos partidos existentes.
Sendo a política, modernamente, uma profissão, não é justo “proibir-se” que um político, como qualquer outro profissional, pense na sua carreira ou no fim-de-semana que tarda a chegar. Mas isso não significa que se devam perdoar, ao arrepio da prática normal nas profissões mais comuns, os actos de puro esbanjamento ou de aproveitamento pessoal ou partidário numa profissão cujo objecto é a causa pública.
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