O voo seria pacato se a monotonia dos motores do il-62 não fosse perturbada sobre os Cárpatos com a notícia de que o arcebispo Macários fora derrubado e que os turcos tinham invadido a ilha. Novo êxodo entre turcos e gregos, mais mortos, mais violência somada à história. Ainda não se tinham enchido os cemitérios com o massacre perpetrado por esse estrume que deu pelo nome de Augusto Pinochet e tudo recomeçava. Somoza, El Tachito, ainda semearia por longos anos a sua tragédia de terror sobre a Nicarágua, a Guatemala continuava a ser um território de valas comuns e em El Salvador, um bando de latifundiários fazia do território um antro de tortura medieval. A sul, a Colômbia prosseguia a sua guerra de cem anos contra a sua própria população e mais para sul ainda, os militares, argentinos, brasileiros, uruguaios e bolivianos transformavam a vida dos povos em regime de caserna e de ambiente zoológico. Pelas ruas, nas penitenciárias, em espaços inóspitos ou no mar para pasto dos tubarões, eram lançados os descontentes, os irreverentes, os rebeldes, os que amavam e escutavam sons que agitavam as veias da liberdade. Por sobre todas estas tragédias, tutelando o mando o governo, sempre democrático, dos Estados Unidos que pedagogicamente instalava no Panamá, uma escola… de tortura naturalmente. No Vietname o drama de 30 anos chegava ao fim com o país devastado e 3 milhões de mortos para enterrar. Pelo Médio Oriente, os judeus inventavam os seus holocaustos sobre os palestinos, arrastando esse teatro religioso que prossegue nos nossos dias, impune, vergonhosamente impune. Timor, chegaria em breve e longe estava ainda a monstruosidade que se havia de abater sobre as terras do Tigre e do Eufrates. 100 mil, 500 mil, 1 milhão de mortos? Que holocausto este dos nossos tempos em que um povo é incinerado na chacina das bombas democráticas e nem conseguimos contá-los, como se fosse sequer importante discutirmos a diferença entre as cifras. Também não era possível adivinhar que esse homúnculo que dá pelo nome de Javier Solana haveria de baixar o braço para que os aviões da democrática NATO arrasassem o que restava da Jugoslávia e deixassem mais 5000 mortos sem culpados. O Ruanda chegaria também com esse cortejo de 1 milhão de mortos. Pelo caminho tinham ficado as independências de África com a Argélia a encabeçar essa lista onde se acumulam seres humanos tragados na tragédia de violência de poder ou poderes insaciáveis. Duas guerras mundiais num só século e mais 80 milhões de mortos, em nome de nada, de razão nenhuma a não ser uma desigualdade social que carrega a hipocrisia dos que mandam, a sua sofreguidão que conduz até ao extremo da morte, da violência e da tortura os seres humanos que possam ter esse desejo de viver, com os elementos essenciais que carrega a vida. Verdadeiramente a minha alma deixei-a com os últimos soldados revolucionários que defenderam Jalalabad. Após isso, o Afeganistão mergulhou numa escuridão imensa e mais uma vez esses democratíssimos senhores dos Estados Unidos, aplaudiram quando o último presidente dessa gesta que tentou trazer essa nação milenária da Idade Média até aos nossos dias foi arrastado da sede da Unesco, enforcado nas ruas de Cabul com os testículos na boca. Tudo está bem quando os democráticos interesses dos Estados Unidos saem protegidos. Reconheço o meu cansaço perante tanta democracia que tem por missão matar, devastar, carregar a humanidade de uma humilhação que a prostre perante os interesses de uma minoria que não passa de uma casta inqualificável, desordeira e que instalou um sistema de ladroagem que deixa a sociedade humana arrasada e exangue.
Os sons chegam lentos como que brotando daquelas pedras centenárias. Sente-se o estremecimento do granito no interior daquela abóbada amarelada. Ganham asas e voam, planam naquele espaço de descanso e de repouso. Não chegam a perturbar a tranquilidade daquele fim de tarde, antes pelo contrário, esvoaçam como uma leve carícia sobre o pensamento humano, sobre o desejo dos homens de voar para o infinito em sonhos de alegria. O interior do mosteiro de Rates acolhe-nos nesses isolamentos que nos conduzem até essa música nascida nos mosteiros medievais e que louvava a Deus em madrugadas de dias em que o sol fazia renascer a alma. Agora voa como um pássaro de asas largas e arrebata-nos para esse êxtase de acalmia, fazendo-nos esquecer essa tragédia humana que a história nos relata, o presente nos mostra e o futuro promete não acabar. Aceito o refúgio dessa harmonia, entre a melodia e a reflexão, espreito pelas frinchas românicas, deixo que o olhar se perca no contorno das ogivas que levantam arcos sobre a vontade dos Homens e lhes recordam a perenidade dos tempos. No exterior, o crepúsculo parece aproximar-se do sossego daquele vale verde e extenso, protegido do vento pela serra. Tudo parece calmo e a brisa que sopra sobre as coisas e sobre os Homens parece ser apenas um momento refrescante e apaziguador. Deixo o olhar perder-se no horizonte, nesse sol que desce lento sobre o oceano e chego a interrogar-me, será que a esperança ainda não morreu?
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