Com este título foi recentemente editado entre nós 1 um livro com mais de um milhão de exemplares vendidos. O título inglês, menos comercial, The God Delusion 2 identifica-se melhor com a crítica racional da fé religiosa que nele se faz e com o objectivo declarado pelo seu autor, o cientista da evolução da vida e professor catedrático de Oxford, Richard Dawkins: tornar os crentes ateus!
Dawkins faz uma crítica devastadora da ausência de provas ou factos em que assenta a fé religiosa, da intolerância das religiões e do perigo que representam, do seu carácter dogmático, da sua pretensão de serem as fontes da moralidade, do respeito desproporcionado e imerecido de que gozam e a que aspiram. E defende que a hipótese da existência ou não existência de Deus é uma questão científica, que “é quase certo que Deus não existe” e que o ateísmo é a única atitude sustentável.
Em apoio das suas teses, Dawkins cita, entre outros, o saudoso astrónomo, professor e divulgador de ciência Carl Sagan e esse ícone da ciência que é Albert Einstein. No entanto, pelo que conheço, parece-me que o mínimo que se pode dizer é que ambos fizeram abordagens diferentes ao tema:
“Aqueles que levantam questões acerca da hipótese de Deus e da hipótese da alma não são todos ateus - de modo algum. Um ateu é alguém que tem a certeza de que Deus não existe, alguém que possui provas irrefutáveis que contrariam a existência de Deus. Não tenho, quanto a isto, conhecimento de quaisquer provas irrefutáveis. Porque Deus pode ser relegado para tempos e lugares remotos e para causas últimas, teríamos que saber muito mais acerca do universo do que sabemos hoje em dia para ter a certeza de que Deus não existe. Estar certo da existência de Deus e estar certo da inexistência de Deus parecem-me ser os dois extremos pouco sensatos numa matéria tão assolada por dúvidas e incertezas que só pode inspirar, de facto, muita desconfiança. Um vasto leque de possibilidades intermédias parece admissível. Tendo em consideração a tremenda energia emocional investida no assunto, uma mente aberta, corajosa e indagadora é, assim, o meio, a ferramenta essencial para diminuir a extensão da nossa ignorância colectiva acerca da questão da existência de Deus.” 3
“A ciência sem a religião é coxa, a religião sem a ciência é cega.” 4
A Desilusão de Deus é, decerto, um livro provocante, quer no conteúdo quer no estilo, mas para os que consideram que não há nada que não possa e deva ser sujeito a exame e discussão, não há dúvida que é um livro pleno de racionalidade e, por isso, de leitura e reflexão obrigatórias.
Apesar da temeridade que é reflectir, por quem não é cientista, filósofo ou teólogo, sobre uma questão tão etérea como a da existência ou não existência de Deus, procurarei fazer em próximo(s) artigo(s) uma aproximação racional ao tema. Se até lá não me faltar o ânimo…
1 Pela “casa das letras”.
2 Delusion = crença ou impressão falsa.
3 Excertos de uma entrevista conduzida por Edward Wakin - 1981
In “Conversas com Carl Sagan”
Organização de Tom Head
Edições Quasi - 2007
4 In “Subtil é o Senhor - Vida e Pensamento de Albert Einstein”
Abraham Pais - 1982
Gradiva - 2ª. edição 2004
1 comentário:
Que não lhe falte o ânimo, pelo menos terá uma leitora interessada neste tema, ou em qualquer outro com conteúdo teológico. Por acaso tenho uma enorme curiosidade com o livro, é que independentemente das teorias que expõem, será sempre um modo de pensar oscilante ao longo dos séculos. Afinal por mais que saiam “provas” ditas por tantos, não vejo um Deus existente ou não existente a ser morto. É o que realmente me fascina. Para além de que uma Humanidade que precisa de provas palpáveis ou de outros sentidos que não a simples fé está a colocar à prova uma entidade que pede precisamente que o façam sem evidências concretas. Penso que na sua forma mais simples há quem acredite em Deus como forma de colmatar carências ou acalmar tristezas e angústias, mas como bem refere, qualquer cientista, filósofo, teólogo ou uma outra minoria fora deste grupo como eu, não se atreverá a discutir a veracidade de documentos tal como o fez com as provas pré-históricas colhidas em todo o mundo que permitiram elaborar a teoria da evolução do Homem, como podemos então ignorar a veracidade de documentos escritos como os “Quatro Evangelhos”?
De qualquer modo, não acreditar em Deus não significa afastar o desejo de conhecer a vida espiritual, porque é um facto que o Homem nunca deixará de a procurar. E por procurar entenda-se sempre a mais ínfima pergunta que lhe surge no pensamento a qualquer momento da vida. E mais do que saber se Deus existe ou não, porque nunca o saberemos nesta vida (nem na outra se não a houver), importa saborear e extrair o sentido profundo das coisas interiores que resultam do mistério que envolve a existência ou não existência. Existirão sempre as utopias e as decepções, mas alguém num livro decifrará realmente o mito? Um mito que vence sempre e que se mantém acima de qualquer pessimismo dos homens.
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