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01/04/25

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AVES AGOIRENTAS

Manuel Joaquim


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Os raios de sol da Primavera, apesar de ainda não ter conseguido afastar as aves negras que continuam a pairar sobre as nossas cabeças, dão cada vez mais energia para aparecerem no horizonte pombas brancas sinónimas de PAZ.

As aves negras trabalham desesperadamente para que a primavera dê lugar a um inverno negro e profundo. Sozinhas não conseguem. Precisam do apoio de outras aves com outras cores para conseguirem os seus objectivos. Estas são aliciadas com bons poleiros e passam a piar as mesmas coisas aos ventos para influenciar todos os outros passarinhos para acreditarem que o inverno vem aí. Sentem que o futuro lhes está a escapar.

Em 2024, na Suécia e na Finlândia, foram distribuídos manuais de sobrevivência para as pessoas se defenderem de uma guerra nuclear, aconselhando o armazenamento de alimentos, água, baterias, medicamentos e kits de primeiros socorros para sobrevivência por 72 horas. Outros estão a construir abrigos contra ataques nucleares O general salsicha, aqui há uns dias, defendeu e aconselhou os portugueses a fazerem o mesmo. Parece que alguém está a trabalhar para ser publicado um manual de sobrevivência europeu e, se possível, um Kit de sobrevivência. Será fornecido como foram as vacinas do Covid, que deu chorudas comissões a alguém e que ainda está em investigação a nível europeu? Quem vai pagar?

A população dos países da Europa está a ser incitada ao ódio e ao medo de um suposto inimigo, condicionando a opinião pública, militarizando as consciências para aceitar um clima de guerra.

A estagnação económica e a crise social que alastra nos principais países da Europa, obriga o grande capital para sobreviver a encontrar inimigos externos e internos, é dos livros, e a militarização da economia é também uma das saídas.

O Secretário-geral da Nato quer Portugal a gastar em defesa, já este verão, 2% do PIB. Mais canhões menos manteiga, isto é, menos para a saúde, menos para a educação, menos para a habitação. É o roubo dos recursos para alimentar a indústria do armamento e a corrupção com as vendas/compras do material para o bolso dos mesmos.

Entretanto já há empresários  a contrair empréstimos para investir na indústria de armamento.

A presidente das aves negras da EU apresentou o “Plano de Rearmar a Europa” de 800 mil milhões de euros, a realizar em quatro anos, não dizendo como o vai executar. O financiamento da EU já não vai ser como até aqui que era ir aos EUA pedir emprestado em virtude da porta se ter fechado. Eurobonds é uma possibilidade se for aprovado e subscrito.

Para os grandes números é que a porca torce o rabo. Maria Luís Albuquerque, ave negra, na reunião anual do Banco Europeu de Investimentos, disse que vai ser criado uma União das Poupanças e Investimentos, que vai permitir mobilizar para o rearmamento anunciado o aforro dos cidadãos europeus. As nossas poupanças serão canalizadas para a militarização da EU, mesmo que discordemos disso. As poupanças não utilizadas (contas de poupança, depósitos a prazo?) podem ser desviadas para a defesa colectiva e para o fortalecimento do complexo militar-industrial europeu. É a compra forçada de obrigações de guerra. Há quem já tivesse dito que o exército é a nossa segurança social.

Aquando das invasões francesas, “Napoleão, para obviar as despesas da guerra confiscou a todas as igrejas o seu tesouro, deixando, apenas, as alfaias usadas no dia-a-dia. A Igreja do Corpo Santo, ainda assim, teve que enviar um conjunto de peças, como castiçais, cruzes, galhetas e vaso de lavatório” (in Porto Arte e Religião, Massarelos, de Ernesto Martins Vaz Ribeiro).

É bom lembrar que os portugueses em 1983 ficaram sem o subsídio de Natal quando era 1º Ministro Mário Soares. No orçamento de 2012, o governo pretendia eliminar os subsídios de Natal e de Férias para os funcionários públicos e para as pensões acima de 1000 euros até ao final de 2012.

 Para uma população desinformada e mal formada é possível que à sorrelfa nos roubem, como diz MEC.

AS aves negras estão a criar condições para a guerra? As claras sabotagens das negociações que estão a acontecer neste momento, vão conduzir ao recrudescimento da guerra. França, Inglaterra e Alemanha não querem acordos de Paz.

A luz dos raios do sol está a afastar a escuridão e a afugentar as aves negras para longe, permitindo iluminar os caminhos para a PAZ.


NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



(foto de Valéri Arjanov)



Novosibirsk. Quando deixei para trás a aldeia onde me acolhi nos últimos dias invadiu-me uma mistura de tristeza e melancolia, um desses instantes em que as cores da natureza parecem perder brilho. Seguimos na margem direita do Biia para norte rodeados de perímetros florestais que vão saindo do adormecimento invernal. O horizonte é sempre um ponto ínfimo rodeado de árvores, arbustos, zonas boscosas. Perdura o sossego, a luminosidade da manhã alcança-nos com diversos tons de luz, desistimos de pensar, deixamo-nos ir com o olhar a recolher o sabor de viver. Separadas por variadas distâncias, vamos atravessando aldeias siberianas com as suas casas de madeira rodeadas por hortas e jardins como que adormecidas neste espaço temporal. Vê-se e sente-se que recuperam da beleza e da riqueza humana que lhes foi subtraída em nome de uma pretensa liberdade que mergulhou a sociedade num milagre de quarenta milhões de pobres. As casas vão perdendo a decrepitude, os caminhos parecem ter trabalho humano e pequenas diferenças mostram a presença de um labor de ordenamento. Nestes extensos espaços em que apenas a natureza parece existir, a vivência em solitário envolve riscos quase inultrapassáveis. Os pequenos aglomerados humanos parecem desertos, mas sente-se que a vida pulsa no que os olhos não alcançam. O colorido da natureza, saindo do cinza onde se recolheu no rigor do Inverno, surge agora vicejante nos ramos das árvores, por todo o arvoredo, nesse continuado renascer da vida. É um verde que não cansa, antes pelo contrário, alimenta a vontade de olhar, de sentir e até de nos emocionarmos. A estrada faz uma longa trajectória para a esquerda seguindo a curva do rio até à cidade de Biisk. Há longo tempo que não atravessávamos uma urbe de duzentos mil habitantes, mas as ruas e os passeios são amplos e na parte central encontramos os blocos residenciais dos tempos soviéticos. Tudo o mais é baixo e a vegetação abunda. Esta, como todas as cidades siberianas, nasceram na Idade Moderna, construídas quando o império se foi alargando para Leste. Não que em muitos lugares não houvesse assentamentos humanos anteriores ou por ali não tivessem passado as invasões que de Oriente rumavam à Europa, mas a sua existência como cidades é muito mais tardia e crescem com a chegada dos povos do império ou pela construção da linha transiberiana. Desviamo-nos quinze quilómetros para Sul para ver os rios, Biia e Katun juntarem as águas e darem origem ao caudaloso Ob que viajará até ao Árctico. É uma paisagem de fantasia, de consolo, de mansidão, fazendo lembrar a natureza de Dostoievski. Os escritores russos, sobretudo do século XIX, caracterizavam o seu tempo, o fluir da sociedade, muito em função da natureza, mesmo quando nos descrevem as paisagens citadinas, percebe-se a ruralidade da vida, na pobreza e no comportamento dos camponeses, vivendo entre a miséria e a nobreza. Só nestes espaços de silêncio, de pureza, de matizes quase sobrenaturais, se conseguirmos interiorizar o que vemos, poderemos então compreender a vasta extensão da Rússia e dos seus povos. Sente-se palavras de poesia em tudo o que contemplamos. Por ali me aquietei longas horas e a memória trouxe até mim o tempo em que me dizias, «se quiseres partir amanhã, eu paro o mundo». O mundo nunca chegou a parar e eu fui por ele adiante e tu ficaste. Encontramo-nos aqui e ali ou quando te chamo. As lembranças que a natureza nos traz! Segui para Norte, mas com tanta beleza no interior do olhar, evitei a grande cidade de Barnaul. Um aglomerado industrial de seiscentos mil habitantes iria esmorecer o sorriso que me anima desde a nascente do Ob. Retive-me algumas horas junto à foz do Berd para olhar de novo o Ob, o qual, retido por uma central hidroeléctrica forma um reservatório com uma amplitude assombrosa colocando-nos de novo no arrebatamento de um cenário irrepetível. Mas já estou próximo, a grande cidade abre-se no horizonte para onde caminho. Novosibirsk foi um desejo de há muito, uma quase promessa não concretizada, um sonho que se desfez nas areias do deserto de Karakum. Entro vagarosamente na terceira maior cidade da Federação da Rússia, com os olhos abertos na absorção do que encontro. A cidade da ciência com os seus trinta e dois institutos de ensino superior, entre os quais onze universidades, aqui no coração da Sibéria. Procuro a margem do rio junto à ponte ferroviária que me faz lembrar a de Krasnoiarsk sobre o Ienissei e aguardo a passagem do comboio. Vem lento, sem pressa, como se, extenuado, visse o destino a chegar, como se viesse a reconhecer o caminho. Por momentos, uma névoa, traz-me o mundo onde vivemos, onde desalentada a humanidade aparece atropelada por um bando de desmandados que se digladiam na monstruosidade dos seus crimes, das suas atrocidades, plenos de impunidade e de poder. Fecho os olhos para regressar ao movimento da composição que atravessa o Ob. Hoje não escrevo, o postal envio no caminho. Prossigo para Norte.


 

ESGOTOS

António Mesquita

     

                         
"Disso claramente se aprende quanta estupidez e pouca prudência há em reivindicar uma coisa e dizer logo “Quero com isto fazer o mal”, pois não se deve mostrar a disposição que se tem, mas é preciso tentar obter aquele objectivo de qualquer modo, pois basta pedir as armas a alguém sem dizer “Eu  quero-as para te matar”, podendo, depois que tiveres as armas nas mãos, satisfazer o teu apetite."(Maquiavel)


Vemo-los todos os dias quando nos dirigimos para o trabalho,  quando vamos às compras ou tomar café. Não se pode fugir àquela cara.

Nunca se fez nada assim ou só nos tempos da  ditadura e agora pela força do dinheiro.

Que acção a longo prazo duma tal insídia? Podia ter sido congeminada por um algoritmo, mas é, provavelmente, só preguiça. É um prolongamento de jogo contra todas as regras. É isto ainda liberdade de opinião?

Aquela figura de proa levantada nas nossas praças a prometer a recolha do lixo e a limpeza do espaço público. A prometer uma nova ordem. O que é que significa isto?

Há dias, uma equipa técnico-científica inglesa propôs-se reconstituir os traços fisionómicos do mais celerado dos reis da sua história. Um torto que chegou ao poder para fazer todo o mal possível, para se vingar da deformidade com que o destino o contemplou. Pelo menos é o que o celebrado vate isabelino, nos quis transmitir na sua peça homónima: 'Ricardo III".

Ocorre, talvez, perguntarmo-nos porque precisamos de ter esse hipotético  rosto do século XVI, cuja verosimilhança  é atestada pela tecnologia de ponta. Para quê senão nos apropriarmos  dum novo emoji nas nossas redes omnívoras?

Alguém ou alguma coisa por nós pensou que a insistência num cartaz político para lá de todos os prazos, como uma lição a aprender, um tema subliminarmente a decorar, nos iria predispor para, na hora do voto, pagar o investimento destes novos aprendizes de feiticeiro? Como se todos nós nos fôssemos transformando no Gregor Samsa do conto de Kafka.

Não há, parece, uma lei que proíba esta invasão permanente do quotidiano pelo refrão político, embora ninguém suportasse ouví-lo meses seguidos - a vista permite-nos ter pontos cegos. Não olhar para aquela cara, que podia ser a do vilão de Shakespeare antes de subir  ao poder.

Mas, assim como se ataca uma infecção quando percebemos que o corpo se encontra doente, haverá qualquer dia que pôr termo a este morbo da democracia. Só nos falta acreditar nos princípios e não dizer como Groucho que temos outros se estes não agradarem.

Mas por que não terá um partido qualquer o direito de fazer propaganda todo o tempo e com o mesmo slogan? Uma empresa talvez perdesse com isso,  porque a mensagem se esbateria e deixaria de chamar a atenção. Essa ideia só não funciona assim, supõe-se, na cabeça dos promotores do "carro do lixo" porque justamente é uma experiência política paga por outros. É o lema de que tanto martelar achata e leva a água àquele moinho.

A democracia, como se viu nas últimas eleições americanas, não se sabe defender. Coexiste com a extrema desigualdade, o racismo, o mccarthismo, a guerra imperialista e agora o populismo da "moto-serra" que é o novo conceito de revolução. Não é por acaso que já compararam a convulsão trumpista à Revolução Cultural de Mao.

A "populaça", de que escarnecia Platão, no século V antes de Cristo, contra a opinião dos fundadores da ideia política, seus contemporâneos, pela  instabilidade de humores e a sua ignorância mostrou, mais uma vez, ser igual a si própria. 

Apesar de tudo, a democracia impôs-se como a mitologia do nosso tempo, como diz Alain Brossat (*). As piores ditaduras não dispensam as eleições, se bem que forjadas, para legitimar a força. Mas esse mito é verdade que já teve melhores dias. E a maior ameaça não é a descrença nem os tiranetes da hora, mas a tecnologia que nos pede mais e mais poder sobre as nossas vidas.

Até quando aquele cartaz infame nas nossas praças, com lugar garantido e selo geopolítico?



 (*) "Le sacre de la démocratie"

POESIA

Helena Serôdio


 

INTERMEZZO

 

Rasgou-se o ventre da noite
E nasceram catadupas de astros!
Magnífica,
Resplendente qual jóia preciosa ,
A lua brilhou entre os seios da noite, alvos como dunas!
A noite era uma planície imensa, orvalhada de estrelas,
Branca de luar e de mistério,
Povoada de visões fantasmagóricas!
O seu corpo virginal,
Intocável,
Envolto em ténues neblinas.
Era um vasto oceano
Interrompido por ilhas desertas,
E cada um dos seus órgãos
Era um mundo independente,
Animado de vida própria ,
Girando em volta de si mesmo!

A noite descerrou as pálpebras,
Sacudiu a longa cabeleira
E despertou para mais uma vigília.

Refugio-me nos braços da noite,
Estreito-a longamente ao peito,
E abraço o vazio e a solidão.
Afago-lhe a face pálida a
Reflectir o espasmo da insónia.

Vejo-me no espelho dos seus olhos
Calmos como plácidos lagos,
Em que a indiferença flutua,
Beijo-lhe a boca gélida,
Muda,
E nela se desprendem, num esgar,
O desdém e a ironia!

Debruço-me na noite fria
Como numa ponte de cristal
Suspensa nas alturas!
Atrai-me a vertigem do abismo
Em que o corpo se lança para dormir sono eterno.
E o espírito paira, enfim, liberto!

Aspiro o perfume da noite,
Inebria-me o prazer do ignoto...

A noite é um cemitério de paz,
Onde jazem sepultados os meus sonhos,
As minhas aspirações,
A intimidade do meu ser...

Siderada nos espaços,
Isenta,
Inviolável,
A alma da noite é uma flor solitária,
Aberta para o silêncio
Em que a minha vida se debate...

Impudica,
A noite revelou-me generosamente a sua nudez.
E eu vi-me nua dentro da noite!...

SOARES É FIXE?

Mário Martins

https://www.wook.pt/livro/mario-soares-joaquim-vieira

 


Ler esta biografia não autorizada de Mário Soares, com mais de 1000 páginas, baseada, entre outras fontes, em 16 longas conversas com o biografado, da autoria do jornalista, ensaísta e documentarista, Joaquim Vieira, é não só acompanhar 70 anos de vida política activa no combate denodado à ditadura do Estado Novo, e depois, na luta pelo estabelecimento e consolidação da democracia, tal como ele a via, como também, por essa via, revisitar muitos dos acontecimentos políticos marcantes de um e outro tempo.

O mesmo, aliás, se poderia dizer da biografia, igualmente não autorizada, de Álvaro Cunhal, com mais de 2600 páginas distribuídas por quatro volumes, publicada há uns anos, da autoria do professor, historiador e arquivista, Pacheco Pereira, esta mais sociopolítica, que relata a resistência heróica à ditadura salazarista e, depois, a luta, não pela consolidação da democracia liberal, mas pela implantação de um regime socialista inspirado na experiência soviética.

A formação do jovem Mário Soares decorreu num ambiente familiar de certo desafogo financeiro, mercê da exploração de um colégio de ensino, e de permanente conspiração política contra a ditadura do Estado Novo. O pai, João Soares, um homem corajoso, era uma figura do reviralho, participante em diversas conspirações para derrubar o ditador Salazar, sofrendo com isso a clandestinidade, a prisão, a deportação e o exílio.

Mário Soares tinha uma grande admiração e respeito pelo pai, dele herdando a coragem e o sentido de intolerância à ditadura (o que lhe acarretaria a prisão por 12 vezes, a deportação para S. Tomé e o exílio em França para não voltar a ser preso), além do sucesso no relacionamento com o sexo feminino.

Um aspecto que impressiona quem não anda nestas andanças, é o que se passa nos bastidores da política que é servida no espaço público, em que o tratamento informal e não raras vezes agressivo entre os principais actores se substitui à pose mediática, como neste exemplo ilustrativo:

Soares dava-se bem com o professor Mota Pinto, então presidente do PSD, com quem se coligara em 1983 para constituir o governo do “bloco central”, mas isso não o impediu, na sequência da decisão de propor a despenalização do aborto em certas condições, tomada por grande maioria em congresso do PS (decisão a que não era contrário mas considerava inoportuna), de em pleno Conselho de Ministros vituperar Mota Pinto (que o avisara antes “que o seu partido estava em pé de guerra e que o tinha de seguir, votando contra”): “Ó Mota Pinto, você o que é é um hipócrita. Responda aqui a estes senhores (…) quantos abortos é que já pagou às gajas com quem se meteu.” Mota Pinto dá uma gargalhada: “Essas coisas nem se dizem nem se falam. Vamos lá a tratar de coisas sérias, temos que nos entender.”, salvando assim a situação. Nas palavras de um correligionário, Bernardino Gomes, “Soares gosta(va) muito de senhoras e de boa vida, e Mota Pinto também. Eram iguais. Tinham uma cumplicidade enorme (…)”

As referências biográficas a aventuras extraconjugais (e também ao processo de alegada corrupção, conhecido pelo “fax de Macau”, que levou o governador Carlos Melancia à barra do Tribunal onde, no entanto, seria absolvido) desagradaram profundamente a Mário Soares, que descarregou as suas costumadas fúrias no biógrafo, para quem, ainda assim, o comentário que a sua mulher, Maria Barroso, terá feito em telefonema a agradecer o envio da biografia, de que “É um livro escrito com muita honestidade.”, serviu, certamente, de bálsamo. 

Um episódio menos conhecido demonstra que uma mensagem formal, sem alicerce prático convincente, corre o risco de ser interpretada ao contrário. No debate parlamentar do programa do novo governo PS/CDS (assim considerado pela opinião pública embora, oficialmente, designado como acordo parlamentar de incidência governamental), que viria a ser empossado em Janeiro de 1978, Soares, intuindo as implicações políticas de uma aliança com o CDS, declarou que “Não quer isto dizer que estejamos aqui para meter o nosso socialismo (fosse isso o que fosse) na gaveta.” Para a opinião pública, porém, Soares metera o socialismo na gaveta…

Curiosamente, foi um jovem do CDS, que preferia Mário Soares a Freitas do Amaral nas presidenciais de 1986, que propôs o sloganSoares é fixe”. De facto, Soares foi melhor Presidente da República do que Primeiro-Ministro. Preferia ler livros a estudar dossiês. Bateu-se sempre pelo figurino europeu ocidental de liberdade política, existência de partidos, e expressão do voto popular em eleições periódicas. O seu espírito intuitivo e impulsivo despertou paixões. Foi amado e odiado, o que, sem dúvida, justifica que coloquemos o seu “porreirismo” na forma interrogativa. 

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