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01/06/24

PAZ SIM, GUERRA NÃO

Manuel Joaquim


(Maria Lamas, óleo de Júlio Pomar de 1953)



Aqui há uns anos, António da Costa Neves falou-me de duas conferências que se realizaram no Clube Fenianos Portuenses, nos inícios dos anos cinquenta, por Maria Lamas e por Teixeira de Pascoaes, sobre o papel da Mulher e da luta pela Paz, que tinham sido extraordinárias e que tiveram uma enorme assistência mas não tinha conseguido encontrar os respectivos textos. 

Depois de muita procura, essas conferências não estavam nos arquivos da biblioteca do clube.

Para surpresa minha encontrei agora essas duas conferências publicadas pelo jornal Público, na série Biblioteca da Censura, edição fac-simile, 2023.

Foram editadas em livro em 1950 pela Associação Feminina Portuguesa para a Paz, mas o livro foi apreendido pela PIDE e proibida a sua circulação pela Direcção dos Serviços de Censura, por ser “Pacifista” conforme respectivo relatório e carimbo de 9 de Janeiro de 1951, como consta na publicação de agora.

Essas conferências realizaram-se na comemoração do 15º aniversário da Associação Feminina Portuguesa para a Paz. A de Maria Lamas realizou-se em 25 de Maio de 1950, sob o título “A PAZ e a VIDA”. A de Teixeira de Pascoaes realizou-se no dia 1 de Junho de 1950, sob o título “PRO PAZ”.

A Associação foi fundada em 11 de Novembro de 1935, data do armistício da 1ª guerra mundial, quatro anos antes do início da 2ª guerra mundial e foi dissolvida em 1952 pelo regime fascista. 

É interessante verificar que a PIDE e a Censura proibiram a divulgação da documentação publicada no Brasil do Congresso Mundial de Mulheres realizado em Paris em 26 de Novembro de 1945, “Contra o Fascismo, pela Paz, pela Democracia e pela Defesa dos Direitos da Mulher”, já no fim da 2ª guerra mundial.

Maria Lamas, logo no início da sua intervenção refere “que os fins da AFPP, correspondem à aspiração máxima dos povos, nesta hora em que a perspectiva duma nova guerra paira sobre o Mundo.

Esta ameaça torna-se cada dia mais nítida e directa. A “guerra fria”, mantida pela atmosfera, saturada de ameaças, do panorama internacional, e agravada por comunicados e telegramas, publicados diariamente, nos jornais, como um pregão bélico, pode transformar-se, de um momento para o outro, na mais sanguinolenta e desumana guerra de todos os tempos.

Tudo tende, insistentemente, a convencer-nos de que bastará um incidente internacional, para que a energia atómica, a bomba H e todas as bombas que possam fabricar-se em rigoroso segredo, façam sentir os seus efeitos, como a mais destruidora arma até hoje empregada contra a vida, a civilização e os direitos da Humanidade.

É cada vez mais ostensiva a preocupação das nações se intimidarem mutuamente, pela superioridade das suas forças de combate.

Todos os meios são utilizados para assegurar o predomínio nos pontos estratégicos do globo, ao mesmo tempo que se desenvolve a mais intensa campanha psicológica, através da radio e da Imprensa.”

Passados 74 anos estas palavras aplicam-se aos tempos que estamos a viver.

Para se entender melhor os tempos actuais é bom ter presente o que se passou nos finais do século XIX e princípios do século XX. Foi a passagem do sistema capitalista à sua fase imperialista. O aparecimento dos monopólios, a concentração de capitais, da fusão do capital bancário com o capital industrial resultou a formação do capital financeiro que passou a dominar o mundo. A partilha do mundo fez-se entre os países mais poderosos: Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália, Japão, Portugal. 

Essa partilha foi efetuada através da força económica, financeira e militar. A desigualdade dessa partilha levou a confrontações para novas partilhas. Daí a 1ª guerra mundial, a 2ª guerra mundial, as guerras na Ásia, na África, no Médio Oriente e em tantos lados.

O domínio do mundo para apropriação de mercados, de matérias-primas, de mão-de-obra, de ditos espaços vitais, não parou, por mais campanhas de formatação do conhecimento e do pensamento com que diariamente as pessoas eram e são confrontadas.

A 2ª guerra mundial levou a novas partilhas. Foi uma guerra com graves consequências para as nossas famílias, para todos nós.

Maria Lamas transcreve o seguinte:
A UNESCO informa:
«Só na Europa, foram destruídas 30 milhões de habitações»
Em consequência disso, havia ainda, em 1947, só na Europa, 150 milhões de pessoas sem abrigo. Desses milhões de seres humanos, cerca de 50 milhões eram crianças. Só numa cidade italiana de 20.000 habitantes, havia ainda, nos fins de 1947, 5000 crianças sem lar.

Devemos esclarecer que não se trata de crianças estrangeiras, refugiadas, mas sim de crianças nacionais, que, a invasão, a ocupação e todas as terríveis consequências dos bombardeamentos e demais operações militares, deixaram na maior miséria e abandono.

Depois, Maria Lamas faz referência à quantidade de escolas destruídas na Áustria, Bélgica, França, Grécia, Itália, Polónia, Checoslováquia, Jugoslávia e aos milhões de crianças famintas e desamparadas e órfãos.

Mais adiante refere-se às consequências do lançamento das duas primeiras bombas atómicas.

Diz que “Há nuvens negras no horizonte! Por detrás dessas nuvens é possível surgir, de um momento para outro, o monstro horrível da guerra”.

Acaba a sua conferência com as seguintes palavras:
Se todos nós, homens e mulheres soubermos querer, a Paz será a mais bela conquista deste século, porque a batalha da Paz é a batalha da Vida”.

Infelizmente continuam a registar-se muitas guerras com efeitos desastrosos para as populações. Os senhores do mundo não desistiram nem desistem de tentar novas partilhas. Usam a sua força económica, financeira e militar. Os povos resistem. As lutas contra o colonialismo e o neocolonialismo nos mais diversos espaços do mundo provocaram e estão a provocar novas alterações. 

Perto de nós, na Europa e no Médio Oriente, estão a acontecer duas guerras com efeitos desastrosos. A do Médio Oriente já ocorre há mais de 75 anos. E muitos de nós não tem dado por isso. A da Europa, já leva cerca de dez anos e também muitos de nós não tem dado por isso. Estamos confrontados com o declínio da política mundial. O mundo está dividido entre humanidade e fascismo. Grandes mudanças se aproximam. 

Os senhores do mundo não querem abandonar os seus interesses e tentam novas partilhas. As consequências podem vir a ser piores que as da 2ª Guerra Mundial que Maria Lamas de forma tão simples descreveu na sua conferência.

Por isso, devemos dizer 
PAZ SIM GUERRA NÃO

1 comentário:

maria jose disse...

Obrigada, Manuel Joaquim pela evocação de Maria Lamas ,tocando num tema tão importante e que tão mal tratado vem sendo ,pela forma vil com que se manejam as notícias que são veiculadas pela comunicação social, ao arrepio da verdade para a qual a História nos convoca.

Meditemos no aviso de Maria Lamas e de tantas outras Mulheres e outros Homens para o risco de destruição que a Humanidade está a correr se não se parar com a escalada armamentista, se os povos , conscientemente, não se unirem em defesa da Paz, contra a Guerra, recusando a manipulação que os detentores do poder e fazedores do lucro que as armas de guerra lhes proporcionam, procuram fazer das consciências. PAZ SIM, GUERRA NÃO TEM QUE SER O OBJECTIVO DA NOSSA LUTA DE TODOS OS DIAS POR UM MUNDO EQUILIBRADO, EM QUE A VIOLÊNCIA NÃO ENCONTRE FORMA DE PROLIFERAR. nÃO É FÁCIL, MAS É POSSIVEL!

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