Mário Martins
"Vamos esquecer a terra? É nela que nos apoiamos, dela que nos alimentamos, ela que configura o nosso espaço, ela que condiciona as nossas comunicações físicas. Nela que moraram os nossos antepassados (...) O território é o elemento permanente da identidade (…)”
José Mattoso (do prefácio)
Eis uma obra que deveria constituir matéria de ensino nas escolas e que os políticos deviam ler.
Os autores (o grande medievalista, professor universitário, e antigo monge beneditino, José Mattoso, recentemente desaparecido, e a geógrafa franco-portuguesa Suzanne Daveau, acompanhados por oportunos pontos de vista fotográficos de Duarte Belo) traçam o perfil dinâmico do território de Portugal Continental, ao mesmo tempo que descrevem a evolução da adaptação da vida humana à terra, bem como da cultura que os homens criaram na relação com ela e entre si, desde os primórdios conhecidos até à altura em que a obra foi publicada, nos anos noventa do século passado.
Na busca do espírito oculto de cada região foi necessário voltar constantemente à terra, que “molda o homem à sua imagem e semelhança, e que o faz beirão ou alentejano, minhoto ou algarvio. Ou português.”
“E a causa por que se a terra chamou Portugal, foi porque antigamente sobre o Douro foi povoado o castelo de Gaia, e por aportarem i mercadores em navios e assi pescadores pelo rio dentro, e ancorarem e estenderem suas redes da outra parte do rio, e pera isso ser mais conveniente, se povoou outro lugar que se chamou o Porto, que ora é cidade mui principal. Donde, ajuntados estes dous nomes, saber Porto e Galia, foi chamado Portugal.” (Fernão Lopes, provável autor da Crónica de 1419).
“O que verdadeiramente caracteriza Trás-os-Montes é a manutenção até uma época tardia (séc. XIII) de instituições comunitárias independentes e a igualmente tardia implantação de poderes senhoriais (…), tudo isto produto do seu isolamento para com áreas mais densamente habitadas, com mais recursos e onde os poderes se concentram. O que caracteriza o Minho é a população densa, a possibilidade de aproveitamento do solo pela agricultura intensiva, (…) a precoce implantação senhorial, a fácil comunicação com outras áreas (…). O que distingue o Douro é a descoberta precoce da sua riqueza vinícola e a formação de uma classe de proprietários rurais que souberam desenvolvê-la ao máximo (…). O que individualizou o Ribatejo e o separou da Estremadura, a que pertencia anteriormente, foi a capacidade da sua campina para a produção ganadeira e cerealífera (…). O que permite à Estremadura ser uma província é constituir um eixo de ligação à grande metrópole de Lisboa e ser dotada de uma grande variedade de recursos agrícolas e marítimos (…). O que diferencia o Alentejo é a sua incapacidade para sustentar outra coisa senão culturas extensivas e com rendimentos reduzidos, a predominância do povoamento concentrado, a constituição de poderes terra-tenentes de tal modo distantes da população dependente que nenhuma comunicação existe entre esta e aqueles (…). O que separa o Algarve do resto do país não são só as terras ermas, é também a variedade de recursos da sua estreita faixa litoral (…), hoje invadida pelas forças desenfreadas da exploração turística, a amenidade do clima (…). Já a Beira, “construiu a sua própria unidade feita das mais contrastantes diversidades (…). Mesmo dividida nas suas três porções tradicionais, cada uma destas permanece como uma ‘manta de retalhos’.”
Concluem os autores, ao examinarem como evoluiu o nome de Portugal e a realidade a que ele se foi aplicando, que existe, “de facto, uma grande diversidade cultural, paisagística e histórica, a qual torna provável que não pudesse ter subsistido sem uma administração unificada e coesa. O Estado português não emerge de nenhuma formação étnica; pelo contrário, ignora todas as etnias que o precederam e sobrepõe-se a elas como uma entidade política sem qualquer relação privilegiada com nenhuma delas.”
Uma obra fundamental, em suma, para compreender Portugal.
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