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01/05/24

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva





Os dias de Abril sempre foram uma espécie de esperança para a vida, pelo renascer da natureza com o canto dos bosques estendendo os seus braços verdes sobre a terra ainda sumarenta e os animais reconstruindo os seus redutos que o Inverno desgastara. E quantas vezes, em Abril se viu o triunfo de colectivos inteiros que caminhavam sobre os escombros da maldade humana. No usufruto do sol que cobria a cidade nestes dias de Abril, caminhava vagarosamente em direcção ao jardim, que pendurado nos socalcos da encosta, permitia que o olhar se alongasse no horizonte pelo mar dentro como, se em tempo de descobertas estivéssemos, na demanda de novos mundos. Procurava-te para esses encontros onde te escuto na fala dos presentes que vivemos como sinal dos futuros que hão-de chegar onde se olvidam os sinais do passado que nos deviam ensinar. Ali te vejo num recanto do frondoso jardim como uma espécie de janela aberta para diante. Saúdo-te com uma frase quase interrogativa: de novo em visita aos escritores russos do século XIX! Sem dúvida, ouço-te responder, é uma necessidade premente para compreender o que está acontecendo em nosso redor e, acrescentas irónica, mas descansa que pedi autorização à embaixada da Ucrânia. Di-lo sem sorrisos e na ironia há um sentido de coisa séria. Não por medo, naturalmente, mas como reflexão pelo facto de uma minoria de gente com prática de extrema-direita e ideologia nazi pretender determinar o que hoje podem os europeus, e não só, ler, ouvir e falar. É um sinal dos tempos, acrescentas, um perigoso sinal, sem dúvida. Se nos esquecermos dos problemas candentes que nos afligem e que carecem de urgente resolução, diria que vivemos tempos historicamente muito interessantes, acrescentas. E prossegues, bem podemos dizer que pertencemos à geração que não só viveu a mais bela Revolução europeia como assiste ao declínio estrebuchante de 500 anos de domínio e exploração colonial. Que época grandiosa, ouço sair da tua expressão entre o espanto e essa magia que emana da tua alma libertária. O meu silêncio aguarda pelas tuas palavras. A riqueza das democracias coloniais que emergiu e se expandiu pela exploração desenfreada e apocalíptica dos lugares e dos povos, caminha agora sobre a lama imunda do sangue que semeou. Navega sem rumo e tenta contrariar os ventos que sopram em sentido adverso. Procuram como os primeiros navegadores do reino quinhentista, fazer-se ao largo para procurar correntes marítimas favoráveis mas falta-lhes espaço e tempo. As bússolas e os sextantes funcionam agora com outras variáveis que a sua cobiça e a sua avareza já não conseguem ler. A Estrela Polar foi substituída pelo Cruzeiro do Sul. As velas ainda se enfunam, mas como o homem que caiu ao rio, ainda gritam como forma de esconder o medo, «ou me tiram daqui ou bebo esta água toda». Por tudo isto, regressei a Gogol, Dostoievski e Tolstoi porque nos seus escritos está enumerado todo o comportamento humano, entre a maldade e a delicadeza, a bondade e a avareza, a crueldade e a heroicidade. Não há equívocos, é a história da humanidade. Não, não é um destino, ouço-te dizer quase como um apelo, é apenas a história da ganância, da violência, da supremacia, do egoísmo, do individualismo, sobre o colectivo humano. Roma repete-se mil e quinhentos anos depois o que nem sequer é surpresa e regressa com toda a imoralidade e destruição ética do seu declínio, só que, desta vez, com passos acelerados. Desde a Revolução Russa que não sentíamos uma fractura com esta grandeza. Não é o fim do sistema ainda, mas este reajustar das placas, serve, entre outros aspectos, como um balão de oxigénio para aquele progressismo que um pouco por todo o lado tenta mudar este estado de coisas. Naturalmente que as democracias coloniais desse «Ocidente colectivo» reagem como sempre melhor souberam fazer, mergulhando os povos em guerra e alimentando-as, procurando que com a sua continuação, a sua agonia se sustenha. E assim vemos, como na mártir Palestina, os judeus de Israel sentindo uma impunidade infindável, incineram aos milhares tudo o que mexe na superfície das areias de Gaza e da Cisjordânia. É uma impunidade de tal ordem, que não escondem os seus desejos, a que atribuem vontades divinas, de violência, de massacre, de limpeza étnica. Não só o dizem, gritam-no aos outros povos a quem desafiam. Não se conhece este grau de destruição massiva de pessoas e bens desde a demência do Estado nazi. Israel é um hospital psiquiátrico, no qual os doentes mais graves, tomaram o poder. E o «Ocidente colectivo» face a esta infâmia, enche o hospital de munições para que os loucos persistam no alimentar desta insânia. Roma acabou diluída no poder dos povos que por ela entraram, pelo que é de acreditar que as democracias coloniais acabarão por se diluir nesta mudança de paradigma que estamos a ver nascer. A dúvida que possamos ter é por cima de quantos cadáveres estes líderes das nações europeias vão perceber que o seu domínio chegou ao fim. Sente-se agora aquele silêncio que sempre surge após o explanar das tuas ideias, pensamentos e reflexões. Deixamo-nos ambos ficar na admiração do rio cujas águas há milénios navegam na procura de oceanos onde possam repousar o cansaço da viagem que trazem desde as distantes montanhas. O fulgor do sol está na beleza repousante do seu adormecimento quase crepuscular e o verde que nos rodeia sossega no remanso do final da tarde.

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