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01/04/24

CANÇÃO DE EMBALAR

António Mesquita




"(...)  e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer - parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero e seria seu intenso desejo 'servir junto de um homem pobre, como servo da gleba' e sofrer tudo a regressar àquelas ilusões e viver daquele modo?" 
(Platão, "A República")



A propósito do grupo militante  chamado entre nós Climáximo, na esteira de outros por esse mundo fora e da mensagem do sueco Andreas Malm que até já escreveu sobre a melhor forma de fazer explodir  um 'pipeline', o cronista do Público António Guerreiro levanta uma série de questões urgentes:

"Movimentos como o Climáximo partem da evidência de que já estão esgotadas todas as tentativas democráticas de contestação e o que está em causa é de uma grandeza e de uma urgência que não se compadecem com mais hesitações. A seu favor têm os relatórios científicos que já quase ninguém contesta; mas contra si têm o facto de vivermos em estado de disjunção cognitiva."

As acções eco-terroristas intentadas por esses movimentos sobre o material (até ver não visando as pessoas), constatada que  foi já por todos, os "conscientes" e os "inconscientes" da emergência climática de que não se pode esperar nada de decisivo da parte dos Estados, reféns que são nas democracias do "povo soberano" nos seus complexos estratos e interesses corporativos e, nas ditaduras,  da agenda de conservação e reforço do poder  pessoal, são, evidentemente, desesperadas, mas duvido que travem qualquer grande iniciativa democrática. E, para todos os efeitos, prevalece o que Guerreiro chama de "disjunção cognitiva" da população mundial perante o que seria já a "sexta extinção em massa" em curso no planeta.

Na verdade, a violência destas manifestações inspiradas vagamente numa postura ecológica e na ideia ingénua de que um consenso será alguma vez possível para a  salvaguarda do nosso habitat, senão quando for demasiado tarde, deixa supor que bastaria a acção concertada das nações no sentido de diminuir as emissões de carbono na agricultura e de restringir o consumismo, nomeadamente, no turismo  e no transporte individual, para evitar o cataclismo. A ideia por detrás deste utopismo, segundo o articulista, são as nossas crenças na "geoengenharia e na tecnologia".  Podemos fechar os olhos perante o desastre iminente porque uma descoberta genial está prestes a revelar-se nalgum laboratório ou universidade em qualquer lugar do mundo.

A Irresponsabilidade é, de facto, a dos grupos que querem dar a ideia de que estão a lutar pelas medidas mais drásticas e, assim confortam no seu "sono dogmático" os que esperam essas mudanças sem realmente as quererem nem compreenderem.

Estaria em causa o ocultamento da verdadeira causa das alterações climáticas, segundo alguns, que não se deixam intimidar pela incongruência, ao apontarem o dedo ao "modo de produção capitalista". Acontece que nunca  existiu uma alternativa ecológica a esse "modo de produção" (as variedades de capitalismo  ideológico são tão ou até mais gravosas para o planeta, dado não existir omnisciência individual e consideradas as características paranóicas das ditaduras).

A "verdadeira causa" podemos não ser capazes de a pensar ou exprimir. Mas sabemos fazer algumas projecções lógicas e as que fazemos são alarmantes para quem  não for velho demais.

Diria, portanto, na minha modesta opinião, que será irresponsável alimentar ilusões se os "decisores" deste mundo, fazendo-se respeitar e compreender, tiverem, além dos meios para inverter a marcha para o desastre, a ideia do que é preciso fazer. Ora, nós ainda nem sabemos lidar com fenómenos como os Trumps de fora e de dentro e os Putins e os Netanyahu deste mundo. 

Neste quadro, romper com as ilusões só pode ajudar ao desastre. É como estamos distantes do homem que saiu da caverna platónica.

Uma série da Netflix cavalga esta onda de "fim do mundo", num estilo quase histérico. Chama-se "O problema dos 3 corpos". Começa por algumas cenas violentas da Revolução Cultural chinesa, em que se ataca a ciência burguesa e o seu expoente máximo, Einstein. Os físicos são especialmente mal tratados e obrigados a abjurar as suas convicções científicas. O paralelo com o tempo presente, niilista para muitos, e de falência dos valores e das certezas da física, é brusca e demagogicamente estabelecido.  Faz-se esperar o filme reflectido que nos sirva de espelho.


                 


                                                                 LÁPIS AZUL?


Sendo um dos directores/redactores da "Periscópio" desde a primeira hora, o autor do "Depoimento" não pode ignorar não só o espírito como as regras que a presidem. Tal como não pode ignorar que nunca ninguém, incluindo ele próprio, utilizou a revista para veicular propaganda de campanha. Isto significa que é impróprio pôr-se de fora, ele redactor, de um lado, e a direcção, do outro, que é o que resulta do que escreve na primeira linha: “não foi publicado o meu artigo por, segundo parece, não se enquadrar…”.

De resto, publica-se na íntegra o "Depoimento", apesar destas incorrecções, porque não custa nada a admitir que a censura é, de facto,  um mal planetário, sobretudo nas ditaduras...



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