01/04/24
E AGORA?
Mário Martins
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Todos os partidos e coligações eleitorais que elegeram deputados nas recentes eleições legislativas, obtiveram mais votos do que em 2022, à excepção de dois: o PS, que perdeu mais de meio milhão de votos e 42 deputados, constituindo-se assim no grande perdedor destas eleições, e a CDU (PCP/PEV), que voltou a ter menos votos e deputados.
A abstenção desceu cerca de 8 pontos percentuais, significando, ainda assim, a falta de comparência de mais de três milhões de portugueses em condições legais de votarem no território nacional, ou de mais de 4 milhões contando com a emigração.
Quanto à AD (PSD/CDS/PPM), citando a conhecida frase de António Costa em tempos idos, limitou-se a ganhar “por poucochinho”.
Não há, porém, como fugir à questão: o grande vencedor foi esse partido de extrema-direita, populista, ardiloso e infiável, que anda em más companhias (diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és), esse partido que dá pelo nome oficial de CHEGA obteve mais de um milhão de votos e 50 deputados.
Neste quadro, a futura governação afigura-se muito problemática, se se confirmar a ausência de acordos com o Chega e se verificar a oposição pura e dura da esquerda, situação que conduzirá, a curto prazo, à convocação de novas eleições. Não obstante, é de prever que dificilmente a direita deixará fugir esta oportunidade.
Para o colunista Miguel Esteves Cardoso o Chega não passa de um partido do contra, que “nunca mais terá uma oportunidade como esta. Ver-se-á aflito para segurar o milhão do contra”.
Já Clara Ferreira Alves é mais pessimista do que MEC, ao considerar que “O Chega, e a extrema-direita populista, capturaram os pobres e os descamisados. Os revoltados. E os jovens, que também estão revoltados.”
Para a Pluma Caprichosa “A luta de classes não foi abolida, nunca será abolida. A sociedade avançada digital, onde os robôs substituem pessoas com vantagem e os ricos ficam cada vez mais ricos, e cada vez pagam menos impostos, irá gerar absolutismos.”
“(…) A tecnologia impõe o niilismo, a submissão e a anomia. Cria uma dependência. Uma subcultura alicerçada no imediatismo, no sensacionalismo e nas baixas paixões. Mais do que combater a extrema-direita, há que combater este niilismo. Que a extrema-direita, no ímpeto revolucionário, organizador e orgânico, combate agora a seu modo, prometendo uma revolução. Por isso é bem-sucedida.”, conclui, caprichosamente, a Pluma.
Corroborando a tese de Clara Ferreira Alves de que “os jovens também estão revoltados”, circula a informação de que votaram maioritariamente à direita. O voto jovem, de que o Chega certamente arrebanhou boa parte, garante a este partido um futuro promissor enquanto “partido do contra”. Mas o entusiasmo dará lugar à desilusão uma vez participante do poder, situação que o tornará, inevitavelmente, tão permeável à corrupção e aos “tachos” como os partidos do “centrão”, mal-grado o estímulo aos partidos radicais/populistas de uma eventual vitória de Trump na eleição presidencial americana de Novembro.
Em todo o caso, não deveremos menosprezar a potencial ameaça ao regime (embora um dos seus ideólogos, Diogo Pacheco de Amorim, membro do antigo MDLP, organização conotada com actos terroristas, reclame que não são contra o regime, mas sim contra o sistema…) de uma possível liderança do governo no futuro. Lembremo-nos do exemplo, entre outros, de Orbán na Hungria, há quatorze anos no poder por via eleitoral, no quadro de restrições à liberdade de imprensa e à independência dos tribunais.
Ao menor descuido, a democracia pode virar farsa...
CANÇÃO DE EMBALAR
António Mesquita
"(...) e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer - parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero e seria seu intenso desejo 'servir junto de um homem pobre, como servo da gleba' e sofrer tudo a regressar àquelas ilusões e viver daquele modo?"
(Platão, "A República")
A propósito do grupo militante chamado entre nós Climáximo, na esteira de outros por esse mundo fora e da mensagem do sueco Andreas Malm que até já escreveu sobre a melhor forma de fazer explodir um 'pipeline', o cronista do Público António Guerreiro levanta uma série de questões urgentes:
"Movimentos como o Climáximo partem da evidência de que já estão esgotadas todas as tentativas democráticas de contestação e o que está em causa é de uma grandeza e de uma urgência que não se compadecem com mais hesitações. A seu favor têm os relatórios científicos que já quase ninguém contesta; mas contra si têm o facto de vivermos em estado de disjunção cognitiva."
As acções eco-terroristas intentadas por esses movimentos sobre o material (até ver não visando as pessoas), constatada que foi já por todos, os "conscientes" e os "inconscientes" da emergência climática de que não se pode esperar nada de decisivo da parte dos Estados, reféns que são nas democracias do "povo soberano" nos seus complexos estratos e interesses corporativos e, nas ditaduras, da agenda de conservação e reforço do poder pessoal, são, evidentemente, desesperadas, mas duvido que travem qualquer grande iniciativa democrática. E, para todos os efeitos, prevalece o que Guerreiro chama de "disjunção cognitiva" da população mundial perante o que seria já a "sexta extinção em massa" em curso no planeta.
Na verdade, a violência destas manifestações inspiradas vagamente numa postura ecológica e na ideia ingénua de que um consenso será alguma vez possível para a salvaguarda do nosso habitat, senão quando for demasiado tarde, deixa supor que bastaria a acção concertada das nações no sentido de diminuir as emissões de carbono na agricultura e de restringir o consumismo, nomeadamente, no turismo e no transporte individual, para evitar o cataclismo. A ideia por detrás deste utopismo, segundo o articulista, são as nossas crenças na "geoengenharia e na tecnologia". Podemos fechar os olhos perante o desastre iminente porque uma descoberta genial está prestes a revelar-se nalgum laboratório ou universidade em qualquer lugar do mundo.
A Irresponsabilidade é, de facto, a dos grupos que querem dar a ideia de que estão a lutar pelas medidas mais drásticas e, assim confortam no seu "sono dogmático" os que esperam essas mudanças sem realmente as quererem nem compreenderem.
Estaria em causa o ocultamento da verdadeira causa das alterações climáticas, segundo alguns, que não se deixam intimidar pela incongruência, ao apontarem o dedo ao "modo de produção capitalista". Acontece que nunca existiu uma alternativa ecológica a esse "modo de produção" (as variedades de capitalismo ideológico são tão ou até mais gravosas para o planeta, dado não existir omnisciência individual e consideradas as características paranóicas das ditaduras).
A "verdadeira causa" podemos não ser capazes de a pensar ou exprimir. Mas sabemos fazer algumas projecções lógicas e as que fazemos são alarmantes para quem não for velho demais.
Diria, portanto, na minha modesta opinião, que será irresponsável alimentar ilusões se os "decisores" deste mundo, fazendo-se respeitar e compreender, tiverem, além dos meios para inverter a marcha para o desastre, a ideia do que é preciso fazer. Ora, nós ainda nem sabemos lidar com fenómenos como os Trumps de fora e de dentro e os Putins e os Netanyahu deste mundo.
Neste quadro, romper com as ilusões só pode ajudar ao desastre. É como estamos distantes do homem que saiu da caverna platónica.
Uma série da Netflix cavalga esta onda de "fim do mundo", num estilo quase histérico. Chama-se "O problema dos 3 corpos". Começa por algumas cenas violentas da Revolução Cultural chinesa, em que se ataca a ciência burguesa e o seu expoente máximo, Einstein. Os físicos são especialmente mal tratados e obrigados a abjurar as suas convicções científicas. O paralelo com o tempo presente, niilista para muitos, e de falência dos valores e das certezas da física, é brusca e demagogicamente estabelecido. Faz-se esperar o filme reflectido que nos sirva de espelho.
LÁPIS AZUL?
Sendo um dos directores/redactores da "Periscópio" desde a primeira hora, o autor do "Depoimento" não pode ignorar não só o espírito como as regras que a presidem. Tal como não pode ignorar que nunca ninguém, incluindo ele próprio, utilizou a revista para veicular propaganda de campanha. Isto significa que é impróprio pôr-se de fora, ele redactor, de um lado, e a direcção, do outro, que é o que resulta do que escreve na primeira linha: “não foi publicado o meu artigo por, segundo parece, não se enquadrar…”.
De resto, publica-se na íntegra o "Depoimento", apesar destas incorrecções, porque não custa nada a admitir que a censura é, de facto, um mal planetário, sobretudo nas ditaduras...
NO CORRER DOS DIAS
Marques da Silva
A vida no seu deslizar pelo tempo acaba por semear raízes na nossa memória que brotam em flor quando procuramos acordar o passado. Sobretudo o passado mais longínquo parece renascer com cores diferentes daquelas com que o vivemos. Os lugares e as pessoas aparecem no presente mais vibrantes, festivas e com um sentimento cativante, algumas com imensa ternura. Eram os dias da eternidade, da esperança que rompia o medo e saltava sobre os mais diversos obstáculos que a cada esquina do tempo surgiam. A cada amanhecer descobríamos um sorriso no rosto de cada pessoa que nos tombava no olhar e crescíamos na dureza granítica das dificuldades, rompendo o abismo com a força hidráulica das máquinas construtoras. Viajávamos pela cidade como numa floresta, descobrindo os recantos sombrios, alimentando de luz os musgos invernosos e solidificando as paredes que erguíamos. Vivíamos o futuro como se já tivesse chegado, soletrávamos as letras dos poemas que nos queriam proibir de ler e ensaiávamos melodias que nos conduziam por avenidas amplas e sem fronteiras. Agíamos como se fôssemos imortais, pensando nos soldados de Dario, e cada um movia-se como se fosse parte de uma imensa coluna de blindados à conquista do amanhã. No silêncio das tardes sem fim, com o olhar em alerta percorríamos as ruas do velho burgo, as suas vielas esquecidas, com as suas quintas escondidas atrás de antigos muros de onde irradiavam lanços de roseiras florindo misturando-se com buganvílias extensas. Interiorizávamos o sentimento de que vivíamos em constante primavera, como se fosse uma festa da vida, um júbilo contagiante que nos impulsionava para a não desistência. E quando a noite chegava, por entre as sombras nocturnas, pelos bairros e ruelas, imitando o poema que falava de liberdade, espalhávamos a voz daqueles que não se viam, aqui e ali e mais adiante, como se a luz dos escassos lampiões nos indicassem o caminho onde só existiam rios que corriam para o mar. Eram as madrugadas sem fim que nos levavam sem descanso para diante. E a cada jornada sentíamos a queda de uma pedra do muro que nos tapava o futuro, que nos impedia de alcançar os dias serenos com que construíamos sonhos. E não faltava tempo, alcançávamos sempre o que não conseguíamos medir, mas pulsava em nós como uma canção que a memória soletrava baixinho. E encontrávamos olhares na quietude dos fins de tarde quando a luminosidade nos começava a apresentar a noite, eram olhares com tanta luz que acendiam de novo o dia e nos descansavam a alma em sonhos impossíveis. Para além do nosso, havia os olhares dos outros, daqueles que por nós passavam, nos rodeavam, entre os quais nos movíamos como parte de um todo que nos servia de refúgio. Cada um com a sua rotina, o seu trabalho, o seu mundo de dificuldades e as suas quimeras guardadas na amargura do tempo sem fim. O caminho do rio e do mar, os navios que iam e vinham, as pontes da travessia unindo lugares e fusionando uniões que permitiam um caminho mais largo, menos penoso, mais fortificante. Está tudo tão longe e ao mesmo tempo ainda se sente o pulsar daqueles dias plenos de fraternidade, de almas comuns que se amparavam na solidão silenciosa de um caminho que podia ser longo. “Unidos como os dedos da mão”, perseguíamos utopias, desses sonhos que só se alcançam caminhando, e a cada vitória, a utopia afasta-se um pouco mais, como nos explicou esse imenso escritor uruguaio, e de novo voltamos a caminhar. Sentados agora na arca do tempo, olhamos para o longe com o sentimento do presente e chega até nós o toque do tambor daqueles que insistem em desbravar bosques fechados com as mãos livres de quem resiste.
DEPOIMENTO
Manuel Joaquim
Na Periscópio de Março passado não foi publicado o meu artigo por, segundo parece, não enquadrar-se no espírito da revista, apesar da mesma não pretender pôr em causa a liberdade política do autor e o texto ser da sua exclusiva responsabilidade.
A vida não está fácil para qualquer censor. Mas a censura, hoje, Já não se faz com o lápis azul como antigamente. Há decisões políticas à escala global para proibir determinados órgãos de comunicação social e determinados assuntos que ponham em causa a voz do dono.
Já antes da guerra na Ucrânia os sites da Rússia, da China e de outros países foram bloqueados. Brevemente haverá mais restrições. A União Europeia, na sua última reunião, decidiu nomear um finlandês para elaborar um relatório para estabelecer regras na comunicação social a nível europeu para acabar com opiniões que ponham em causa as suas orientações sobre a guerra na Ucrânia (Europa?). No domingo passado, numa intervenção musical, uma cantora referiu-se que por este caminho seremos proibidos de cantar determinadas canções.
Após o 25 de Novembro a censura fez-se com perseguições e despedimentos de jornalistas, privatizações e vendas de órgãos de comunicação social e o recrutamento de muita gente ligada aos novos poderes. Agora está aí com passadas invisíveis e o trabalho dos censores será fácil com a utilização de algoritmos que tomarão as convenientes decisões, o que, aliás, já se verifica. A imprensa não é livre e brevemente vai ser mais amordaçada.
A maioria dos comentadores são escolhidos a dedo. Uns expressam as suas opiniões, outras as opiniões de quem servem. Alguns sofrem de dissonâncias cognitivas que é um conflito mental entre os factos e o que pensam, seguindo em muitos casos um determinado guião. Para estes, existem países governados por ditadores, autocráticos, com falsas eleições, manipuladores e tudo o mais, mas são estes mesmos que passam o dia a proibir, a reprimir, a censurar e a intervir em casa alheia. Pretendem que os factos coincidam com o que pensam.
No domingo à noite assisti a um debate na CNN, sobre a guerra na Ucrânia e sobre o ataque terrorista em Moscovo, entre um senhor chamado embaixador José Vítor Silva Ângelo, nascido em 1949, no Alentejo, que foi secretário-geral da ONU, que passou anos em vários países de África como representante da ONU e que pelos vistos é conselheiro de segurança nacional, e o major-general Agostinho Costa. O senhor Vítor Ângelo depois de vários comentários e referindo as suas experiências defendeu a opinião de que o ataque terrorista tinha sido um autogolpe de Putin para justificar ataques a sério à Ucrânia. O major-general Agostinho Costa disse-lhe que os comentários não devem ser infantilizadores para os espectadores e devem ser baseados em factos. Que a Rússia tem feito ataques muito a sério na Ucrânia, não precisa de pretextos para intensificar a guerra. O embaixador, perdendo as estribeiras, declarou que o major-general para falar com ele tinha que se pôr em sentido e bater-lhe continência.
O embaixador deve dizer que experiências teve de terrorismo ao longo da sua vida especialmente nos países africanos por onde passou para ficarmos mais esclarecidos.
Do Poeta Palestiniano, Tawfiq Zayyad (1929 – 1994), transcrevo da revista O Militante, Novembro/Dezembro 2023, parte do poema
AQUI FICAREMOS
(…)
Aqui ficaremosFaçam-nos o piorNós guardamos a sombraDa oliveira e da figueiraNós semeamos as ideiasQual fermento na massaOs nossos nervos estão enregeladosMas o fogo do inferno aquece os nossoscorações.
Se tivermos sedeEspremeremos as rochasSe tivermos fomeComeremos a terraMas nunca partiremos.O nosso sangue é puroMas não o pouparemos.Aqui temos o nosso passadoO nosso presenteE o nosso futuroO nosso futuro está atrás de nós.Como se fôssemos vinte impossibilidadesEm Lydda, em Ramla, na GalileiaÓ raízes vivas agarrem-se firmementeE penetrem no fundo da terra.
É melhor para o opressorRefazer as suas contasAntes que a roda desande«Para cada acção há uma reacção» - ouçamO que diz o Livro.
POESIA
Helena Serôdio
ENIGMA
Se eu passar para além da compreensão
Do mistério e do próprio pensamento,
Não procures mais a explicação
Porque eu vivo também nesse tormento...
O enigma do amor e da paixão
Faz-me sempre vibrar de sentimento,
Mas não pode atingir a perfeição
Porque em mim dura apenas um momento...
Consciente de mim não sei quem sou,
Meu amor, nada tentes desvendar
Porque assim o destino me criou.
Em mim tudo é estranho, sou suicida
E este inconformismo há-de frustrar
Tudo quanto sonhei na minha vida!...
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