António Mesquita
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Em 'Stalker", filme de 1979, um pobre de espírito é o guia de dois intelectuais desiludidos até à "Sala", na zona proibida, onde todos os seus desejos serão cumpridos. Estes, acreditaram nisso enquanto não chegaram àquele destino. Tiveram medo sempre que o guia os prevenia dum perigo, duma armadilha, para acabarem no café da partida, diante da vida sem sentido, nem esperança. Para eles não houve epifania nenhuma, só para o pobre de espírito.
Em "Solaris", de 1972, admite-se bombardear o oceano, que se pensa ser uma espécie de cérebro, do estranho planeta que os terrestres estudam há tempo de mais, sem chegarem a nenhuma conclusão. A ideia é atacar para obter uma resposta que esclareça os humanos sobre uma realidade outra.
Necessariamente, a água deve deixar aquele desenho na areia e a garrafa de plástico lançada à praia seguiu esse trajecto, rolar com água nivela dentro até bater no rochedo. É fácil falar das leis, mas a natureza sou eu. Todos os sinais que serviram a esta descrição duma cena marinha e tudo o que a análise das relações sujeito-objecto podia razoavelmente concluir apenas explicam o que eu já sei: só posso conhecer a separação. A ciência e a percepção instituem-me como elemento distinto do mundo. O domínio dos factos caracteriza-se pela sua capacidade de se mudar em linguagem. Mas a soma de todos os pontos de vista e de todas as formas de expressão que se podem tirar da facticidade não fundam nenhuma espécie de conhecimento, nem nenhuma realidade transcendental. O que é próprio do saber acumulado e da história do sujeito ocidental é a divisão do ser em pensamento e matéria. É para mim evidente que o real da ciência é a relação e a forma humana, e que o objecto último ou a causa primária só são acessíveis à experiência mística e religiosa que passam, significativamente, pela “morte” do sujeito da consciência. A ciência alimenta-se de si mesma. Morder a própria cauda não é apenas distintivo da “maldade” reptiliana. É também a forma de crescimento das civilizações técnicas. A nossa potência multiplica-se com o desenvolvimento e a complexificação da nossa rede mental e dos seus prolongamentos tecnológicos. Cada novo instrumento, cada nova teoria parecem colocar a humanidade à beira dum limiar que resolve o problema de Deus, que é o problema do conhecimento. Mas nessa questão não há, nem pode haver, verdadeiro progresso. A filosofia repete-se e é sempre nova. Platão é tão actual como outrora, apenas nos tornamos um pedaço mais vaidosos, mais vencidos por um estendal de falsas provas. Nesse sentido, o progresso da técnica significa um impasse e um retrocesso para o pensamento. Não somos livres se não nos desfizermos desses arranha-céus matemáticos e dessas bombas de materialismo e de lógica. Quem pode pensar diante dum espectáculo desses? As realizações tecnológicas impõem-nos o seu pensamento que é cada vez menos humano.
Com a mesma temeridade com que nos lançamos à conquista do espaço, uma espécie de western metafísico, fazemos uma verdadeira especulação imobiliária com o real. Transformamos a realidade num produtor de saber tecnológico, ou vice-versa, sem nos darmos conta que a mediação nos veda infalivelmente a experiência do real.
O tempo e o espaço são nossos, mas a ciência debate-se consigo própria. Em "Solaris", de Stanislav Lem, a personagem Snaut diz com propriedade: “Não precisamos de outros mundos. Precisamos de espelhos.” E é isso que significam as várias "visitas" que perseguem os astronautas. O nosso cérebro e o nosso corpo parecem ser o único objecto. O oceano solarístico envia os seus simulacros humanos, tirados da experiência dos próprios "Salteadores da Arca Perdida", como um reflexo que os confunde e enlouquece.
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