01/09/20
A CORONAPAUSA
Mário Martins
Ortega Y Gasset
Assim como, na visão de Marx, os homens estabelecem relações independentes da sua vontade na produção sócio-económica da sua existência, também agora, contra a nossa vontade, fomos obrigados a parar devido à ameaça do novo coronavírus.
Esta condição humana, de a nossa vontade, individual e colectiva, estar sujeita a forças ou circunstâncias naturais que não dominamos é, como sabemos, de todos os tempos, embora soe mais absurda numa época, como a nossa, de euforia tecnológica.
Aliás, se examinarmos o nosso percurso de vida individual, facilmente reconheceremos, em muitas situações, o factor preponderante do acaso e a correspondente menorização do livre-arbítrio.
Este, o livre-arbítrio, é uma capacidade de escolha que, todavia, nunca é livre da mudança contínua das circunstâncias exteriores nem da variabilidade dos humores do corpo de cada indivíduo, constituindo, de qualquer modo, uma característica humana tão natural como qualquer outra. A ideia, contra os factos e sem prova, mas sempre de algum modo presente, de que a natureza é uma coisa e nós outra, além de não ter fundamento é perigosa.
Na frase lapidar do filósofo espanhol vemos “uma concepção do homem como um eu-circunstância, indissociável do seu meio. Dito de outro modo, o eu é distinto da realidade à sua volta, mas inseparável desta.” (Wikipédia). Daqui não se segue que o homem é um mero joguete do meio. Ambos, homem e meio, se influenciam mutuamente no concerto misterioso da natureza.
NO CORRER DOS DIAS
A casa rural do Baixo Minho (1750-1810) scielo.br
Perguntado, a indicação do taxista tinha sido muito precisa. Numa curva apertada para a direita tem uma abertura em frente, parece um portão que vai dar a uma eira. Assim era e ao chegar percebeu, ou pareceu-lhe que o carro não entrava pelo que estacionou nas redondezas. Ao passar pela entrada, compreendeu que era um caminho de terra batida que conduzia a um conjunto de habitações erguidas no interior de uma quinta que já não era.
QUESTÁO DE FORMA?
António Mesquita
Para escrever, hoje, não precisamos de uma biblioteca, como o Jesus de Pessoa já não precisava. Tudo está ao alcance de um clique. E em vez de percorrer as estantes pela ordem das matérias e dos títulos, digitar a palavra-furão.
Jules Renard (1864-1910) |
Depois de tantos séculos posso afirmar/ que a escrita é uma escravidão dura."
(Fiama Hasse Pais Brandão: "Área Branca")
Para escrever, hoje, não precisamos de uma biblioteca, como o Jesus de Pessoa já não precisava. Tudo está ao alcance de um clique. E em vez de percorrer as estantes pela ordem das matérias e dos títulos, digitar a palavra-furão.
Já houve quem definisse a verdadeira cultura do indivíduo pela sua capacidade de encontrar a citação que lhe falta no acervo de volumes da sua biblioteca. Pressupunha, é claro, que ele os tivesse lido primeiro para retirar, num gesto expedito, o livro certo.
Em contrapartida, ao moderno utilizador do Google ou da Wikipedia, bastará, em vez daquela leitura, a explicação que acompanha a expressão ou a frase em questão. É como se em vez de conhecer pessoas para pensar ou dizer algo sobre elas, o seu carácter, a sua história, nos ficássemos por uma informação de segunda mão.
É verdade que o novo método de "aprendermos" não é uma escolha. É uma cultura de que já não nos podemos diferenciar. A complexidade crescente da informação e do universo escrito, mais cedo ou mais tarde, haveria de nos confrontar com a necessidade de recorrermos à inteligência artificial.
Fiama diz que o trabalho da escrita é duro, uma escravidão. Pensará não na dificuldade de tomar em conta tudo o que a rodeia e, por exemplo, o que os outros escreveram, mas no problema da forma, que em poesia é mais crucial ainda do que nas outras áreas da literatura. Nem de propósito, tenho diante de mim o "Journal" de Jules Renard (1864-1910), em que ele conta, no seu estilo inimitável:
"Quando os nossos confrades não estão presentes, e que lemos Musset, sentimo-nos imediatamente emocionados. Na verdade, se olharmos de perto, estes versos parecem mal feitos, e longe da perfeição moderna. É, portanto, qualquer coisa de muito prejudicial, a forma."
Renard assume aqui que o poema de Musset era mais verdadeiro ou mais belo, antes de ser torturado pela regra formal que era consenso na sua época.
Ora, a facilidade maravilhosa com que encontramos o que queremos na internet sujeita-nos à regra do universal, já que havemos de prescindir da experiência pessoal de ler o livro cujo contexto foi formatado e simplificado pelo motor de busca.
Com isto, não estou a dizer, no caso, que o trabalho da poesia possa sempre ser "espontâneo" e rebelde à forma consagrada, e por isso, menos torturado. Aliás é porque existe a lei da forma que alguma poesia pode ser dita "livre".
TEMPOS DE CRISE
Manuel Joaquim
https://www.google.com/search?q=pandemia+2020+mundo&tbm=isch&ved=2ahUKEwjIkIb0jsjrAhVKEhoKHXReAGEQ2-cCegQIABAC&oq=pandemia+2020+mundo&gs_lcp=ChJtb2JpbGUtZ3dzLXdpei1pbWcQAzIGCAAQCBAeMgYIABAIEB46BAgjECc
6BAgAEB46AggAUJ5PWNt0YOR-aABwAHgAgAHfAYgBvw6SAQYwLjEyLjGYAQCgAQHAAQE&sclient=mobile-gws-wiz img&ei=0lNOX8jfCcqkaPS8gYgG&bih=680&biw=1280&client=tablet-android-samsung&prmd=imnv&safe=active&hl=pt-PT&hl=pt-PT#imgrc=_mie2zUxkpTGFM&imgdii=3iN9Vc6mwB2szM
Diarreias de língua temos encontrado nestes tempos de pandemia em jornais, revistas, folhas de couve que se publicam em muitos locais, programas de rádio e de televisão sobre a realização da Festa do Avante! no sentido de influenciar as pessoas com o medo e condicionar as instituições de forma a isolar politicamente o PCP, partido organizador daquele evento.
Uma das pessoas que mais tem dado à língua é um conhecido dirigente partidário, de formação germanófila, não sei se em casa tem a águia imperial, que, esquecendo-se de apresentar propostas válidas para a resolução dos problemas do país e das pessoas, cavalga o tema sem vergonha. A sua linguagem nunca foi brilhante. Desde os tempos de estudante e quase sempre nas direcções das associações da sua escola, habituou-se a ter a língua cheia em convivência com as direcções da escola nomeadas para servirem os interesses dominantes. Para isso, em determinada altura, o Banco Mundial mandou fechar a escola para alterar os programas de ensino.
Muitos estudantes, após o 25 de Abril, fizeram os seus cursos universitários, com passagens administrativas, simplesmente por estarem matriculados nas diversas disciplinas. Outros, beneficiando do encurtamento de tempos para a realização de exames por terem estado no serviço militar. Outros, por estarem nas direcções das associações de estudantes e passarem a beneficiar de calendários diferentes para a realização de exames e alguns a beneficiarem do conhecimento antecipado dos exames por diversos esquemas montados, nomeadamente através de explicações dos próprios professores a quem pagavam generosamente.
O actual Governador do Banco de Portugal, numa ocasião em que era ainda Ministro das Finanças, a uma pergunta que lhe foi dirigida pelo tal dirigente partidário, economista, sobre um determinado assunto que estava em discussão na Assembleia da República, respondendo, disse-lhe que ele simplesmente não percebia nada de economia. E o homem calou-se, certamente reduzido à sua expressão mais simples, mas não com vergonha por não a ter.
Os tempos de crise não resultam só da pandemia. Existe uma verdadeira pandemia nas relações internacionais provavelmente mais grave do que a pandemia do coronavírus19. A crise económica está em desenvolvimento acelerado desde muito antes da crise do vírus.
A Segunda Guerra Mundial não teve o desfecho que muitos esperavam. As guerras da Coreia e do Vietname também não. As derrotas nas guerras do Afeganistão, do Iraque e da Síria já foram praticamente assumidas. Mas continuam a destruir pessoas e riquezas. Maus ventos aproximam-se das nossas casas. A Turquia, Grécia e Chipre, com intervenção clara da EU/Nato, (Turquia pertence à Nato); a Líbia, com intervenção da Turquia e Egipto e outros; a Bielorrússia, com intervenção EU/Nato e Rússia. Mais longe, mas tão perto, os conflitos da Venezuela e EUA e Colômbia; da China e EUA; Irão e EUA, sem esquecer a Coreia.
Os noticiários falam cada vez mais sobre os EUA. É a crise do vírus, do racismo, do desemprego, da campanha eleitoral em curso, das dificuldades crescentes das populações. As incertezas sobre o futuro próximo podem levar algumas cabecinhas que lá existem a provocarem conflitos militares, conflitos de “falsa bandeira”, para justificarem intervenções militares para desviarem as atenções dos problemas internos. Foi sempre assim. Mas nos últimos dez anos a situação mundial alterou-se profundamente.
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