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01/09/20

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A CORONAPAUSA

Mário Martins




Aviões de passageiros da Delta são vistos estacionados devido à redução no número de voos para retardar a propagação da doença por coronavírus (COVID-19) no Aeroporto Internacional de Birmingham, nos EUA, em 25 de março  — Foto:  Elijah Nouvelage/Reuters

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/31/o-mundo-em-pausa-fotos.ghtml




"Eu sou eu e a minha circunstância”
Ortega Y Gasset

Assim como, na visão de Marx, os homens estabelecem relações independentes da sua vontade na produção sócio-económica da sua existência, também agora, contra a nossa vontade, fomos obrigados a parar devido à ameaça do novo coronavírus. 

Esta condição humana, de a nossa vontade, individual e colectiva, estar sujeita a forças ou circunstâncias naturais que não dominamos é, como sabemos, de todos os tempos, embora soe mais absurda numa época, como a nossa, de euforia tecnológica. 

Aliás, se examinarmos o nosso percurso de vida individual, facilmente reconheceremos, em muitas situações, o factor preponderante do acaso e a correspondente menorização do livre-arbítrio. 

Este, o livre-arbítrio, é uma capacidade de escolha que, todavia, nunca é livre da mudança contínua das circunstâncias exteriores nem da variabilidade dos humores do corpo de cada indivíduo, constituindo, de qualquer modo, uma característica humana tão natural como qualquer outra. A ideia, contra os factos e sem prova, mas sempre de algum modo presente, de que a natureza é uma coisa e nós outra, além de não ter fundamento é perigosa. 

Na frase lapidar do filósofo espanhol vemos “uma concepção do homem como um eu-circunstância, indissociável do seu meio. Dito de outro modo, o eu é distinto da realidade à sua volta, mas inseparável desta.” (Wikipédia). Daqui não se segue que o homem é um mero joguete do meio. Ambos, homem e meio, se influenciam mutuamente no concerto misterioso da natureza.

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



                                                             A casa rural do Baixo Minho (1750-1810) scielo.br

Perguntado, a indicação do taxista tinha sido muito precisa. Numa curva apertada para a direita tem uma abertura em frente, parece um portão que vai dar a uma eira. Assim era e ao chegar percebeu, ou pareceu-lhe que o carro não entrava pelo que estacionou nas redondezas. Ao passar pela entrada, compreendeu que era um caminho de terra batida que conduzia a um conjunto de habitações erguidas no interior de uma quinta que já não era.



Perguntou pelo Ferreira a uma anciã que se movia já com os vagares de quem tem pouco caminho para andar e não tem pressa. «Vê aquelas laranjas a brilhar?». Via perfeitamente e seguiu. Há nomes que não podem enganar, nasceram com os lugares e acabam a dar-lhes memória. Aquela Rua Subpenedo não deixava muita margem para dúvidas, ou dito de outra forma, o penedo que se erguia por cima da que fora uma quinta de lavoura não deixava dúvida sobre a origem do nome da rua. As primeiras casas estavam escuras, não da cor, mas do frio, da humidade e da pobreza que se sentia. Talvez não chegasse à miséria, mas era carência em índices elevados. Não era apenas aquela sombra que o Inverno não deixa aquecer, sentia-se no ambiente, no peso da paisagem, na alma das pessoas. O caminho volteava e em breve alcançava o sol. Ali estava num quadro de transição entre o Douro Litoral e o Minho, entre um território mais povoado e outro que esconde as casas no interior de vegetação que o aproximar da primavera torna viçosa. Mas as pedras, aquele granito acinzentado, não aquece em nenhum dos lados. Arrefece, gela o corpo e o ânimo dos Homens. Só as lareiras interiores penetram nas raízes e confortam a rigidez do frio nocturno. Ao amanhecer, arrefecidas as achas que não chegaram a queimar-se, é difícil ignorar os cinco graus que caíam do ar que envolvia a terra. Onde o dinheiro escasseia para o alimento, a lareira dificilmente aquece. Ao dobrar do caminho, viu a eira, mas tudo parecia fechado. À direita, no cimo das escadas, de pedra naturalmente, viu o 188 e a esperança de encontrar alguém, derreteu-se com mais rapidez do que aquela com que o sol afastava o frio ali onde batia com toda a grandeza com que o apreciamos. Apesar da luz que aquecia toda a eira, o que os seus olhos viam era um ambiente, limpo, mas de abandono. O que o desanimou, foi ver a porta e as janelas fechadas e por trás destas, sem cortinas nos vidros, as portadas também encerradas. Ou dormiam ainda o que não parecia possível ou não estavam. A vida, ensinou-lhe a não desanimar à primeira e subiu os quase dez degraus, batendo sem muita força aos vidros. Como a esperança de que o atendessem não era muita, olhou para a montanha em frente. Sem ser elevada era a barreira que separava as províncias. Teve sempre a alma dividida entre o Douro e o Minho e acabava por se sentir bem em ambos os territórios, mas não escondia que a norte do Ave, sim esse Ave sujo, imundo que corria parado um pouco abaixo, era uma atracção que não resistia. Passados alguns segundos e para consolo seu, a portada começou a abrir-se. Olhou e fixou o homem. «Sr. Ferreira?», disse, não acreditando que a resposta fosse sim. «Sou eu». Demorou um pouco a reagir. Procurou olhar para si próprio no reflexo dos vidros e prometeu que não voltava a dizer que estava a envelhecer. Aquele homem de cinquenta anos, aparentava muito mais de setenta. A velhice não se encontra com a idade, mas com o peso da vida e da miséria, do trabalho e da escassez. Matam-nos o corpo, muito antes de nos esgotarem a alma. Entrou em silêncio recuperando fôlego e preparando-se para o que ia ouvir, já tantas vezes escutado e que não deixava de o surpreender sempre. Sentaram-se ambos num sofá também ele gasto pelo tempo e pelo uso, pois quem nada tem, passa demasiado tempo sentado. O espaço era limpo e ordenado, mas sentia-se um vazio imenso em redor. A televisão parecia recuperada da série televisiva “Conta-me como foi” e as paredes, brancas e limpas, viam a tinta cair aos poucos sem que alguém tivesse forças para a segurar ou repor. Os quadros, eram de fotografias antigas, gastas por um tempo que a memória já não retinha. Tudo o resto era pouco que os 440,00 euros mensais não podiam alimentar muito. «Desculpe que a minha mãe não está, pois foi à feira». Teria ido, certamente nos seus mais de setenta anos, daí a sala de entrada ainda ter ordem, que já não era totalmente extensiva à sala interior. Abriu-se um alçapão que parecia conduzir ao fundo de um tempo que não se queria ainda existir e a cave em terra batida com enormes lombas, guardava ou escondia coisas sem nexo em frias e escuras sombras. Restava apenas o sol que entrava pelos vidros. Voltaram a subir e despediram-se. Desceu as escadas e enfrentou de novo a luz do sol que teimava em querer aquecer as pedras. Tentou que o olhar contornasse a luminosidade. Do outro lado do rio, uma linha desenhava a N105 e entre duas casas o Alfa deslizava para Oeste. Caminhou mais devagar do que à chegada, gerindo a mágoa que lhe destroçava a alma e lhe fazia crescer uma raiva infindável. Olhou com mais atenção a vegetação nas margens do caminho. Mato queimado e silvas murchas, davam um ar de desamparo. Ao chegar ao carro, corria o noticiário. Falava um ministro ou um político, não se recorda, um desses que vivem de consciência tranquila. Falava de assuntos importantes para o país. Não chegou a saber o país do político, mas não era o seu, de certeza, nem o de milhares de Ferreiras que vivem escondidos no interior de quintas com nomes de rua.




QUESTÁO DE FORMA?

António Mesquita

Frases de Jules Renard (94 citações) | Citações e frases famosas
Jules Renard (1864-1910)



   Depois de tantos séculos posso afirmar/  que a escrita é uma escravidão dura."  
(Fiama Hasse Pais Brandão: "Área Branca")


Para escrever, hoje, não precisamos de uma biblioteca, como o Jesus de Pessoa já não precisava. Tudo está ao alcance de um clique. E em vez de percorrer as estantes pela ordem das matérias e dos títulos, digitar a palavra-furão.

Já houve quem definisse a verdadeira cultura do indivíduo pela sua capacidade  de encontrar a citação que lhe falta no acervo de volumes da sua biblioteca. Pressupunha, é claro,  que ele os tivesse lido primeiro para retirar, num gesto expedito, o livro certo.

Em contrapartida, ao moderno utilizador do Google ou da Wikipedia, bastará, em vez daquela leitura, a explicação que acompanha a expressão ou a frase em questão. É como se em vez de conhecer pessoas para pensar ou dizer algo sobre elas, o seu carácter, a sua história, nos ficássemos por uma informação de segunda mão.

É verdade que o novo método de "aprendermos" não é uma escolha. É uma cultura de que já não nos podemos diferenciar. A complexidade crescente da informação e do universo escrito, mais cedo ou mais tarde, haveria de nos confrontar  com a necessidade de recorrermos à inteligência artificial.

Fiama diz que o trabalho da escrita é duro, uma escravidão. Pensará não na dificuldade de tomar em conta tudo o que a rodeia e, por exemplo, o que os outros escreveram, mas no problema da forma, que em poesia é mais crucial ainda do que nas outras áreas da literatura. Nem de propósito, tenho diante de mim o "Journal" de Jules Renard (1864-1910), em que ele conta, no seu estilo inimitável:

"Quando os nossos confrades não estão presentes, e que lemos Musset, sentimo-nos imediatamente emocionados. Na verdade, se olharmos de perto, estes versos parecem mal feitos, e longe da perfeição moderna. É, portanto, qualquer coisa de muito prejudicial, a forma."

Renard assume aqui que o poema de Musset era mais verdadeiro ou mais belo, antes de ser torturado pela regra formal que era consenso na sua época.

Ora, a facilidade maravilhosa com que encontramos o que queremos na internet sujeita-nos à regra do  universal, já que havemos de prescindir da experiência pessoal de ler o livro cujo contexto foi formatado e simplificado pelo motor de busca.

Com isto, não estou a dizer, no caso, que o trabalho da poesia possa sempre ser "espontâneo" e rebelde à forma consagrada, e por isso, menos torturado. Aliás é porque existe a lei da forma que alguma poesia pode ser dita "livre".

TEMPOS DE CRISE

Manuel Joaquim
         

https://www.google.com/search?q=pandemia+2020+mundo&tbm=isch&ved=2ahUKEwjIkIb0jsjrAhVKEhoKHXReAGEQ2-cCegQIABAC&oq=pandemia+2020+mundo&gs_lcp=ChJtb2JpbGUtZ3dzLXdpei1pbWcQAzIGCAAQCBAeMgYIABAIEB46BAgjECc
6BAgAEB46AggAUJ5PWNt0YOR-aABwAHgAgAHfAYgBvw6SAQYwLjEyLjGYAQCgAQHAAQE&sclient=mobile-gws-wiz img&ei=0lNOX8jfCcqkaPS8gYgG&bih=680&biw=1280&client=tablet-android-samsung&prmd=imnv&safe=active&hl=pt-PT&hl=pt-PT#imgrc=_mie2zUxkpTGFM&imgdii=3iN9Vc6mwB2szM


Diarreias de língua temos encontrado nestes tempos de pandemia em jornais, revistas, folhas de couve que se publicam em muitos locais, programas de rádio e de televisão sobre a realização da Festa do Avante! no sentido de influenciar as pessoas com o medo e condicionar as instituições de forma a isolar politicamente o PCP, partido organizador daquele evento.

Uma das pessoas que mais tem dado à língua é um conhecido dirigente partidário, de formação germanófila, não sei se em casa tem a águia imperial, que, esquecendo-se de apresentar propostas válidas para a resolução dos problemas do país e das pessoas, cavalga o tema sem vergonha. A sua linguagem nunca foi brilhante. Desde os tempos de estudante e quase sempre nas direcções das associações da sua escola, habituou-se a ter a língua cheia em convivência com as direcções da escola nomeadas para servirem os interesses dominantes. Para isso, em determinada altura, o Banco Mundial mandou fechar a escola para alterar os programas de ensino.

Muitos estudantes, após o 25 de Abril, fizeram os seus cursos universitários, com passagens administrativas, simplesmente por estarem matriculados nas diversas disciplinas. Outros, beneficiando do encurtamento de tempos para a realização de exames por terem estado no serviço militar. Outros, por estarem nas direcções das associações de estudantes e passarem a beneficiar de calendários diferentes para a realização de exames e alguns a beneficiarem do conhecimento antecipado dos exames por diversos esquemas montados, nomeadamente através de explicações dos próprios professores a quem pagavam generosamente.

O actual Governador do Banco de Portugal, numa ocasião em que era ainda Ministro das Finanças, a uma pergunta que lhe foi dirigida pelo tal dirigente partidário, economista, sobre um determinado assunto que estava em discussão na Assembleia da República, respondendo, disse-lhe que ele simplesmente não percebia nada de economia. E o homem calou-se, certamente reduzido à sua expressão mais simples, mas não com vergonha por não a ter.

Os tempos de crise não resultam só da pandemia. Existe uma verdadeira pandemia nas relações internacionais provavelmente mais grave do que a pandemia do coronavírus19. A crise económica está em desenvolvimento acelerado desde muito antes da crise do vírus.




Se até há relativamente pouco tempo as crises económicas e políticas eram superadas através da intervenção militar, hoje, a situação alterou-se profundamente. As forças em presença estão muito mais equilibradas. Mas continuam a existir cabecinhas que estão interessadas no confronto, pensando que terão êxito.

A Segunda Guerra Mundial não teve o desfecho que muitos esperavam. As guerras da Coreia e do Vietname também não. As derrotas nas guerras do Afeganistão, do Iraque e da Síria já foram praticamente assumidas. Mas continuam a destruir pessoas e riquezas. Maus ventos aproximam-se das nossas casas. A Turquia, Grécia e Chipre, com intervenção clara da EU/Nato, (Turquia pertence à Nato); a Líbia, com intervenção da Turquia e Egipto e outros; a Bielorrússia, com intervenção EU/Nato e Rússia. Mais longe, mas tão perto, os conflitos da Venezuela e EUA e Colômbia; da China e EUA; Irão e EUA, sem esquecer a Coreia. 

Os noticiários falam cada vez mais sobre os EUA. É a crise do vírus, do racismo, do desemprego, da campanha eleitoral em curso, das dificuldades crescentes das populações. As incertezas sobre o futuro próximo podem levar algumas cabecinhas que lá existem a provocarem conflitos militares, conflitos de “falsa bandeira”, para justificarem intervenções militares para desviarem as atenções dos problemas internos. Foi sempre assim. Mas nos últimos dez anos a situação mundial alterou-se profundamente.





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