Marques da Silva
Há semanas atrás, numa crónica no JL, Boaventura Sousa Santos, utilizando um pensamento de Espinosa, explicava o mundo actual, através do medo e da esperança, dizendo-nos que, «medo sem esperança leva à desistência e a esperança sem medo pode levar a uma auto-confiança destrutiva.» Numa reflexão sobre o comportamento individual e colectivo, em curtas palavras, mostrava como as emoções exaltadas pela utilização do que chamamos as redes sociais, alteram os padrões e conduzem a atitudes impensadas e irreflectidas, exteriorizadas face a uma qualquer informação que chega sem qualquer filtro, concluindo que tudo isto acontece porque, «na ausência de uma alternativa, a degradação das condições materiais da vida torna-se vulnerável a uma ratificação reconfortante do status quo.» Acrescentando em palavras que não são sintetizáveis, nem substituíveis que, «Se convertermos os sentimentos de esperança e de medo em sentimentos colectivos, podemos concluir que talvez nunca tenha existido uma distribuição tão desigual do medo e da esperança a nível global. A grande maioria da população do mundo vive dominada pelo medo.» e que, por outro lado, «uma pequeníssima fracção da população mundial vive com uma esperança tão excessiva que parece totalmente destituída de medo.» Prosseguindo o seu raciocínio, o sociólogo, mostra-nos as consequências deste desequilíbrio entre a esperança e o medo: «No plano político, a democracia concebida como o governo de muitos para benefício de muitos tende a ser convertida no governo de poucos para benefício de poucos, a normalidade democrática vai-se deixando infiltrar pelo estado de excepção com pulsão fascista, enquanto o sistema judicial, concebido como império da lei para protecção dos fracos contra o poder arbitrário dos fortes, vai-se transformando na guerra jurídica dos poderosos contra os oprimidos e dos fascistas contra os democratas.». A crónica estende-se pelos direitos humanos e a forma insidiosa como têm sido utilizados pelo poder absoluto, desvirtuados em nome de crimes por justiçar. Tenta acordar-nos para a necessidade de revolta, de ruptura, de consciência colectiva e social que permita que a esperança recupere o equilíbrio perante o medo. Numa outra crónica, também no JL, Manuel Pedroso Marques, escreve que «A liberdade social e política, em diferentes níveis de vigência e institucionalização, como as formas que assume e é praticada, pelos poderes estabelecidos como pelos seus diversos agentes não esgota a temática da liberdade para o cidadão nem para o indivíduo». Sendo, só por si, interessante o distinguir entre o indivíduo e o cidadão, entre o eu e o ser social, coloca, sobretudo, a liberdade muito para além do conceito que o poder transporta, para quem somos sempre livres, exceptuando no cumprimento das regras estabelecidas, castradoras para uns e altamente beneficiosas para outros. E prossegue, MPM, na sua análise para mostrar que as formas de domínio de uns poucos sobre muitos, têm sido vividas mais com resignação do que com revolta. E desta constatação se pode explicar, o triunfo que vai ocorrendo do medo sobre a esperança, do medo imposto por uma minoria invisível, sobre a esperança de uma multidão social, politicamente mutilada por aquele medo. Há um discurso intelectual que se espalha, se difunde insidiosamente, que amplifica a ideia de que as lutas actuais não têm direcção nem destino, pelo que não geram alternativa, são apenas, o estrebuchar de massas desordenadas, pelo que a alternativa é tentar melhorar o poder e a sua democracia. É verdade, que nas revoltas que alastram pelo mundo, França, Colômbia, Chile, Líbano, Equador e um pouco por todo o planeta, todos os dias, em escalas diferentes, as massas populares parecem agir apenas emotivamente. Este é também uma consequência do triunfo do medo sobre a esperança. Negaram-se as lutas sociais do século XX que conduziram a êxitos extraordinários para todos aqueles que vivendo do seu trabalho nada tinham, e nessa negação mergulharam indistintamente os pensamentos e as ideias dos obreiros e dos líderes que permitiram alcançá-las. Mas como há quarenta anos atrás dizia um delegado sindical ao presidente da república, «mas não vai ser, não vai ser sempre assim», ou como escreve João Caraça em crónica recente, «é para lá do presente que provém a nossa única esperança. Há que construí-la e abraçá-la». Ou como dizemos nós, a história ensina-nos sem margem para dúvidas que a esperança voltará a caminhar sobre os escombros do medo. Não há outro caminho para a Humanidade.
Na década de 90, o semanário Independente, numa das suas primeiras páginas, titulava mais ou menos assim, uma notícia: «A mão que segura o Zézé». O Zézé era o irmão de Leonor Beleza. No mês de Fevereiro, o jornalista Manuel Carvalho, publicou dois editoriais no Público, através dos quais denegria, através de uma profusão de adjectivos, o regime venezuelano e o seu actual presidente. Por coincidência, Paula Teixeira da Cruz, publicava também a sua crónica sobre o mesmo tema e utilizando os mesmos adjectivos do jornalista. Há momentos em que as certezas absolutas de alguns, fazem vacilar as nossas, pelo que decidi fazer seis perguntas sobre a Venezuela: 1) é verdade que as últimas eleições presidenciais foram negociadas com a oposição? 2) é verdade que a oposição, exceptuando os partidos de extrema-direita, participaram na eleição com os seus candidatos? 3) é verdade que o processo eleitoral foi fiscalizado por observadores internacionais? 4) é verdade que o partido Voluntad Popular, onde milita Juan Guaidó, é um partido de extrema direita? 5) é verdade que o partido Voluntad Popular tem apenas 14 deputados dos 167 da Assembleia Nacional? 6) é verdade que o mandato de presidente da Assembleia Nacional tem a duração de um ano e não é renovável? Às três primeiras, José Luis Rodrigues Zapatero, ex-primeiro ministro de Espanha, respondeu, Sim; às três seguintes, a wikipédia também respondeu, Sim. Foi perante estas respostas que me ocorreu pensar no título do Independente e escrever, «de quem é a mão que faz correr Manuel Carvalho?».
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