Mário Martins
“Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da noite, na pureza da cal, na pequena pedra polida, no perfume do orégão.”
Sophia de Mello Breyner
Arte Poética I
“A poesia não é feita de palavras, mas da cólera de não sermos deuses.”
Agustina Bessa-Luís (Carta a Eugénio de Andrade)
Em Novembro, passarão os primeiros cem anos sobre o nascimento desse vulto maior da poesia, que cantou como ninguém o mar inicial, o branco da cal, o perfume do orégão:
“Na manhã recta e branca do terraço/Em vão busquei meu pranto e minha sombra/O perfume do orégão habita rente ao muro/Conivente da seda e da serpente/No meio-dia da praia o sol dá-me/Pupilas de água mãos de areia pura/A luz me liga ao mar como a meu rosto/Nem a linha das águas me divide/Mergulho até meu coração de gruta/Rouco de silêncio e roxa treva/O promontório sagra a claridade/A luz deserta e limpa me reúne”.
Na sua poesia ressalta o carácter bi-polar da Natureza, ora clara ora sombria, ora evidente ora transcendente, lugar onde se evocam os deuses que minoram a angústia do insondável:
“Sílaba por sílaba/O poema emerge/- Como se os deuses o dessem/O fazemos”.
Tal como o cinema de Tarkovsky, a poesia de Sophia busca a intimidade das coisas e dos seres, esse mistério que nenhuma teoria científica de tudo pode resolver:
“A luz oblíqua da tarde/Morre e arde/Nas vidraças/Nas coisas nascem fundas taças/Para a receber,/E ali eu vou beber./A um canto cismo/Suspensa entre as horas e um abismo/A vibração das coisas cresce./Cada instante/No seu secreto murmurar é semelhante/A um jardim que verdeja e que floresce.”
Por fim, poesia e poeta, como que se dissolvem, na busca:
“Um dia serei eu o mar e a areia,/A tudo quanto existe me hei-de unir,/E o meu sangue arrasta em cada veia/Esse abraço que um dia se há-de abrir./Então serei o ritmo das paisagens,/A secreta abundância dessa festa/Que eu via prometida nas imagens”.
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