StatCounter

View My Stats

01/08/19

O EFEITO DE ESPELHO

António Mesquita
Resultado de imagem para george gallup
https://cup-us.imgix.net/covers/9780231121323.jpg?auto=format&w=350




"Alguns peritos científicos em sondagens, como George Gallup, têm-se mostrado ansiosos em provar que a sondagem da opinião é uma ajuda, em vez de uma ameaça, para a democracia representativa. No seu "Pulse of Democracy"(1940), Gallup conclui com uma espécie de ameaça não intencional que "as limitações e as deficiências das sondagens são as limitações e as deficiências da própria opinião." O maior perigo das sondagens vem, contudo, não da sua inexactidão, mas da sua exactidão. Se e quando as sondagens se tornarem tão científicas que se possam predizer as nossas opiniões na urna de voto, nesse momento, terão talvez perdido a maior parte do seu interesse; ao mesmo tempo, naturalmente, o processo de votação ter-se-á tornado supérfluo. Os defensores das sondagens, como Gallup, declaram que as sondagens são valiosas - e até essenciais - para o que agora definem como o nosso governo representativo: "um governo sensível à opinião média da humanidade."

("The Image- A Guide to Pseudo-Events in America" de Daniel Boorstin, tradução de AM)


A cada vez maior "exactidão" das sondagens seria realmente um perigo para a democracia representativa, na medida em que a opinião dos cidadãos pudesse ser mais fielmente traduzida por uma sondagem do que por qualquer político eleito para a representar - ia dizer, por mais competente que fosse tal político, mas é óbvio que a competência, nesta versão da democracia, seria a do ventríloquo, toda a capacidade de iniciativa e talento do representante só tendo espaço para se exercer tanto quanto fosse desconhecida a opinião exacta do "soberano".

Pode, na verdade, imaginar-se um mundo em que a política fosse excluída da sociedade humana, por desnecessária e contraproducente, para dar lugar a um qualquer complexo automatismo de decisão. O que será mais difícil de conceber é que que isso fosse ainda uma democracia e que a regra geral desse governo correspondesse à opinião dos admnistrados cuja ignorância "técnica" seria também de supor.

Vem a propósito evocar aqui a ideia de Marx sobre o futuro do Estado depois da "Ditadura do Proletariado". Com efeito, estava no seu horizonte, uma "administração das coisas" racional e pacífica, com o "deperecimento gradual do Estado", numa sociedade sem classes. O Estado, concebido pelo marxismo como uma ditadura classista, tornar-se-ia supérfluo (como, segundo Boorstin, o voto dos cidadãos no dia em que as sondagens forem verdadeiramente "científicas").

Mas devemos concluir que as próprias sondagens se tornarão supérfluas numa perfeita admnistração. Não só porque a vontade dos novos cidadãos seria interpretada a cada momento através do seu registo 'on line' , mas também porque como acto político, o voto teria deixado de fazer sentido.

Termino com outra citação de Boorstin: "A opinião pública - que já foi um tempo a expressão do público - torna-se cada vez mais uma imagem a que o público conforma a sua expressão."

Sem comentários:

View My Stats