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02/11/17

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NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva




Quando as imagens nos alcançam deixam-nos naquela estupefacção de não conseguirmos compreender o que os nossos olhos vêem. Num primeiro instante, pareciam desenhos animados, uma cena de ásterix, de bonecos ou desenhos atirados ao ar, personagens puxadas pelos cabelos e vergastadas por todo o lado. Só quando a luz incide com mais clareza compreendemos que havias aberto o teu canil privativo e soltado os teus perritos sem açaime, com o grito «vamos a eles». A violência gratuita foi sempre o símbolo dos covardes, daqueles que utilizam o autoritarismo do poder para desencadear a imposição das suas ideias, das suas verdades, dos seus ódios, das suas desigualdades. No fim do dia lá apareceste tu, marianito, a falar de democracia com aquela cara de imbecil a que nos habituaste. Falavas de democracia e a memória trazia-me as palavras poéticas de violeta parra, “miren como nos hablan de libertad/ cuando de ella nos privan en realidad”. E na tua infinita estupidez falavas do teu país azul, de que são todos azuis, daqueles que só queriam perturbar a convivência entre todos os azuis, que essa nação azul nunca se vai fragmentar, injuriavas o nacionalismo dos azuis-escuros, enquanto exaltavas o nacionalismo dos azuis-claros, dizias que o país azul é uma nação onde vivem todos os azuis e eu sentia como a tua parvoíce ia aumentando na mesma dimensão da tua ignorância. Marianito, porventura, sabes o que é uma nação? Sabes que o teu país azul pode ser um Estado, um país, mas não é uma nação? Não sabes, nem necessitas de o saber, afinal o teu Partido Podre não precisa de explicar nada, as suas acções são demasiado esclarecedoras. A ordem e a constituição, bolçavas tu, marianito, como algo intangível e sagrado. Compreendo. O teu Partido Podre foi uma invenção do fraguita, onde se puderam acolher todos os criminosos, assassinos e torturadores que tiveram uma vida farta, à sombra do excremento ferrolano. Foi assim, com pactos de silêncio, é «melhor esquecer o passado, pois mexer-lhe é como abrir uma ferida que não mais vai curar», que cobriram, taparam com um manto vergonhoso os seus crimes, que ao longo de 40 anos, o regime violento e torturador que o vermezito sedicioso implantou sobre um milhão de mortos, passeados, fuzilados, torturados e explorados. É esse o teu país azul, marianito, que herdaste e prolongas, com as tuas audiências nacionais, essa tua justiça, a tua moderna inquisição, enquanto vais tirando do armário os esqueletos que a ditadura acumulou e foi guardando. Afinal, o teu país azul arrasta às costas um dos maiores genocídios da história. Resolves a política com a justiça, a mesma que mandou fuzilar e condenar o que produzia a tortura carcerária. Não, nada está esquecido e a prová-lo vem aquele senhor casado do teu Partido Podre dizer que se necessário voltam a fuzilar os azuis rebeldes. É este o teu país onde queres que sejam todos azuis, tu depois te encarregarás de separar os azuis-claros dos azuis mais escuros. Tu, marianito, falas da constituição, mas qual? A que vós derrubastes num golpe violento e criminoso, até hoje impune, ou a que, há 40 anos, cobriu com o tal manto de silêncio, os crimes amontoados? E falas de democracia num regime monárquico constitucional? Os teus azuis, são súbditos ou cidadãos? Uma democracia com um rei é uma democracia castrada, não passa disso. O teu reizinho quando fala para os azuis, fala em nome de quem? Quem lhe concedeu o direito de falar em nome de todos os azuis, pese embora sejam eles a pagar-lhe todas as extravagâncias, a ele e à sua mulherzinha de plástico? Era bom que usasses a cabeça de quando em vez, para variares um pouco a imbecilidade, mas tu não a usas. Tu, marianito és um desses seres perfeitos que vai morrer sem chegar a estreá-la. Sim, é certo, com a ajuda dos obreritos – são sempre tão úteis nestes momentos – vais vencer de novo, mas não te iludas, marianito, a questão vai continuar a germinar, e numa outra primavera quando pensares que já está tudo aquietado, a bolha vai rebentar-te de novo, em cheio nas ventas, pois ao contrário de ti, os povos têm dignidade e não nasceram para ser servos.

Era um país de florestas verdes, de montanhas e vales pouco extensos. Aqui e ali, uma pequena cordilheira, muitas árvores, aldeias penduradas nas encostas ou quase perdidas em extensas planícies. Três ou quatro rios dilatados em água e extensão, de antigas e novas estradas, com restos de comboios que ainda iam passando, paisagens que deslumbravam e seduziam e outras encantadoras. Havia também o oceano, esse infinito de azul que nos enchia de ternura nas tardes de primavera e de melancolia nas de Outono. E havia as gentes, simples, indisciplinadas, quase sempre tristes mas sem desânimo, no trabalho, nas epopeias, no construir de uma história tão singular. Havia também os abutres. Eram uma minoria, mas dizimavam tudo à sua passagem, numa ganância e vaidade obscenas. Esse país, bonito, era o meu país, onde nasci, cresci e vivi ao longo de uma vida. Esse país ardeu, num verão de terra seca por ausência de água e no meio de intensas e ventosas chamas, perante a cobiça e a negligência dos abutres. O esplendor do fogo tudo levou. Agora, esse país que era o meu, jaz em escombros de terra e cinza, deserto de vida e com muitas promessas dos… abutres.


Não sei se foi contigo que aprendi a viajar. Se não foi, depois de te conhecer as minhas viagens alcançaram outra dimensão, a da literatura, a da poesia, a do encanto, a de aprender a ver com o olhar, de sentir com alma, a deixar correr como um rio vagaroso os sentimentos que em nós penetram quando extasiados apreciamos o que é infinitamente grande ou pequeno, a encontrar a beleza na extensão mágica de lugares que não conseguimos definir e no contacto com as gentes tão diferentes e ao mesmo tempo tão humanas mesmo que apenas na extensão da sua pobreza tão explorada. Procuro imaginar-te percorrendo as terras da Pérsia, do Afeganistão, nesse tempo que nos parece de medo e receio que nos mostras tão límpido, tão simples e tão generoso e a guerra que explodia ao longe parecia não perturbar a serenidade dos dias onde a sobrevivência era o quotidiano dessas gentes que encontravas e te ofereciam o pouco que tinham. Quando muito mais tarde, o meu olhar se avizinhou dessas montanhas, ainda não te conhecia, mas agora sei que já via conforme me ensinaste a ver, só não consigo bordar de beleza as palavras como tu tão bem fazias. Não resisto a deixar um pouco de ti, Annemarie, neste curto e tão parco texto, usando as palavras que a tua alma escrevia: “quando vim ao Hindu Kush pela primeira vez, chegando pelo norte da planície tórrida do Turquestão, depois de transpor as suas gargantas históricas e grandiosas, senti-me tentada a escrever um hino e nada mais. Um hino ao seu nome, porque os nomes são mais do que designações geográficas, são música e cor, sonho e recordação, são o mistério e a magia – e longe de ser uma experiência decepcionante, é antes uma coisa maravilhosa redescobri-los um dia, carregados de esplendor, de sombra e de fogo, e da cinza fria da realidade. (…). Quando chegava a noite, na obscuridade sempre como que impregnada da cor leitosa de astros longínquos, voltava-me por vezes para sul, em busca de um reconforto e encontrava a mesma cadeia de montanhas azuis que me era já familiar.” Também cheguei pelo norte, pelas terras de calor abrasador e o pássaro de asas largas que me levava parou em pleno espaço aberto nessa altitude que nos pode fazer cair desamparados, e fiquei por ali, a contemplar essas montanhas azuis que viste. Creio que ainda lá estou. Aguardava pelas tuas palavras para traduzir as cores que os olhos viam, lembrando-me o que me ensinaste, que, “não podemos amar deveras aquilo que nem vimos com os nossos próprios olhos nem apertamos nos nossos braços”, pois, “até mesmo a nostalgia não é mais do que uma forma de solidão que se exala e se esvazia da sua substância”.     

“Todos os Caminhos estão Abertos”, Annemarie Schwarzenbach, Relógio de Água, Outubro de 2016)

Apenas eu te olho e pergunto porque te escondes atrás dessas lentes escuras, como se perante ti, estivesse uma luz agressiva, quando na verdade somos alcançados por esse sol dolente na tranquilidade de uma tarde que vai declinando. No teu rosto inexpressivo, nasce por fim um sorriso, com essa ternura com que acolhemos alguma mensagem que nos chega. Primeiro a tua mão leva o objecto até ao ouvido. De seguida percebes que as palavras são escritas e não faladas. O teu sorriso abre-se um pouco quando lês e ainda mais quando respondes. Passeias o sorriso e o olhar pela carruagem até ao exterior. Continuas sem me ver. Por fim, voltas a serenar e colocas de novo a escuridão das lentes sobre os olhos, deixando um rosto dividido entre o claro e o escuro. Mas nesse momento, quanto tudo já parece terminado, sou eu que vou em voo alado, soltei o pensamento e a memória, larguei as velas de um veleiro sem leme, remei para além das tuas negras lentes, os meus olhos já te despiram, já te amaram em noites sem nome e madrugadas sem fim, assaltaram a fortaleza imperial onde te abrigas, os meus olhos querem desposar-te como na poesia de Pessanha, erguer-te no limbo perfeito da imaginação que voa livre no interior da minha alma.

  

UMA ENORME TRISTEZA

Mário Faria




17 Outubro 


Não tenho dúvidas que foram cometidos erros graves na gestão da floresta, na prevenção e combate aos incêndios e de que os partidos do arco da governação são os primeiros responsáveis. Mas, deixar toda a responsabilidade à actual ministra da AI, parece-me absolutamente inadequado. Se o PR já veio a terreiro a pedir contas, não pode ficar o governo por um ralhete e mandar às urtigas apenas a responsável pelo MAI. E não pode chegar, se as culpas são tão claras e caem sobre todo o governo. Depois de Pedrogão os fogos passaram a ser um problema nuclear da governança e do Estado e, por isso, do primeiro-ministro. E falta ainda saber se não serão deduzidas responsabilidades criminais a alguns responsáveis. Por outro lado, temos agora uma “bíblia” que mostra os pecados, distribuindo culpas com generosidade e o que tem de se fazer para que nunca mais tenhamos de assistir a este tipo de acontecimentos.  Não acredito em tanta bondade e certeza. O governo colou-se ao documento como tábua de salvação. Agora é que nada vai ser como dantes, promete Costa, como se fosse fácil implementar novas competências, impor outros procedimentos, arquivar os antigos costumes e selecionar uma novas equipa, esperando de todos os parceiros a máxima lealdade e saber. É possível, o “Novo Livro” tem tudo, basta seguir o guião. Os portugueses são uns tipos porreiros mas pouco amigos da coisa pública e pouco activos na intervenção cívica. Pela minha parte, não acredito em milagres e vamos continuar a sofrer. As receitas vindas do conhecimento, ainda que cumpridas, vão ser operadas e monitorizadas pelas estruturas em funções e sujeitas a todas as ocorrências adversas que acontecem quase sempre em situações limite, sempre muito difíceis de combater e muito fáceis de avaliar e decifrar depois dos acontecimentos, quase sempre sem ligar aos constrangimentos próprios de quem tem de tomar decisões no terreno, sem tempo a perder e sem direito a segunda avaliação. Pode ser que a próxima estrutura integre quadros independentes e com poder para escolher os seus colaboradores em áreas estratégicas. Pelo que ouço na TV, seria canja para muitos. O “Alcaide espanhol denunciou “como terrorista a onda de incêndios ocorridos na Galiza. Percebo que não se dê relevo à notícia em Portugal, que poderia ser aplicável ao caso português, não fosse desviar o enfoque no tema principal: enfrentar, estudar e atacar todas as causas que produziram efeitos tão brutais. Tenho ouvido sábios comentadores e todos parecem saber o que fazer e como fazer. Na noite de ontem, numa mesa redonda, assisti a uma grande convergência de ilustres comentadores da SIC. Louçã fazia parte do grupo e antecipou o que hoje li de Mariana Mortágua e não fui capaz de travar um pensamento perverso e lembrei-me dos “cartilheiros” do futebol pátrio. O que sinto: um enorme desalento e muita tristeza. E muita dúvida. Na dúvida só sei duvidar. Espero que as diferentes autoridades sejam capazes de mitigar os efeitos da tragédia, honrar os mortos e tratar dos vivos.


18 Outubro

A direita raramente perde. E quando isso acontece veste a roupagem que está mais a jeito: adapta-se e preparar-se para um novo assalto. E vai ganhar o poder, muito brevemente. Até a natureza lhe presta serviço: se fosse um golpe tramado para fazer voltar a direita e as suas políticas, se conseguiria melhor. E com o processo Sócrates a empurrar a banda, o declínio do PS fica mais próximo dos congéneres europeus. Por outro lado, a destruição foi tal que os próximos anos prometem alguma calmaria. Há menos territórios para arder. O futuro promete alguma recuperação, até porque vai ocorrer um investimento generoso (e justo) a todos os lesados dos fogos. E provavelmente, um pequeno impulso na económico local, até que se apaguem os impulsos da generosidade. E que poderá produzirá alguns efeitos sobre algumas reformas negociadas e previstas no OE e negociadas no âmbito do acordo com os parceiros do PS. O presidente já avisou: atenção aos efeitos de algumas medidas que vão cair em cheio em 19, ano de eleições. Acho muito adequada a apresentação da moção de censura por parte do CDS. E o que vão fazer e dizer os partidos de esquerda? Será que este governo está ferido de morte e vai ser trucidado? Como compatibilizar as críticas duras com um voto favorável? O debate na AR foi mais do mesmo. O PSD assumiu a oposição trauliteira e Assunção Cristas foi implacável, mas com um registo de primeira-dama: menos Marie Le Pen e mais Margaret Thatcher. O PS demonstrou a enorme fragilidade que grassa no partido. O PCP disse que as políticas são quem mais ordena e o Bloco disse o mesmo que Louçã no dia anterior e lhe valeu de Miguel Sousa Tavares o reparo de que a sua proposta era velha e vinha do tempo do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles. Desliguei-me dos fogos. As notícias das demissões caíam sem surpresa. Estava muito cansado, e virei-me para a música.

26 Outubro

O governo colocou Cabrita na AI, mudou de gente na P.Civil, definiu o roteiro, as entidades e as gentes que passariam a ficar comprometidas no combate e prevenção dos fogos. Tudo direitinho, conforme as NEP´s (normas de exercício permanente). A moção de censura não passou e o Presidente aceitou o voto de confiança e deixou muitos avisos ameaçadores ao governo. Entretanto, vai-se sabendo que há um relatório da P.Civil que rebate algumas verdades da “Bíblia”, usando o inalienável direito ao contraditório, ao mesmo tempo que se vão conhecendo alguns reparos que vão saindo, em voz baixa, do governo relativamente ao presidente e ao que lhe fora já previamente informado sobre o plano de contingência, nomeadamente das demissões já em curso. O presidente feriu de morte o governo e só não o demitiu porque Passos se pirou e o PSD está órfão. O homem tem uma qualidade indiscutível e sincera na forma como se apresenta no terreno e dialoga com as gentes. E cumpriu essa missão de forma brilhante. Mas, não há bela sem senão. E como provavelmente não esqueceu a sua apetência de “fazedor de factos” e porque continua a ser um homem de centro-direita muito ligado à Igreja e um animal político habituado às lutas pelo poder, temo que vá continuar a fritar em lume brando o actual governo para o entregar à direita, de mão beijada, no momento certo: nas próximas eleições. Tem demasiado poder para meu gosto. A florestação não vai ser cumprida: não há gente, nem condições, nem a mobilidade do trabalho aponta para que se cumpra esse desígnio. Os ditames da UE e o próprio “conceito de globalização que, assente no favorecimento dos sectores mais competitivos, afasta as pessoas dos sectores menos competitivos”. Uma tragédia nunca vem só. Temo que os danos causados pelos fogos causem graves prejuízos políticos. Vamos ver. A porta que se abriu pode fechar-se com e por obra de Marcelo Rebelo de Sousa: os seus recados passarão a ser virais. Certo é que os beijos e abraços vão continuar, a bem da Nação. Estou muito desiludido com o governo: não esteve à altura para tomar decisões assertivas, depois não foi capaz de se preparar para diminuir riscos futuros e de se defender com substância. E os aliados só desajudaram: fugiram todos não fossem ser prejudicados e ficar mal na fotografia. Um contorcionismo permanente. E vamos perder o que tanto custou a ganhar.




A designação de Bíblia ou Novo Livro no texto são formas de enfatizar a suprema qualidade e o auto de fé que gerou o Relatório da Comissão Técnica Independente.

O MOMENTO DO QUEIJO

António Mesquita


http://www.batashoemuseum.ca


“Há um muito belo texto de Platão, num diálogo com Sócrates, em que Sócrates diz: é curioso o que se passa, há assuntos sobre os quais ninguém ousa falar, a menos que seja competente. Por exemplo, sobre o fabrico do calçado, ou sobre a metalurgia. E depois há uma quantidade de assuntos sobre os quais toda a gente se crê capaz de ter uma opinião. (…) De tal maneira que a filosofia é a matéria em que toda a gente tem uma opinião. Saber se Deus existe? Disso, pode-se sempre falar no momento do queijo. Saber se Deus existe. Cada um tem uma opinião sobre uma questão como essa, cada um tem o seu esquema para dizer. Em contrapartida sobre o fabrico de sapatos?”


“Les Cours de Gilles Deleuze”


Nem o Rei-Sol se atrevia a decidir uma questão técnica. Tinha que confiar na opinião do seu arquitecto ou do seu marceneiro. E sabemos de como era crédulo em relação ao seu médico, apesar da arte deste se prestar tanto à discussão.

Platão escarnece, evidentemente, da facilidade da filosofia popular, sem recorrer ao “momento do queijo”.

Embora quase ninguém se reconheça filósofo, todos, duma maneira ou doutra, amam o saber que julgam ter, o que não é muito diferente, no fundo, da filosofia.

Se pusermos o calçado e os outros problemas práticos de lado, há todo o imenso continente do que não se sabe ao certo que, nalguns casos, não deixa de ser urgente, como, por exemplo, conhecer o semelhante com quem temos uma disputa ou com quem temos de fazer um contrato.

Em vez disso, Platão acena-nos com a “verdadeira” filosofia. Só que não podemos tomar a consistência das ideias pela marca da verdade.

Platão, o menos sistemático dos filósofos, nem por isso deixa de apelar ao nosso sentimento estético e à nossa crença ( a crença no ideal, antes de tudo ).

O QUE VAI ACONTECER?

Manuel Joaquim



A comunicação social tem estado a massacrar-nos sobre os incêndios, sobre o orçamento, sobre a falta de água, sobre os afectos do Presidente da República e o esfriamento das suas relações com o Primeiro-ministro. Os comentadores de serviço alimentam todos estes assuntos na esperança de contribuírem para a queda do governo e para o regresso da direita. Falam e escrevem sobre o que se passa na Catalunha, numa perspectiva redutora da complexidade da situação, manifestando as grandes preocupações da classe dominante.

Escamoteiam o discurso que o presidente da EU fez em 13 de Setembro, no Parlamento Europeu, sobre o “Estado da União” e os comentários que tem efectuado, bem como os projectos políticos que a EU pretende desenvolver e das suas consequências.

Escamoteiam que a senhora que apresentou na Assembleia da República a moção de censura ao Governo, com vista à sua queda, foi a ministra da Agricultura do governo PSD/CDS, que foi a responsável pela legislação que escancarou a plantação de eucaliptos, extinguiu postos de sapadores florestais, reduzindo capacidades de vigilância e de protecção civil. Santa mulher que perdeu a vergonha pelo seu comportamento.

Limitam-se a dar notícia sobre a publicação de documentos sobre o assassínio de Kennedy, com a indicação de que Trump não permitiu a publicação de alguns para serem analisados pelos serviços secretos, reproduzindo comentários ressequidos sobre quem foi o assassino. São assuntos não muito convenientes pois, para já, pelos documentos agora publicados, sabe-se que a liquidação de Fidel Castro esteve a ser trabalhada. Mas também pelo que já se sabe, a execução de Kennedy foi decidida pelas mais altas instâncias do poder americano de então, com características de um verdadeiro golpe de estado. Aquilo que os EUA gostam de aplicar nos países que não seguem as suas orientações.

Estão nos nossos olhos o que aconteceu e acontece no Iraque e na Líbia, quando pretendiam deixar de negociar o petróleo em dólares. Tentativas muito recentes na Venezuela, pela mesma questão.

China, Rússia, Irão, Venezuela e outros passaram a negociar o petróleo em moedas que não o dólar. Se até agora tínhamos os petrodólares, vamos passar a ter petroyuans.

O que vai acontecer?

VISÕES

Mário Martins





As recentes tendências da moda política mundial, inspiradas pelo novo governo americano, que estão a tornar o mundo tão incerto como perigoso, levaram-me a regressar às “Visões” de Michio Kaku, livro publicado há 20 anos, com base em cerca de 150 entrevistas a cientistas, incluindo um grande número de Prémios Nobel, de várias disciplinas.

O sub-título da obra “Como a ciência irá revolucionar o século XXI” dá ao leitor a expectativa de “saber” como e quando o factor objectivo irá moldar o subjectivo, quer dizer, como e quando o imparável desenvolvimento científico-tecnológico irá influenciar decisivamente o voluntarismo político.

Para o autor, professor de física teórica no City College de Nova Iorque, co-criador da teoria das cordas e conhecido divulgador de ciência, a revolução da informação está a construir e a forjar uma cultura planetária comum baseada em milhares de pequenas culturas; e em finais deste século o verdadeiro poder das três revoluções científicas (quântica, informática e biomolecular) forçará as nações a cooperarem numa escala nunca vista na história; mau-grado prognosticar que a marcha para uma civilização planetária será lenta, aos arrancos, indubitavelmente repleta de reviravoltas e contratempos e que, na sombra, paira permanentemente a ameaça de uma guerra nuclear, de um surto de pandemia mortífera ou de colapso do ambiente.

Bem pode dizer-se que este último prognóstico assenta que nem uma luva à situação actual: vivemos um movimento centrífugo das nações, da fase da dissuasão nuclear passamos à da agressividade nuclear, as bactérias e os vírus tornam-se cada vez mais ameaçadores, e o ambiente não promete nada de bom.

Apesar disso, acompanho o autor na crença de que, salvo destruição com origem humana ou natural, estamos a caminho de alcançar uma civilização planetária. Só é pena que a previsão aponte para o final deste século…


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